É de se esperar que existam ao curso da vida alguns poucos dias pontualmente centrais na trajetória de uma pessoa, de uma família ou grupo de conhecidos. Estes fazem parte e conversam com processos mais longos, mas o impacto de uma situação mais grave coloca tais jornadas como pivotais. The Wreck traz um dia desses na vida da protagonista Junon, e um no qual ela deve, a partir de quem joga, realizar uma escolha crucial. Para isso, passeamos por diálogos difíceis com seus familiares e, sobretudo, pela reconstrução dos significados da memória e das relações de Junon.
The Wreck é desenvolvido pelo estúdio parisiense The Pixel Hunt, cujo trabalho de estreia foi o premiado Bury Me, My Love (2017). Neste, havia um fator narrativo interessante do processo de espera em um jogo, já que o título simulava um aplicativo de mensagens e o tempo de não engajamento com a personagem, esposa do protagonista, era essencial na construção de um chat com uma pessoa fugindo da Siria para tentar chegar na Europa. O título mais recente é mais convencional em sua estrutura, mas também focado em dramas mais concretos da nossa realidade.
Família, culpa, inveja, competição, trauma, amor, ódio, passado, memória e futuro são os temas centrais nas cercas de 5 horas de jogo. Marie, a mãe de Junon, está hospitalizada em estado grave por conta de um Aneurisma. O prognóstico de recuperação sem sequelas gravissimas é no campo da quase impossibilidade, e a protagonista é a responsável legal por fazer escolhas junto a equipe médica. A partir dessa prerrogativa de decidir sobre a vida da mãe, Junon tenta ressignificar e compreender memórias em relação a sua progenitora, bem como sua irmã, seu ex-marido e sua filha.
O jogo funciona a partir de uma dinâmica mais ou menos ciclica. Primeiro Junon está conversando com alguém, em dado momento ela resolve sair daquele hospital, fugir de tudo que está acontecendo. Em seu carro um acidente acontece e algum objeto ativa sua memória durante o capotamento. Entramos na fase da interação com as memórias, e a partir delas, após encerrado o trecho, voltamos para a conversa em que a mulher, uma escritora não tão bem suceedida, consegue desenvolver melhor suas ideias e se comunicar de forma mais franca com seus interlocutores. Até o próximo memomento, na mesma conversa ou na próxima, quando as coisas dengringolam.
Nos trechos de conversa, podemos escolher opções de fala para Junon. Isso pode ser feito diretamente, ou após algum fluxo de pensamento da personagem. Nesses, existem escolhas entre uma ideia ou outra, e tal interação habilita novas respostas na conversa. A protagonista está constantemente em fluxos de pensamento, e eles conversam diretamente com ela, com um interlocutor diegético e, assim, também com a jogadora.
Tais trechos acontecem no hospital em que sua mãe está internada, e explicita um dos pontos altos de The Wreck: a composição das imagens passeia pela perspectiva de uma graphic novel, existem algum movimento sútil de câmera aqui e ali, mas a proposta é mais puxada para a idea dos quadrinhos. De qualquer forma, a entrega visual é bem interessante e competente.
Os diálogos entre as personagens são carregados de alta carga dramática e de conflito entre Junon e as pessoas com quem conversa, a primeira, por exemplo, sua irmã. Nesses momentos há uma espécie de “embate” entre a escritora e quem ela conversa; as coisas não são muito explícitas, a comunicação precisa de trabalho e há muita mágoa e outros sentimentos complexos envolvidos.
Os trechos de memórias são mais variados, ainda que todos partam da mesma mecânica de ir passeando pelos trechos da rememoração e interagindo com ideias que brotam das diferentes imagens, espaços, coisas e pessoas. The Wreck utiliza das mesmas mecânicas para brincar com a apresentação dos momentos da memória. Existem algumas bem interessantes na forma como compõe a imagem e os elementos interativos. Outras brincam mais com a estrutura e a repetição dos mesmos espaços, mas com uma leitura diferente a partir de outra perspectiva de Junon.
A narrativação dos segmentos de engajamento com a memória são o ponto alto do jogo, ainda que estejam intimamente ligados com o desenrolar das conversas e as decisões finais. Nestes trechos o título trais situações distintas com uma economia mecânica, enquanto desenvolve sua temática central: como a ressignificação de momentos e a forma como trabalhamos memória e esquecimento molda perspectivas e é parte importante de como ajuda a cosntruir relações.
The Wreck dá a quem joga a premissa de realizar uma escolha importante sobre pessoas que ainda não conhecemos no momento da pergunta da doutora, logo no começo do jogo. É a partir dos fluxos de pensamento de Junon, de suas conversas e, sobretudo, das memórias pelas quais passeamos, que um quadro mais nítido pode ser compreendido. A perspectiva, no entanto, é apenas da protagonista.
Junon está sempre fritando, e há um esforço da personagem, e do jogo, de ancorar e dialogar com os jogadores a partir de referências culturais mais abrangentes: de Ryan Gosling a até mesmo uma piada envolvendo o governo Bolsonaro, o título passeia por algumas coisas de cinema, videogames e comportamento geral. Existem algumas opções de roteiro que me desagradaram um pouco, mas ao mesmo tempo fazem sentido com o tipo de trama e referência tratadas aqui.
No geral, The Wreck consegue trazer uma reflexão interessante sobre os temas de perda, culpa, família, passado, futuro, etc, a partir principalmente dos segmentos em que passeamos pelas memórias de Junon e a acompanhamos enquanto esta dá significados a todo esse fluxo. A batida do carro, antes de cada um desses trechos, se repete de forma contundente. A protagonista, sem entrar em spoilers, vê sua vida em escombros, desajustada e presa nessa repetição de acidente. Ela, no entanto, precisa seguir em frente. Ela quer seguir em frente.
Entender esses escombros e suas lembranças é uma proposta com muitas chances de trazer também reflexões e passeios pelas memórias do jogador, de seus próprios escombros, culpas, mágoas, medos e incertezas. Há muita coisa em The Wreck para ativar a reminiscência de quem joga, muito mais do que eu expus aqui. O jogo, entretanto, é muito mais sobre o que fazer a partir dessas lembranças e seus significados do que sobre ficarmos presos nelas de forma circular, como em um carro capotando sem parar.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm