Relato: Her Story - Neo Fusion
Relato
Her Story
8 de março de 2019
Atenção: esse texto contém spoilers sobre a trama de Her Story. Se você ainda não jogou, eu recomendo fortemente que o faça antes de prosseguir.

O ano de 2015 foi marcado por jogos incríveis, mas só cheguei a essa conclusão há alguns meses ao experienciar boa parte de suas mais valiosas preciosidades. Por um lado, Hidetaka Miyazaki rabiscava sobre sua própria fórmula de sucesso com o temível Bloodborne; por outro, Hideo Kojima expressava sua insatisfação para com seus superiores nas entrelinhas narrativas do furtivo Metal Gear Solid V: The Phantom Pain. Entre o corte da espada (de Bloodborne) e o perfume da rosa (que mais se assemelha à épica batalha de Metal Gear Solid 3: Snake Eater), nasceu Her Story.

Muito mais que mera coincidência ou somente motivado pelo desejo de enaltecer a cultura do rap nacional com as rimas do glorioso Mano Brown, Her Story certamente se encontra entre o rasgo feito por um espelho estilhaçado e o perfume das persuasivas personagens Hannah e Eve. Isso ficou muito claro após as quatro ou cinco horas dedicadas a resolver um dos mistérios mais intrigantes que já vi. Fazer parte dessa investigação me fez ir muito além de tentar adivinhar o culpado enquanto assistia Scooby-Doo ou de bancar o sabichão com as mecânicas investigativas engessadas, ainda que satisfatórias, de The Wolf Among Us.

Primeiramente, eu não pretendo discutir os tipos de entretenimento propostos e proporcionados pelo desenho animado da saudosa Hanna-Barbera ou pela adaptação “jogável” da série de quadrinhos Fables. Afinal, cada um deles é parte de uma linguagem diferente  mesmo tangenciando temas de investigação que geralmente aguçam a curiosidade do público com mais facilidade. Mas gostaria de adiantar que Her Story está indubitavelmente entre as três experiências investigativas que mais marcaram minha vida, e isso não resume somente ao jogo em si.

A história dele (Sam Barlow)

Grande parte das grandes produções nas quais Sam Barlow trabalhou como roteirista e game designer não faz jus à genialidade e originalidade de sua obra mais recente. Apesar de Silent Hill: Origins ter seu valor e ser apreciado como um bom jogo da franquia, o divisivo Silent Hill: Shattered Memories deixou um gosto amargo pela falta de combate e por não arriscar com uma trama original.

Este último, porém, executou satisfatoriamente alguns conceitos muito interessantes para o âmbito dos jogos de terror psicológico, como a inserção de sessões canônicas de psicanálise em primeira pessoa  tendo sido, inclusive, reutilizado mais recente e eficientemente em Until Dawn, jogo-filme (ou seria “Sony Game”?) da Supermassive Games. Em poucas palavras, os encontros com o psicanalista aos quais somos convocados nos apresentam testes com decisões que devem ser tomadas e que impactarão em uma experiência ainda mais assustadora ao longo das próximas horas de jogo.

As limitações técnicas da indústria de videogames em 2009 e também em 2015,  porém, impediram que um personagem pudesse deixar transparecer nuances de sua personalidade por meio da sua atuação. Mesmo com as melhores tecnologias de captura de movimento e modelagem conhecidas na atualidade (2019), é impossível se equiparar ao nível de fidelidade de uma cena gravada com atuação real (FMV, ou Full Motion Video). Para seu próximo projeto e primeira empreitada solo, Sam decidiu contratar uma ginasta e musicista atriz britânica de qualidade inquestionável.

A história dela (Viva Seifert)

Ginasta por definição, musicista por paixão e atriz por obrigação, Viva Seifert é sinônimo de versatilidade. Sua história e envolvimento com a carreira artística, seja na música ou na atuação, começou um pouco mais tarde que o comum. Em 1990, aos 18 anos, Viva competiu no Commonwealth Games, representando o Reino unido e conquistando duas medalhas de bronze na ginástica artística — além de competir nos jogos de verão de 1992. Sua carreira como esportista não durou o bastante para ela se tornar um fenômeno mundial, mas quem disse que a atleta não se destacaria com outro talento artístico?

Em 1999, Viva foi convidada para ser tecladista da recém-formada Bikini Atoll, banda inglesa de post-rock fundada por seu irmão, Joe Gideon. Durante os sete anos seguintes, a instrumentista se dedicou principalmente à banda, engajando-se também no aprendizado de outros instrumentos. A banda chegou ao fim em 2006, mas Joe e Viva ainda tinham história para escrever na esfera musical; e foi assim que decidiram formar o dueto Joe Gideon & the Shark. Viva Seifert, agora no comando também da percussão, mais uma vez provava o ponto de que havia nascido para ser uma artista.

Foi em Her Story o primeiro contato profissional de Viva com atuação, mesmo que isso não seja tão aparente enquanto investigamos as sete entrevistas intencionalmente fragmentadas. A fidelidade e clareza propiciada pela atuação de Viva permitiu que Sam Barlow pudesse criar uma experiência investigativa muito além da observação dos depoimentos falados apenas; notar os trejeitos, reações e comportamento da atriz no papel de Hannah/Eve é essencial para descobrir a(s) verdades(s) e solucionar o caso.

A história delas (Hannah/Eve)

Os depoimentos de Hannah e Eve (ambas atuadas por Viva) estão a todo tempo nos confundindo e nos colocando em xeque com nossas próprias conclusões sobre o caso. Isso acontece pois Her Story tem uma estrutura narrativa não-linear orientada justamente pelo ímpeto de curiosidade e observação do jogador. O jogo basicamente se passa em um computador antigo com um mecanismo de busca que indexa todas as palavras presentes em cada um dos depoimentos, permitindo que o jogador encontre novos vídeos com pistas relevantes durante suas buscas.

Esse tipo de mecânica central parece simples, mas funciona justamente por dois motivos: os vídeos encontrados em uma busca são organizados em ordem cronológica, e somente são revelados os cinco primeiros referentes àquela busca. Isso significa que procurar a expressão murder (assassinato), sugerida inicialmente como dica ao jogador, retorna apenas os cinco primeiros vídeos que contém essa palavra como parte do depoimento.

É deste modo que o jogo concede autonomia para o jogador, permitindo que ele construa a trama em sua cabeça por meio de suas ações. É também por meio da não-linearidade presente no jogo  e das semelhanças entre as personagens  que Hannah e Eve são facilmente confundidas. São mínimos os detalhes na estética, comportamento e dialética que nos façam diferenciar, com toda a certeza, os momentos certos onde cada substitui a outra em frente às câmeras.

Entretanto, há algumas perguntas que ainda ficaram sem serem respondidas: seriam as garotas irmãs gêmeas apaixonadas pelo mesmo homem? Seriam elas irmãs trocadas na maternidade que acidentalmente se reencontraram na juventude? Seriam elas a mesma pessoa, fruto de algum distúrbio de dupla personalidade?

Sam Barlow nunca confirmou nenhuma das opções, o que sugere que o final é interpretativo e que cada um deve levá-lo à consequência que mais lhe conforta. Mas de uma coisa eu tenho certeza: seja pela história d’ele, pela história d’ela ou pela história d’elas, Her Story é uma experiência incrível que marcou minha vida para sempre.

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Comentários

Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.

O sorteio vai ser ao vivo via live???

Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)

Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.

Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png

cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...

Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público

Agora sim vou ter meu switch o/

Sim!

Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?

Reativei minha conta só pra promoção kkkk

Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte

Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!

Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.

sera que agora ganho o

Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.

Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?

Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!

Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)

Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?

? vou seguir o Renan aqui tbm