Opinião: Free Fire e a difusão do videogame na realidade brasileira - Neo Fusion
Opinião
Free Fire e a difusão do videogame na realidade brasileira
17 de dezembro de 2020

O futuro dos videogames está entre nós: oficialmente lançados nas últimas semanas, os poderosos PlayStation 5 e Xbox Series estão colecionando opiniões positivas de influenciadores, jornalistas e entusiastas de tecnologia. As especificações técnicas, que impactam tanto na capacidade de rodar jogos de gerações anteriores quanto na promessa de propostas inéditas, impressionam para além de apenas melhoras gráficas, reunindo em um só dispositivo uma gama de recursos e funcionalidades interessantes. Não há muito títulos, porém, figurando a lista de exclusivos. Na verdade, no caso do Xbox Series X e de seu modelo de entrada (Series S), há apenas Gears Tactics, anteriormente lançado para PC. Já o console da Sony, comercializado em versões com e sem leitor óptico (R$ 4700 e R$ 4200, respectivamente), tem como seu grande chamariz o remake de Demon’s Souls, projeto encabeçado pela Bluepoint Games.

Há algo curioso no lançamento do PlayStation 5, especial e pontualmente em países como o Brasil: mesmo após a mais recente redução de IPI, o console continua sendo “para poucos” tal qual seu jogo de lançamento. Se, por um lado, acessibilidade e formas de inclusão são deixadas de lado toda vez que um jogo da FromSoftware vê a luz do dia, há também um problema de acessibilidade do ponto de vista socioeconômico, uma variável que impede, há anos, pessoas de classe mais baixa de conhecerem esse tal negócio que chamamos de videogame (console ou jogo, qualquer um cabe bem aqui). Não é um problema que apareceu agora com consoles e com placas de vídeo beirando os 5 mil reais, é sintomático há gerações. Videogames são, ainda, uma forma de arte e de entretenimento elitista — e há muito que se fazer para reverter, mesmo que parcialmente, essa situação.

A redução de preço foi bem-vinda, mas beneficiou apenas aqueles que já tinha poder e pretensão de compra.

A redução de preço foi bem-vinda, mas beneficiou apenas aqueles que já tinha poder e pretensão de compra.

Há produtos de entretenimento, porém, que conseguem penetrar tecidos sociais e conquistar públicos de renda mais baixa de uma forma inacreditável — tal qual a longeva era nacional do PlayStation 2, impulsionada principalmente pelo comercialização de software pirata. Munido de formas de monetização menos agressivas ao público e ao cenário competitivo que outros jogos mobile, o sucesso Free Fire se tornou um fenômeno por ser tão acessível ao público (do ponto de vista do investimento que deve ser feito para jogá-lo) quanto é lucrativo para a Garena. E os números não mentem: esse é o jogo com a cara do Brasil.

Do que se trata?

Free Fire foi desenvolvido e publicado pela Garena, uma provedora de internet e serviços baseada em Singapura. Lançado em 2017, o jogo segue a estrutura de jogos como PUBG e Fortnite, estilo denominado battle royale. Diferente de outros jogos do tipo, Free Fire faz o popular “feijão com arroz bem feito”, focando em uma experiência que prioriza atualizações de conteúdo, conectividade e taxa constante de quadros por segundo para sustentar o espírito multiplayer online. O jogo nem mesmo se preocupa em emplacar uma identidade visual característica ou uma mecânica destacável: suas cartas na manga ficam por conta de seu fácil e barato acesso.

Free Fire é grátis, mas o que isso significa de verdade? Bem, há uma certa resistência quando essa frase é dita, já que, na maioria das vezes, a gratuidade de um produto de entretenimento na internet é acompanhada de um ônus ou um truque malicioso por parte das empresas. Candy Crush Saga, por exemplo, é grátis desde que você não esgote suas vidas — ou adquira mais tentativas usando “dinheiro da vida real”. Aliás, há uma infinidade de jogos com game design predatório — principalmente quando o assunto é a recompensa vs. o esforço (em tempo ou dinheiro) para obtê-la.

Há também o famoso “pague para começar”, que limita a experiência do jogador ou jogadora a uma quantidade não muito representativa de estágios, forçando a aquisição da versão completa por estes meios. Por último, mas não menos importante, vale citar também os jogos grátis para consoles/PC (mesmo aqueles oferecidos pelo Humble Bundle e Epic Games Store) que, infelizmente, dividem o público que tem condiçções ao tipo de tecnologia de ponta necessária para rodar o jogo ou não. Afinal, por mais barato que possa parecer para nós, uma plataforma mais tradicional ainda é comercializada por valores impraticáveis à medida que descendemos na escala social. Videogames não são (e nem devem ser) prioridade de uma “família de cinco” que vive sob o orçamento de um salário mínimo, mas é curioso ver como Free Fire se inseriu nesse meio.

Do outro lado do mundo para “todo mundo”

Disponível para Android e iOS, Free Fire se tornou esse sucesso de público graças principalmente às escolhas técnicas da equipe. Enquanto jogo de tiro controlado via tela de toque — que, aliás, pode ser jogado com mouse e teclado se executado de um PC —, ele deixa pouco a desejar para seu escopo e público-alvo. Os comandos são suficientemente simples para atrair jogadores e jogadoras com poucos recursos e tempo para formas mais tradicionais de jogar, mas não deixam de garantir um tipo de produto que pode ser moldado para fins competitivos.

Impressionante também é quão bem o jogo roda em dispositivos móveis, especialmente considerando a gama de preços oferecidos quando falamos em celulares Android. Há desde limitados modelos de entrada para cada fabricante, que estão atualmente na casa de um salário mínimo, até opções mais requintadas e modernas que ultrapassam facilmente os cinco salários mínimos. Qualquer que seja sua escolha, as chances de compatibilidade e equiparidade em termos de desempenho são grandes. Esse fato, alinhado à gratuidade do jogo e a seu game design voltado à venda de itens majoritariamente cosméticos, é um terreno fértil para que Free Fire se torne realmente o que chamamos de “um jogo para todos”.

Sendo sincero, acho elogiável o trabalho que vem sendo feito pela Garena em território nacional via assessoria de imprensa e influenciadores. Eventos como a Taça das Favelas Free Fire e a Copa das Favelas são exemplos de competições que promovem oportunidades tanto nos esportes eletrônicos quanto na difusão da cultura “gamer” para o povo. O impacto é tanto que, nos dias de hoje, há crianças e adolescentes da periferia já sonhando com um futuro como jogadores ou jogadoras profissionais — um sentimento equivalente, mesmo que em menor escala, à ascensão social almejada pela juventude que tenta a sorte no glorioso futebol profissional.

Além disso, o fator diversidade fala bem alto — e é cultivado e perpetuado pelas equipes de desenvolvimento, organização e publicidade. Há uma quantidade expressiva de mulheres e criadores de conteúdo LGBTQ+ no meio, uma característica interessante tanto para a pluralidade de vozes quanto para uma garantir uma maior variedade de perspectivas de mundo incorporadas ao jogo e a sua comunidade. Infelizmente, há uma parcela considerável de toxicidade e falta de espírito coletivo, mas isso é algo a ser trabalhado nesse meio (jogos online e eSports) de uma forma geral.

Menos jogo que o seu jogo?

A essa altura, entende-se por minha escrita que Free Fire é um dos meus queridinhos, aquele jogo que eu adoro jogar no meu tempo livre, não é mesmo? Pois é, então aqui vai uma confissão: eu experimentei o jogo uma vez por 30 minutos em 2019 e nunca mais voltei a ele. O mesmo ocorreu com Fortnite, PUBG e Spellbreak. Desinteresse no gênero battle royale? Até poderia dizer isso, mas as mais de 100 horas que investi em Call of Duty: Warzone diriam o contrário. Mesmo assim, eu digo que Free Fire é tão jogo quanto qualquer outro jogo, não há muito que o desqualifique enquanto entretenimento interativo.

Minha questão é tentar diariamente fazer esse exercício de dividir o que eu gosto de verdade e o que é importante existir. Enquanto expressão de arte, jogos realmente são experiências pessoais criadas com um intuito que pode ou não ser atingido, mas impacto pessoal e impacto coletivo são duas coisas bem diferentes entre si. Eu poderia falar por horas sobre o quão impressionante The Last of Us Part II foi para mim, mas de que adianta quando a realidade brasileira inviabiliza a aquisição, até mesmo, de um PlayStation 4? Meu intuito não é banalizar a crítica (se é que possamos chamá-la assim) de videogames pelo fato de serem, ainda hoje, artigos de luxo, mas sim trazer à tona a relevância de jogos que vão muito além do que o jogo propriamente dito oferece.

Com especificações mínimas e controles por toque tão amigáveis quanto qualquer aplicativo de smartphone, Free Fire está praticamente a um bolso de distância do brasileiro. Sua acessibilidade e capacidade de permear e incluir cultura popular (vide vira-lata caramelo e letras de funk sobre o jogo) são marcantes demais para serem ignoradas em um país com tanta desigualdade social e desincentivo à cultura.

Leia também

Comentários

Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.

O sorteio vai ser ao vivo via live???

Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)

Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.

Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png

cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...

Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público

Agora sim vou ter meu switch o/

Sim!

Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?

Reativei minha conta só pra promoção kkkk

Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte

Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!

Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.

sera que agora ganho o

Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.

Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?

Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!

Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)

Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?

? vou seguir o Renan aqui tbm