O Japão tem uma cultura muito forte ao redor de amizades e seus poderes — ou, podemos dizer, o impacto que causamos em pessoas ao nosso redor. Isso aparece em filmes, mangás, animes e jogos e criou-se até mesmo um clichê do “poder da amizade” sobre isso. Olhando de forma crítica, o conceito pode estar ficando cansativo já — estamos falando de décadas onde isso vem ocorrendo em obras variadas. Mas, hoje, convido vocês a uma análise um pouco diferente, a olhar para uma série como um todo e a dissertar sobre o papel dessa tal amizade em sua execução. Kingdom Hearts, em toda sua história confusa e complexa, bebe demais dessa ideia até onde pode.
Eu tenho plena certeza que você, leitor, é um morador do planeta Terra (pode me corrigir se for necessário) e, muito provavelmente, independentemente da sua idade, teve acesso a um filme da Disney/Pixar. Se você for muito novo, talvez o filme que venha a sua cabeça é Wreck-It Ralph (ou Detona Ralph, como é conhecido no Brasil). Se passar dos 40, quem sabe Rei Leão ou A pequena Sereia. Todos são filmes americanos com influências variadas, mas que, em sua maioria, usam de técnicas narrativas majoritariamente ocidentais. Os clichês são coisas como salvar a princesa, achar o amor verdadeiro ou sobre como lidar com momentos complicados da vida e aceitar mudanças.
São filmes infantis com mensagens bonitas para os adultos e que podem ensinar muito. Dificilmente, porém, se encaixam no tal “poder da amizade”. Logo, quando a série Kingdom Hearts veio ao mundo (e por mais que possa ser observada a história de filmes dentro dos jogos, uma adaptação foi feita), os temas principais dos filmes foram preservados, mas relegados a segundo plano, sendo a interação do protagonista Sora com os personagens dos filmes e os laços que eles criam com os eventos que acontecem o foco principal. Tanto é que, ao final de cada mundo, você ganha uma nova Keyblade baseada no mundo em que você esteve como símbolo dos laços que você construiu ali.
Essa adaptação transforma, de certa forma, os filmes representados em fantasmas de suas versões originais. Durante os eventos de Frozen em KH3, perde-se o peso e o medo de Elsa com suas ações e a transição para o grande número musical que é “Let It Go” para uma simples história de uma princesa assustada com seus poderes que, com laços que Sora e seus amigos ajudam a mostrar que existem, consegue se superar.
Os mundos da Disney em Kingdom Hearts são um atrativo e tanto, mas eles não são independentes e funcionais por si só como são em seus formatos originais. Eles são agentes da história para Sora, servindo como meras fases temáticas no fim e necessitando da presença do agente externo para alcançar sua conclusão. É com essa mudança, ou adaptação, que Kingdom Hearts mostra o que é o seu tema principal — não só um curioso crossover, mas uma obra sobre os tais laços e como eles impactam ao redor.
Em certo ponto, em Kingdom Hearts 2, Pateta leva um dano grande em sua cabeça e é dado como morto. Isso faz o Mickey falar uma frase que, dificilmente, o veríamos falar em outro lugar.
“Eles vão me pagar!”
Com esse sentimento de vingança, Mickey evidencia a importância do laço que ele tem com seu amigo Pateta e pretende o guardar e seguir em frente lembrando dele, como muitas outras obras e outros personagens fazem. O que eu quero dizer aqui é que, além de serem personagens da Disney que dificilmente cairiam em clichês de vingança e afins em suas formas originais, aqui temos uma expressão bem fraca do “poder da amizade”: a vontade e a determinação dos personagens é totalmente dependente de seus relacionamentos, seja entre os personagens ou entre o artifício principal da história, o equilíbrio entre luz e trevas.
Todos os personagens de Kingdom Hearts agem ou por conta de outro personagem ou para tomar um lugar na relação entre as duas forças maiores da série. Sora em Kingdom Hearts 3 acredita ter um laço com Roxas e por isso está tentando o libertar de seu coração; Riku quer se redimir pelos erros que cometeu com seus amigos e ser uma luz no meio das sombras; Xehanort tem curiosidade sobre até onde esse relacionamento entre as duas grandezas vai e como seria se a parte que geralmente perde estivesse no comando.
É claro que podemos tirar uma lição principal da série: deve existir um equilíbrio entre luz e trevas para, bem, convivermos em harmonia. Mas não é isso que a exploração da série inteira nos leva a enxergar, mas sim em como amizades são importantes e, talvez, sejam nossas maiores forças.
Quando um personagem não age por ele, mas sempre por conta de um terceiro, nós entramos num território onde é fácil forjar manipulações confusas e outras questões. Tudo que acontece em Kingdom Hearts pode ser resumido “por um laço x, pessoa y está fazendo z” e isso se torna uma forma um tanto quanto simples demais de definir uma série que é conhecida pela complexidade de sua história… O que nos leva a última parte deste texto:
Eu acabo de dar a fórmula básica para o entendimento da história de Kingdom Hearts, mas agora você deve estar se perguntando: mas por qual razão ela parece tão complexa?
A minha tese é simples: ao abusar de um clichê em sua história, ele vai se acumulando. Em certos pontos, acontecerá uma intersecção entre duas ou mais partes da história — que estão usando esse recurso ao abusá-lo, e pouco a pouco, a história vai se fragmentando da linearidade seguida.
Por exemplo, Sora tem um laço com Kairi, que tem um laço leve com Aqua, que pro sua vez tem um laço com Ventus e que tem um laço com Sora por conta dos dois, no grande esquema do universo de KH, serem seres de luz — mesmo os dois não se conhecendo diretamente. São quatro relações que, em geral, poderiam ser simples, mas entram numa espécie de círculo que vai dando voltas e vai só aumentando e ganhando círculos adjacentes. Podemos falar que Ventus tem uma relação com Terra e que Terra, por sua vez, tem uma com Riku, que é ligado com Ansem (que é o heartless de Xehanort) e por aí vai. Tudo pode ser resumido na fórmula, mas ela e o clichê de amizades e poderes foram tão abusados que o entendimento linear virou uma bola bizarra cheia de abscessos.
E eu comprovo isso citando novamente o Mickey, mas fora do momento que Pateta “morre”: ele é o personagem que está mais dentro do conflito principal — ao mesmo tempo que é o que está mais fora (pelo menos no primeiro jogo). Ele age para proteger os mundos, não por ser um papel que ele deve fazer por integrar uma das grandezas. O Mickey original, do Kingdom Hearts original, sai completamente dos traços lineares de relações (mesmo que haja personagens ligados a ele). Mickey é um agente próprio e, lá no começo, talvez fosse o personagem mais interessante.
E, falando nisso, escrevo as linhas finais deste texto: eu adoro Kingdom Hearts, mas sua narrativa é muito dependente de um único clichê. Quem sabe em um futuro isso se modifique e vejamos novos momentos e linhas que nos impactem mais uma vez. Quem sabe.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm