Relato: Por que a FromSoftware se tornou meu estúdio favorito da atualidade? - Neo Fusion
Relato
Por que a FromSoftware se tornou meu estúdio favorito da atualidade?
24 de fevereiro de 2022

Essa é uma pergunta que me peguei pensando ao longo dos últimos meses, enquanto tentava desenvolver diversas versões deste mesmo texto. A certa altura, eu pretendia escrever sobre cada um dos seis jogos mais recentes da FromSoftware, mas a tarefa se tornou deveras enfadonha uma vez que eu queria abordar coisas demais para caber em textos minimamente concisos. Imagino que o que tenho a dizer ficaria melhor posto em forma de vídeo (quem sabe um dia…).

Também cheguei a pensar em fazer um especial abordando toda a “jornada” até a chegada de Elden Ring, que finalmente estará em nossas mãos amanhã, 25 de fevereiro, mas a verdade é que depois de tanto tempo revisitando o catálogo recente do estúdio e refletindo sobre esses jogos, notei que uma coisa não saía da minha cabeça independente do game: realmente amo e admiro a From da mesma forma que adorava a Nintendo ou a Squaresoft quando eu era criança. Nada mais justo, então, do que trazer a vocês as minhas razões para tal.

Um pouco de lore

Eu não me lembro com exatidão de quando tive meu primeiro contato com os jogos da FromSoftware, mas estou certo de que foi muito antes do estúdio ganhar a popularidade que tem hoje, já que tenho vagas recordações de ter jogado Armored Core no PlayStation e Tenchu: Wrath of Heaven — que, na verdade, foi desenvolvido por uma subsidiária da Capcom e portado após alguns anos para PSP pela From. E por muito tempo essa era a visão embaçada que eu tinha deles, “aquele estúdio que faz jogos de robôs gigantes e outros títulos aleatórios meio nada a ver”, mesmo que muito do DNA que é encontrado em seus jogos atuais já estivesse presente desde o começo de sua trajetória, datando de 1994, com o primeiro jogo da franquia King’s Field.

Minha primeira experiência realmente marcante, no entanto, foi como a da maioria das pessoas: com Dark Souls, perto de seu lançamento em 2011. Eu era inclusive um daqueles que torciam o nariz para o jogo antes de jogá-lo e simplesmente não conseguia entender o motivo de tanto alarde com a história de “Meu Deus, que jogo difícil!!!”. Estava preocupado em jogar The Legend of Zelda: Skyward Sword no Wii, que imaginava ser bem mais a minha praia do que esse jogo novo de espadinha, almas negras e armaduras com elmo em forma de cebola. Mas eis o resumo da ópera: Skyward Sword se revelou um dos piores jogos da franquia Zelda para mim e, frustrado com isso, decidi que era hora de experimentar outra coisa e acabei indo atrás do RPG de ação para ver se clicava comigo.


Óbvio que finalmente entendi o alarde sobre a dificuldade do game e apanhei feito um cachorrinho na chuva, chegando a pensar que não tinha nada de muito especial sobre o jogo. Mas isso somente nas primeiras horas de jogatina, porque o que aconteceu em seguida, mesmo não dominando tão bem suas mecânicas e sistemas, foi que algo conseguiu me fisgar de jeito e eu não parei mais de pensar sobre o jogo. Na real, talvez isso nem seja lá muita surpresa para um fã de Zelda e dos jogos do Fumito Ueda, claras influências na obra de Hidetaka Miyazaki, criador da série Souls e atual presidente da empresa.

O primeiro Dark Souls não é influente e importante à toa e isso já me pareceu claro mesmo na época em que o joguei pela primeira vez. Pode até ser que eu não imaginasse que o enxergaria hoje como uma espécie de “Ocarina of Time de seu tempo”, mas cá estamos e é exatamente assim que o defino. Dark Souls tem muito daquela magia que só quem jogou OoT no final dos anos 90 consegue enxergar de verdade. É um jogo que parece quase um milagre, onde uma mistura de atmosfera imbatível, world design inspiradíssimo e loop de gameplay viciante simplesmente se encaixam perfeitamente. É raro quando um estúdio sem muito reconhecimento de repente aparece na hora e no momento certos com aquele tipo de produto que marca uma geração, mas é frequentemente esse tipo de jogo que nos faz lembrar o motivo pelo qual nos apaixonamos por videogames para começo de conversa.

Depois de ser “convertido” pelo Dark Souls e passar a olhar a From com um pouco mais de atenção, acompanhei todos os jogos seguintes do estúdio, jogando-os no lançamento ou perto disso, com exceção de Dark Souls III, que enrolei para jogar por estar ocupado com outras coisas em 2016 e esperando o lançamento de seus DLCs. Mas algo se tornou muito verdadeiro para mim, especialmente entre 2020 e 2021: por mais inegável que seja a importância do primeiro Dark Souls, o jogo que verdadeiramente devemos agradecer por existir é seu irmão mais velho e o responsável por começar a mudar o futuro do estúdio, Demon’s Souls — que também foi o que joguei mais recentemente pela primeira vez, tanto em sua forma original quanto no belo remake da Bluepoint Games.


Quem disser que jogou e amou Demon’s Souls em 2009 muito provavelmente estará mentindo, com raras exceções. Esse é um jogo completamente fora da curva para a época em que saiu. Isso é tão notório que o projeto era internamente considerado um fracasso durante seu desenvolvimento. O próprio Miyazaki temia muito o que a Sony poderia pensar de várias das escolhas de design do game (o quão punitivo ele é, como o multiplayer funciona de um jeito torto, o que raios era world tendency, etc) e dava um jeito de mascarar muita coisa durante as reuniões com a publisher para evitar que o projeto fosse engavetado.

Durante suas primeiras apresentações pré-lançamento, quase ninguém entendeu o jogo. O próprio Shuhei Yoshida, figura importantíssima dentro da Sony, chegou a dizer que ele era uma porcaria (paráfrase minha). Além do mais, a IGN — ainda hoje o maior portal sobre games no mundo — sequer o cobriu com alguém de dentro de sua redação: o jogo foi resenhado por um freelancer, Sam Bishop, mas muito bem avaliado (diga-se de passagem), recebendo um 9.4 de 10 em seu lançamento.

E está aí um fato importante: mesmo que todos os dados pudessem indicar que Demon’s Souls seria um grande fracasso, ele não foi. O jogo não estourou logo de cara, mas curiosamente começou a ser conhecido pelo boca-a-boca nos meses e anos seguintes, já que muitas pessoas começaram a ter exatamente a mesma impressão que Bishop: tratava-se de um dos jogos mais desafiadores e recompensadores do PlayStation 3.

A build do sucesso

Desafiador e recompensador é algo que pode ser dito de praticamente todos os jogos que vieram após Demon’s Souls, uma vez que eles compartilham daquele mesmo DNA que falei lá em cima. DeS se inspira muito no trabalho prévio da From, em particular em King’s Field, mas não se resume a uma mera sequência espiritual ou algo do tipo, sendo muito mais uma releitura de ideias que o estúdio já havia experimentado, mas postas num mundo completamente novo e com elementos únicos.

Claro, é possível traçar paralelos entre Demon’s Souls e seus irmãos mais novos e até mesmo outros jogos de combate melee ou RPG de ação: você cria seu personagem (ou alguma aberração da natureza vomitada por algum deus mal-humorado e beberrão), escolhe uma classe específica, que pode ser modificada conforme avança e distribui pontos entre os atributos de sua build; passa por um breve tutorial e progride por cada “fase” derrotando diferentes tipos de inimigos e matando chefes dificílimos, sendo alguns mais, outros menos. Mas só esse breve resumo não faz jus ao que torna cada um desses jogos tão interessantes e atraentes a uma legião de fãs, mesmo sendo um padrão “formulaico” à primeira vista.


O que realmente me fisga é como a From consegue combinar esses elementos, balanceá-los dentro de seus sistemas — basta ver como o jogo exige que você entenda o gerenciamento de stamina, o padrão de ataques e o posicionamento de inimigos, por exemplo — e propor desafios diferentes dentro desses universos. Existem jogos com combates mais profundos e robustos do que Dark Souls, mas que não necessariamente traduzem a mesma sensação agradável que DS ou Bloodborne têm no momento a momento. Os Souls são simplesmente divertidos de controlar — sim, mesmo com frame pacing horroroso, o que é no mínimo intrigante — e mais satisfatórios ainda de aprender e dominar. Se você duvida, pergunte a qualquer um que tenha entendido como executar um parry bem-sucedido ou finalizado Sekiro: Shadows Die Twice, jogo totalmente desenhado ao redor dessa mecânica de combate… e olha que ainda nem falei da delícia que é executar o contra-golpe mikiri.

Esse sistema de combate é o sangue que circula por todo o “corpo” dos Souls: seu level design. Não é novidade para ninguém que o estúdio está em um patamar alcançado por poucos no que diz respeito aos ambientes de cada fase. Os cenários são lindos, em sua maioria bem estruturados e excelentes em guiar a curiosidade do jogador por suas rotas. Isso é verdadeiro tanto nos jogos mais não-lineares (Demon’s Souls e Dark Souls) quanto nos mais direcionados (DS3 e Sekiro). E não posso deixar de citar o quão intrigante são as histórias dos jogos, contadas de um jeito minimalista, lacônico e às vezes até mesmo confuso, mas sempre com um rol memorável de NPCs e companheiros coroando um world design incomparável.

Muito também se diz sobre a dificuldade desses jogos, mas eu acredito que bater na tecla de que eles são feitos para simplesmente punir os jogadores é um tanto errado — e as publicadoras têm um bom grau de culpa dessa imagem. Demon’s Souls e seus sucessores nunca foram feitos só para serem difíceis porque sim. Esse não é o ponto. Na real, o que vejo como o segredo do sucesso da From diz muito mais respeito ao fato de ela querer fazer com que cada jogador tenha uma experiência recompensadora de superar adversidades do que de desistir dos jogos por pura raiva. O segredo está na repetição. Em repetir, aprender e superar. Em dominar o desafio proposto e sentir o gosto da vitória merecida.


Nada deixa isso mais claro do que observar como a grande maioria dos jogos trazem inúmeros chefes criativos e diferentes — em especial Demon’s Souls, que é de longe um dos jogos mais experimentais do estúdio — e também como é raro ter a mesma sensação de vitória em outros jogos. Eu mesmo já perdi a conta de quantas vezes me peguei com o coração acelerado e as mãos suadas após uma batalha difícil e inspirada, Sekiro que o diga. E, claro, isso também é verdade fora das lutas contra chefes, já que cada um desses mundos está recheado de inimigos intrigantes e cenários que exigem que você use o cérebro e não apenas seus reflexos.

É tudo isso que me faz amar os games de Miyazaki-san e respeitá-lo profundamente como um idealizador de experiências únicas. Ele é um daqueles criadores que preferem que suas obras falem por si mesmas ao invés de oferecer longas entrevistas e serem “personalidades”, mas é impossível não ver a influência de sua filosofia de design em cada canto dos jogos da From. São realmente obras 100% colaborativas, mas é a visão única de Miyazaki que dá alma a essas franquias e me deixa muito feliz saber que temos uma figura como ele nessa indústria. A From merece respeito por andar na sua própria toada e não seguir padrões só porque parecem se provar bem-sucedidos monetariamente. Às vezes, há muito ouro escondido no caminho que vai contra a maré e isso basta.

Cooperação jovial

Também não poderia finalizar esse texto sem dizer que outro motivo que faz com que a From tenha se tornado meu estúdio predileto da atualidade está em sua comunidade: eu não sou o maior fã de PVP do mundo ou de jogos multiplayer, mas nem preciso ser para simplesmente fazer parte do grupo das pessoas que apreciam o trabalho do estúdio nesse sentido.


Uma coisa muito legal que está inserida desde o primeiro Souls é essa ideia de que cada jogador pode contar com a ajuda de outras pessoas, seja dentro dos jogos mesmo, seja fora deles (meio metajogo, né?). E me perdoem por inserir outra referência a Zelda, mas isso é justamente algo que consigo ver como um paralelo do que eu sentia quando jogava TLoZ na infância. Tanto Zelda quanto Souls são franquias recheadas de segredos em seus games e contam com uma base de fãs cheia de gente interessante, inteligente e curiosa. É claro que toda fanbase tem suas maçãs podres, mas a minha experiência sempre foi 100% positiva e posso dizer que alguns dos meus melhores amigos chegaram à minha vida por conta desses interesses em comum. E algo bem bacana: cada um com seu jogo favorito dentro do catálogo, o que mostra que são jogos de extrema qualidade (embora Bloodborne e Dark Souls tenham boas margens de preferência, em média)

Sempre gostei muito de poder ajudar amigos que estejam enfrentando dificuldades em alguma área específica do jogo ou com algum chefe em particular. Esse é um dos elementos mais bacanas, inclusive, para contornar a dificuldade imposta pelos jogos, tornando-os mais universais (embora ainda tenha espaço para melhorias nesse aspecto, como, por exemplo uma maior facilidade na hora de se conectar com outro jogador). Digo isso com tranquilidade até por conhecer pessoas que só jogam esses games dessa forma, o que é bem bacana. Também acho muito legal ver os espíritos de outros jogadores andando pelos cenários, ler as mensagens deixadas por outros (algumas bem úteis, outras bem desgraçadas) e como tudo isso torna a experiência mais “real” e palpável.


Há um valor inestimável em todas essas coisas. Nenhum jogo é perfeito. Poderíamos passar o dia inteiro elogiando tanto o que a From faz bem tanto quanto criticando o que ela faz mal (ainda acho hilário como Dark Souls II é o que é porque os caras inventaram de reescrever toda uma engine que já funcionava bem e como resultado passaram mais tempo tendo que brigar com ela do que fazendo o jogo pra valer), mas a graça está justamente nisso, nesse diálogo e nesse compartilhamento de experiências. Que venha Elden Ring e, com ele, mais pessoas se inserindo nos trabalhos desse magnífico estúdio. Eu garanto que os jogos deles trazem algumas das experiências mais imersivas, interessantes, rejogáveis e inesquecíveis que se pode ter com videogames.

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Comentários

Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.

O sorteio vai ser ao vivo via live???

Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)

Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.

Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png

cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...

Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público

Agora sim vou ter meu switch o/

Sim!

Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?

Reativei minha conta só pra promoção kkkk

Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte

Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!

Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.

sera que agora ganho o

Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.

Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?

Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!

Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)

Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?

? vou seguir o Renan aqui tbm