Tetris é uma daquelas sagas de jogos mundialmente conhecidas: Não importa se você é fã de jogos ou não, ou se é velho ou novo, você provavelmente já deve ter pelo menos visto Tetris de longe. A famosa franquia que tem o mérito de ser um dos primeiros jogos famosos de quebra-cabeças é cativante e divertida até os dias de hoje, e se tornou um fenômeno na cultura pop que tem lançado diversos jogos por vários desenvolvedores diferentes, colocando sua própria mudança à fórmula conhecida de encaixar blocos em uma tela vazia.
Existe valor histórico em estudar a história de jogos, e com certeza um jogo tão popular e revolucionário como Tetris merece esse tipo de estudo, algo que foi contado com filmes como Tetris: From Russia With Love (2004) – mas nunca no formato de um jogo. Ou pelo menos, o mais próximo disso possível, e é isso que imagino que a Digital Eclipse tentou fazer com Tetris Forever, o caso de estudo de hoje.
Tetris Forever é uma espécie de documentário interativo, parte da saga Gold Master Series da Digital Eclipse – saga que já prestigiou jogos como Karateka ou a história de Llamasoft. O documentário interativo é divido em 5 partes contando diferentes períodos da história de Tetris, contando com imagens, vídeos, entrevistas e até alguns jogos (essa é a parte que você ri). Caso você não conheça a história, Tetris foi originalmente criado por Alexey Pajitnov para seus antigos computadores de trabalho como o Elektronika 60, sendo levado aos PCs da IBM pelo trabalho de um jovem hacker chamado Vadim Gerasimov, e isso desencadearia em eventos futuros que pegariam a atenção de investidores e desenvolvedores de outras partes do mundo – pessoas como Henk Rogers, outra peça importante na divulgação de Tetris – até que nos anos 90 a febre alcançaria o mundo com versões como Tetris para o Game Boy.
Esse é o resumo de tudo, mas tudo isso e mais está explicado em bastante detalhe nos 5 capítulos do documentário. Em cada capítulo, você passa por acontecimentos simbolizados por quadros em ordem cronológica, e cada acontecimento traz uma breve descrição junto a uma imagem, um vídeo ou um jogo relevante. A divisão em linhas do tempo e capítulos diferentes favorece bastante a ideia de consumir aquele documentário em pequenas doses, tomando um pouco de tempo entre eles para experimentar os jogos presentes na coletânea, já que nem todos os jogos disponíveis aparecem no documentário – e às vezes o inverso acontece, mas chegamos nisso já já. Em geral, gostei do documentário interativo, não achei muito difícil de acompanhar, os controles estavam intuitivos e é sempre interessante aprender um pouco mais sobre uma mídia da qual sou muito fã. Próximo ao fim do documentário, temos algumas esticadas no aspecto “corporativo” autobajulativo de Tetris, o que distrai um pouco mas é esperado de uma grande corporação fazendo um documentário sobre si mesma.
Durante o documentário, vários jogos serão mostrados, e você pode interagir com a capa e caixa deles, e em alguns casos específicos, se aquele jogo for jogável em Tetris Forever, pode apertar um botão para instantaneamente testar aquele jogo. Além disso, você pode a qualquer momento apertar um botão no menu principal e ir para a lista de jogos disponíveis. A lista completa é:
Olhando para essa lista, imediatamente tive algumas perguntas. Primeiro de tudo, por que tem um jogo de “Go” no meio da história? Bom, antes de Henk Rogers tentar espalhar a palavra do grande jogo de Pajitnov para os grandes executivos da Nintendo, ele havia feito um jogo de Go para tentar cativar o antigo presidente, Hiroshi Yamauchi (e falhou no processo). Estranho, mas entendível, já que Henk Rogers teve uma grande parte na história de Tetris – nada de errado com um bônus que seja relevante à história do jogo. A segunda – e maior – pergunta é, por que existem tantas versões do mesmo título? Essa já é uma pergunta à qual não tenho resposta, e provavelmente a maior falha de Tetris Forever: A disparidade entre o documentário e a seleção de jogos.
Vamos analisar um pouco mais a situação: Tetris do Elektronika-60 e o port de Gerasimov são o mesmo jogo, com mesmas mecânicas e mesmos gráficos. A versão colorida de MS-DOS e a versão do Apple II também são idênticas. As três versões de Hatris também são idênticas, tirando alguns dos chapéus que mudam de gráfico – mas a jogabilidade é exatamente a mesma. Tetris 2, Super Tetris 2 e Super Tetris 3 são versões do mesmo jogo com os mesmos puzzles de Bombliss, e além disso temos três jogos de Bombliss com o exato gameplay e puzzles. Em suma, temos 18 jogos presentes na coletânea, e pelo menos 8 desses jogos são versões de consoles diferentes do exato mesmo jogo, então na prática, temos 10 jogos – talvez até menos dependendo da sua definição de “mesmo jogo”. E eu sei que você deve estar pensando: “É uma coletânea de Tetris, óbvio que os jogos vão ser idênticos – o objetivo é sempre o mesmo” – e isso não é exatamente errado, mas eu diria que com certeza existe um nível de diferença aceitável e não aceitável quando comparamos diferenças.
Por exemplo, vamos comparar Tetris e Bombliss: Tetris é o jogo que você já conhece, coloque os blocos na caixa para formar linhas que são apagadas e que dão pontos, quanto mais tempo você sobrevive, mais rápido o jogo fica – você joga até quando não conseguir mais lidar com a velocidade. Bombliss ainda brinca com a mesma ideia do que Tetris faz, mas há um novo objetivo: Você começa com uma certa quantidade de blocos já na tela, certas peças tem bombas, e ao completar uma linha que tenha uma bomba, essa bomba explode e destrói blocos ao seu redor – destrua todos os blocos e siga para a próxima fase. Consegue entender a diferença entre esses dois jogos? Eles seguem a mesma estrutura, mas tem objetivos e detalhes diferentes que claramente separam os dois jogos, mostrando duas vertentes diferentes da evolução da franquia. Agora compare Hatris do Famicom e Hatris do NES: São o exato mesmo jogo, mas a borda ao redor da tela onde você joga mudou. É uma mudança visual, mas em termos mecânicos, o jogo é exatamente o mesmo, e isso não mostra nada que mereça ser jogado para comparar, e não me diz nada sobre como a franquia está evoluindo. Entende o que quero dizer?
A saga Tetris teve várias mudanças desde seu jogo original no Elektronika-60: Mecânicas diferentes, controles diferentes, visuais diferentes, desenvolvedores diferentes, e quando você vê a história de um jogo, é interessante e importante que você veja não só como aquele jogo foi importante para a história, mas como ele evoluiu com o passar dos tempos. Os jogos inclusos em Tetris Forever mostram três vertentes diferentes espalhadas por uma metade dos jogos, e a outra metade dessa lista são versões idênticas daquelas mesmas vertentes (e uma boa parte delas tem uma emulação ruim, que fica com lentidão em vários pontos), e isso é extremamente desapontador dado que Tetris é uma franquia gigantesca com vários e vários exemplos de como a franquia mudou ao passar dos anos: Tetris Plus, The New Tetris, Tetris Worlds, Tetris Party – todos exemplos de jogos que merecem ser estudados se você está querendo ver como a saga evoluiu, e cada um traz suas características e mecânicas diferentes, mesmo que o objetivo seja o mesmo, e creio que esses são apenas alguns dos jogos que seriam infinitamente mais relevantes de se colocar em uma coletânea.
O meu ponto é: Se o seu foco é mostrar mais sobre a história de Tetris e como o jogo é importante, você precisa demonstrar como o jogo evoluiu durante os anos, celebrando a saga e mostrando por que ainda é divertido jogar Tetris. Preencher o seu catálogo de jogos com o exato mesmo jogo pela metade do seu catálogo não me diz como a saga evoluiu e como Tetris é divertido de jogar, me diz única e exclusivamente que o jogo é famoso – e isso simplesmente não é incentivo suficiente para me fazer pensar em dar uma chance à sua coletânea. Além do mais, algumas das sequências a Tetris que foram feitas pelo próprio Pajitnov, como Welltris e Faces…Tris III (sim, esse é o nome do jogo) são pedaços dessa evolução que aparecem mencionados no documentário e estariam em perfeita harmonia com o resto dos jogos, e estão estranhamente ausentes da coletânea, e eu pensaria “ah, é porque são jogos muito diferentes”, mas numa coletânea onde já temos Hatris e um jogo de Go, isso simplesmente não faz sentido.
Tenho noção de que em uma franquia “aberta” grande como Tetris, a quantidade de loucuras envolvendo direitos autorais de diferentes desenvolvedores deve ser um pesadelo de se organizar, mas se não há como fazer esse esforço para trazer uma boa quantidade de jogos variados que mostrem o quanto sua franquia evoluiu, não acho que vale a pena transformar o documentário em uma coletânea de jogos.
Por fim, vamos dar uma breve análise sobre o novo Tetris feito por Jason Cirillo da Digital Eclipse como um bônus a Tetris Forever. Tetris Time Warp é um jogo de Tetris moderno como você pode esperar: Você pode derrubar as peças lentamente e de uma vez só (o chamado “hard drop”), guardar uma peça para usar depois, fazer manobras como T-Spins e em geral ter mais leniência em quando você vai posicionar as peças. O que faz Time Warp único é a sua mecânica de viagem no tempo: Depois de certo número de tetraminos (o nome das peças de Tetris), o jogo te dará um tetramino especial que constantemente muda entre estilo e cor dos tetraminos de alguns jogos passados da saga – o original, Tetris de Game Boy ou Bombliss – e quando você completa uma linha que inclua essa peça, ela te leva para um rápido desafio envolvendo o estilo e objetivo do jogo de onde aquela peça é.
Esses mini-desafios são como microjogos de Warioware, caso você já tiver jogado aquele jogo, mas com um objetivo relativo a Tetris – coisas como conseguir eliminar duas linhas ao mesmo tempo, eliminar 4 linhas ou fazer uma bomba grande explodir, e se você cumprir aquele desafio, pode seguir para outro desafio em outra era do tempo, e assim por diante. Quanto mais desafios você cumpre, maior sua pontuação no fim das contas. O objetivo-base de uma rodada de Tetris Time Warp é eliminar 150 linhas, mas você pode escolher alguns modos diferentes de jogo, como uma mini maratona de 3 minutos, maratona clássica sem a viagem no tempo ou multijogador para até 4 pessoas, onde essa viagem do tempo prende os outros jogadores nos desafios, e eles não podem te atacar enquanto você pode atacar eles, até que eles cumpram o desafio e saiam da viagem no tempo. Não tive oportunidade de jogar multijogador no tempo desta análise, mas parece ser divertido. O jogo em si é divertido, mas queria que a mecânica de viagem no tempo tivesse algum bônus além de pontos.
Tetris Forever não é um fracasso completo: O documentário é agradável e interessante em geral, alguns dos jogos apresentados como Super Tetris 3 ou Tetris Battle Gaiden são bons, e Tetris Time Warp é divertido, mas isso simplesmente não é suficiente para carregar o imenso desperdício de potencial que Tetris Forever tem junta à emulação ruim de certos jogos e omissão de clássicos óbvios, especialmente pelo preço que ele custa.
No fim das contas, vale mais a pena assistir um dos filmes a respeito do jogo, como o anteriormente mencionado Tetris: From Russia With Love ou até o filme de 2023 – só tenha noção que é um filme de ação bem exagerado, e com certeza muitos aspectos dele foram bem extrapolados fora da realidade. Se você quiser um bom jogo de Tetris, jogue Tetris Effect ou Puyo Puyo Tetris.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm