Relato: Persona, Shin Megami Tensei e a estranheza acalentadora - Neo Fusion
Relato
Persona, Shin Megami Tensei
e a estranheza acalentadora
3 de março de 2023

Em 2018, no auge de minha admiração com jogos first-party da Sony, resolvi me permitir adquirir o finado PlayStation Vita para viver mais uma coleção de presepadas no papel de Nathan Drake em Uncharted: Golden Abyss. Cinco anos e centenas de videogames finalizados depois, sinto que há apenas um indispensável no portátil da Sony para pessoas com gosto similar ao meu: Persona 4 Golden. Exclusivo ao PS Vita por oito anos, a versão estendida do conteúdo original de PlayStation 2 chegou ao PC em 2020 e já está disponível para as plataformas atuais com todo o seu charme.

Tendo jogado nesse interim uma quantidade razoável de jogos japoneses — em especial os títulos numerados de Shin Megami Tensei e Persona —, posso afirmar com tranquilidade: há algo de muito especial neles. Como são muitos jogos e eu não sei se terei a oportunidade de desbravar todos os obscuros e raros títulos das séries, sub-séries e os spin-offs de gêneros diversos, vou me limitar por ora a comentar qual é a pegada de algumas das entradas da franquia MegaTen de uma forma geral e honesta.

MegaTen em sua mais diversa composição: dungeons crawlers, visual novels, estratégia e até jogos de ritmo.

MegaTen em sua mais diversa composição: dungeons crawlers, visual novels, estratégia e até jogos de ritmo.

Jogo estranho de gente esquisita

Quando eu ainda era bastante preconceituoso com jogos japoneses (e isso nem faz tanto tempo assim), ouvi falar sobre um tal de Shin Megami Tensei pela primeira vez. Essa era a série de jogos favorita de um dos caras mais inteligentes que conheci no Bacharelado de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do ABC. Assim como eu, ele sempre usava os trens da Linha 10 – Turquesa da CPTM para retornar a sua casa e, vez ou outra, jogava em seu Nintendo 3DS durante as viagens — console que havia comprado pela empolgação com as promessas acerca do quarto jogo numerado da franquia.

Eu gostava de “espiar” a tela dele enquanto jogava algum outro jogo menos complexo e mais popular. De canto de olho, eu me recordo da quantidade de vezes na qual o jogo estava em algum tipo de menu ou diálogo. E, sendo sincero, eu não entendia como um jogo assim poderia ser interessante ou divertido. Acontece que, pela ótica externa, SMT pode sim parecer uma bizarrice. Sua estética é autenticamente estranha, desconfortável e até repulsiva dependendo de suas crenças e ideologias. O fato de você poder se aliar a demônios, escolher um destino pautado no caos e ainda abordar assuntos considerados como tabu para o ocidente dão ainda mais margem para quem se prende às primeiras impressões.

Shin Megami Tensei IV mistura conceitos futuristas à temática do Japão Feudal de uma forma naturalmente intensa.

Shin Megami Tensei IV mistura conceitos futuristas à temática feudal japonesa de forma orgânica e engajante.

Se você me conhece há algum tempo, provavelmente já deve ter me ouvido elogiar Persona 4 Golden. Ele foi meu primeiro contato efetivo com MegaTen e continua sendo meu jogo favorito da franquia mesmo tendo experimentado meia dúzia de outros títulos. Por mais que ele seja considerado uma sequência natural de Persona 3 FES — jogo que introduziu o sistema de social links à série —, só consigo admirar sua habilidade de contar uma história emocionante e misteriosa, cheia de arcos e reviravoltas.

Aliás, Persona se diferencia do resto da série justamente no sentido de compor suas narrativas de uma forma mais abrangente com social links. Os relacionamentos desenvolvidos ao longo do jogo, que vão muito além do foco nos integrantes da party, nos permitem conhecer traços de personalidade distintos de algumas figuras coadjuvantes e relacioná-los com temas mais centrais. SMT, por sua vez, apresenta um pouco mais da relação entre personagens “lado B” com o mundo em questão por meio de side quests espalhadas pelas imensas e labirínticas dungeons presentes nos jogos.

A vibe de Persona, em sua maioria, é mais leve — apesar das temáticas quase sempre polêmicas, como bullying, abuso de poder e corrupção política. A sensação é que, ao longo do jogo, a afinidade entre o grupo se torna a força-motriz para a esperança de se resolver o grande mistério de cada nova entrada da série. A vibe de SMT, por sua vez, é mais voltada à falta de esperança por um mundo “normal” após algum evento extraordinário. O estado desordenado do mundo e a ameaça à integridade da humanidade são fatores bastante relevantes durante as aventuras. Além do mais, é um jogo muito mais sobre a relação entre humanos e demônios do que entre grupos de pessoas diferentes.

Quem vê cara não vê coração

Um ponto de destaque comum nos jogos da série MegaTen é a direção de arte — bastante variada e rica em detalhes justamente pelo fato cada jogo se passar em um setting diferente. Persona 3 Portable, por exemplo, apresenta traços mais triste e depressivos em sua estética; a paleta de cores também é mais escura no geral, sendo o azul e seus muitos tons parte integrante do visual. Já Persona 5 tom foco mais no vermelho, preto e branco, brincando com formas e efeitos visuais em animações rápidas para tornar a experiência de “menus” de um jogo por turnos mais cativante.

Um dos pontos de maior destaque, porém, são as trilhas sonoras. É impossível falar sobre essa franquia e não citar a variedade de estilos presente em cada título — especialmente por esse aspecto se combinar ao teor narrativo e estético de cada nova entrada. Shin Megami Tensei: Strange Journey, por exemplo, tem forte presença de instrumentos de sopro metálico (trompete, trombone, tuba), cordas graves e percussão quase de fanfarra. Combinados aos frequentes cantos de fundo quase indistinguíveis, evocam uma sensação de que algo grandioso e extraordinário está sempre por perto na imensidão gélida e inóspita do continente gelado onde a história de passa. Apesar de seu estilo irreverente, acho que acaba se repetindo demais ao longo das regiões e desafios do jogo.

Persona tem estilos variados de trilha sonora em cada entrada. As 3 versões de Persona 3 tem foco no rap japonês, sendo algumas composições bastante melancólicas e de evolução progressiva no ritmo do jogo, como é o caso da música de exploração do Tartarus. Os dois jogos de Persona 4, por outro lado, trazem composições mais baseadas em pop japonês (idols) — há uma quantidade razoável de músicas animadas, felizes e vibrantes. Até as músicas que emocionam pela letra acabam sendo animadas a ponto de nos deixar com vontade de cantar. E sobre a trilha de Persona 5, Persona 5 Royal e Persona 5 Strikers, eu deixo para que você tire sua própria conclusão enquanto ouvinte!


No fim das contas, essa franquia me fascina justamente por sua bela estranheza nem um pouco convencional. Cada jogo propõe especificidades mecânicas de jogo por turnos de forma diferente — e também por isso se torna agradável emendar um jogo no outro. Alguns ficaram presos ao idioma original (japonês) e outros são raros o suficiente para não conseguirmos jogar de forma legal, mas certamente o alcance que esses jogos galgaram no ocidente é algo bastante elogiável. Vida longa a MegaTen!

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Comentários

Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.

O sorteio vai ser ao vivo via live???

Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)

Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.

Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png

cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...

Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público

Agora sim vou ter meu switch o/

Sim!

Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?

Reativei minha conta só pra promoção kkkk

Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte

Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!

Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.

sera que agora ganho o

Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.

Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?

Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!

Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)

Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?

? vou seguir o Renan aqui tbm