Há séculos, música e dança são duas artes que caminham juntas. E é difícil encontrar um gênero musical que represente isso melhor do que a valsa. O estilo, caracterizado por tempos bem marcados em compassos 3/4, é uma tradição em bailes desde o século XVI até hoje. Essas músicas acionam algo tão primitivo em nossas cabeças que é difícil de não dançar quando as ouvimos.
Com a popularização do teatro, não demorou para valsas tornarem-se também parte de trilhas sonoras de apresentações de balé — tendo a Valsa das Flores de Pyotr Tchaikovski, na peça O Quebra-Nozes, como famoso exemplo. A combinação era perfeita, justamente pela relação íntima do ritmo com a dança.
Séculos depois, Stanley Kubrick inovou ao incorporar no cinema uma valsa lendária, O Danúbio Azul, composta em 1866 por Johann Strauss II. Mas a música não é empregada em uma cena de dança. Pelo contrário, 2001: Uma Odisséia no Espaço a usa em cenas espaciais, como forma de expressar a solidão encontrada além da atmosfera. Apesar da ausência de dança nas imagens, ainda enxergamos objetos em movimento, lentos e fluidos como em uma apresentação de balé. Quando os humanos finalmente entram em cena, seus movimentos também aproximam-se de uma dança, com passos cautelosos seguindo o ritmo da música.
Essa é a sensação que Koji Kondo invoca ao optar por compor uma valsa para a música “Underwater” de Super Mario Bros.. Vários aspectos da “Overworld” são compostos para explicitamente complementar a movimentação ágil do Mario sobre a terra. Em contrapartida, a “Underwater” é criada para a movimentação lenta e flutuante que encontramos sob a superfície da água.
É claro que, como Kubrick, Kondo poderia ter aproveitado uma valsa clássica para o jogo, mas isso não é algo tão simples quanto pode parecer. Ao escolher uma música existente, a obra acaba precisando se adaptar para encaixar com ela. Kubrick fez isso de forma genial, mas são incontáveis os exemplos menos sucedidos. Ao invés disso, Kondo compôs uma valsa inteiramente nova, associando seu nome a um gênero histórico e mostrando que músicas de videogame podem ser tão artisticamente válidas quanto quaisquer outras.
Mas, apesar das raízes em músicas tão antigas, a “Underwater” como aparece no Famicom e no NES sabe muito bem seu propósito. Valsas são geralmente tocadas em um tempo mais lento, mas “Underwater” é rápida como tantos outros chiptunes. Isso também não é por acaso: se prestar atenção durante o jogo, verá que as batidas da música são sincronizadas com a animação das nadadeiras dos Cheep-Cheeps inimigos. Essa sincronização fazia parte da filosofia de Kondo de que a música deveria descrever o movimento em tela, e é algo que vemos até hoje de formas diferentes na série.
Fazer uma análise melódica de “Underwater” não é tão interessante quanto de “Overworld”, pois no fim das contas é uma valsa relativamente convencional. É a opção pelo estilo que passa a ser o destaque. Porém, ainda é legal observar uma característica da melodia, que é a breve repetição de um trecho anterior com uma sutil mudança na tonalidade. As primeiras notas de três tempos são mi, ré sustenido mi. Pouco tempo depois, o mesmo desenho aparece como ré, dó sustenido, ré. Novamente, essa é uma característica de diversas composições de Kondo ao longo de sua carreira, como veremos adiante.
Eu diria que “Overworld” e “Underwater” são as composições mais inspiradas de Super Mario Bros., mas ainda há o que se dizer sobre o restante da pequena trilha sonora.
“Underground” é composta usando apenas dois canais de som do Famicom e é um laço de apenas 12 segundos. A técnica de “mesmo desenho com notas diferentes” é empregada nos quatro primeiros compassos, começando com dó-lá-si bemol e indo para fá-ré-mi bemol. Cada nota grave, tocada com o canal de ondas triangulares, é acompanhada de uma “sombra” tocada uma oitava acima, nas ondas quadradas, fazendo parecer que a música está ecoando pelas cavernas do jogo, e os breves instantes de silêncio fazem esse eco continuar nas nossas cabeças.
As últimas notas de “Underground” são uma sequência rápida que faz pouco sentido harmônico — até porque a música como um todo não é firmada em harmonia — mas funciona como uma espécie de alívio de tensão ao preparar uma nova repetição do tema.
No tema “Castle”, novamente encontramos notas que não combinam muito bem umas com as outras. Cada acorde, visto individualmente, geralmente faz sentido como terças maiores ou menores. No entanto, devido ao tempo veloz da música, nossos ouvidos têm dificuldade em separar cada um desses acordes. O que ouvimos é uma mistura de várias notas, e algumas delas em intervalos dissonantes como os de meio tom e os trítonos. O objetivo é não nos deixar relaxar durante as fases mais difíceis do jogo, e acredito que é cumprido com sucesso.
Já “Starman” é o completo oposto. Composta de apenas dois compassos, que novamente repetem um desenho musical com uma diferença de tonalidade, a música é o cúmulo de exaltação do jogo. Quando a ouvimos, Mario está invencível e devemos correr o mais rápido possível para aproveitar os poucos segundos vantajosos. A percussão da música é bem similar à de “Overworld”, mas muito mais rápida, condizente com a velocidade que Mario estará correndo pela tela.
Finalmente, temos “Ending”, uma melódica conclusão para toda a loucura pela qual o jogador passou. É outra música extremamente curta, devido ao pouco espaço que sobrou para a trilha no cartucho; na versão japonesa de Super Mario Bros. 2, Kondo incluiria a versão completa do tema. Fugindo da abundância de escolhas atípicas na trilha, “Ending” soa tranquila, harmônica e consoante. Finalmente resgatamos a princesa, então finalmente podemos relaxar. Mas, assim como a “Ending” não tem, de fato, um fim, nossa recompensa por terminar o jogo é… A promessa de uma nova aventura.
A trilha de Super Mario Bros. nos ensina muito sobre as filosofias musicais que Koji Kondo emprega em suas composições, muitas vezes mais aparentes ou exacerbadas pelos limitados recursos tecnológicos disponíveis na época. Mas ainda há muito a se dizer sobre as outras trilhas do compositor, então, no próximo texto, colocaremos um gorro verde e viajaremos para uma terra fantasiosa repleta de aventuras.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm