Se podemos afirmar algo sem pestanejar a respeito de 2024 é que esse foi definitivamente um grande ano para JRPGs. Tivemos lançamentos constantes e de alto calibre, indo desde novas IPs como Unicorn Overlord e Metaphor: ReFantazio, até novos títulos dentro de franquias consagradas como Like a Dragon: Infinite Wealth e Final Fantasy VII Rebirth, que é o segundo capítulo da trilogia de remakes do lendário game da Square-Enix.
E por falar em Square e títulos lendários, a publisher também finalizou o ano lançando não só um brilhante remake de Dragon Quest III como também ajudou o icônico criador de Final Fantasy, Hironobu Sakaguchi, a trazer seu último trabalho, Fantasian, para os consoles e para o PC, agora com o subtítulo Neo Dimension.
Fantasian foi lançado originalmente em 2021 como um exclusivo para o serviço Apple Arcade, que engloba dispositivos iOS, Mac OS e Apple TV. Naquela ocasião, ele vinha dividido em duas partes e, devido às circunstâncias, teve um sucesso muito mais limitado do que o merecido, especialmente quando paramos para pensar no pedigree da equipe do jogo.
Veja, Fantasian é um game desenvolvido pela Mistwalker, estúdio fundado pelo pai de Final Fantasy no começo dos anos 2000, depois que ele deixou a Squaresoft. Sua trilha sonora é inteiramente composta por Nobuo Uematsu (e se você conhece um mínimo sobre JRPGs, sabe que ele é basicamente Deus) e conta também com arte por parte de Manabu Kusunoki, que colaborou em títulos como Blue Dragon, da própria Mistwalker, e a saga Panzer Dragoon, da Sega.
Sakaguchi ficou responsável pela história e produção do game e, juntamente com Uematsu, tinha certeza de que este seria o último trabalho de larga escala que fariam, considerando suas idades e questões de saúde. Com isso em mente e inspirado após revisitar Final Fantasy VI, Sakaguchi montou um jogo que transpira velha guarda.
Fantasian foi feito por uma equipe pequena, pensado de maneira extremamente inteligente e artesanal e conta com algo muito único: todos os cenários e ambientes do game foram montados como dioramas no mundo real e depois reproduzidos dentro da engine Unity. Muitos desses designs, inclusive, tiveram a mão de profissionais da indústria de tokusatsu, tradicionais seriados e filmes japoneses que utilizam uma enorme quantidade de efeitos especiais práticos e miniaturas. É inegável, portanto, o nível artístico que o título carrega.
Bem, nesta semana, no dia 5 de dezembro, Fantasian finalmente recebe um port para consoles e PC que pode ser francamente chamado de versão definitiva do título. Enquanto a versão de Apple Arcade é certamente bastante polida e bem feita, Neo Dimension aprimora o que já era ótimo ao adicionar dublagem de diálogos em inglês e japonês (não, o jogo original não tinha isso), novas opções de dificuldade (o original era decentemente balanceado, mas também famoso por ter um salto de desafio na segunda parte, obrigando muitos jogadores a fazer o famigerado grind), resoluções mais altas e a opção de tocar músicas de Final Fantasy ao invés da trilha original, o que é muito bem-vindo para aqueles que quiserem se aventurar pelo New Game Plus.
A versão que analisei é a de Nintendo Switch e, felizmente, trata-se de uma excelente maneira de jogar o game. Como o projeto original foi pensado para dispositivos móveis, a escalabilidade do game é feita de forma bastante natural e o console da Nintendo cai como uma luva nesse caso.
Jogar Neo Dimension tanto no modo portátil quanto na tela grande é igualmente satisfatório e o jogo transita graciosamente entre as duas opções, rodando bem em ambas e praticamente sem bugs, embora hajam problemas de frame rate em determinados momentos, como quando liberamos a airship. Minha única ressalva real é que a movimentação de Leo, protagonista da aventura, não foi adaptada perfeitamente para o analógico do Joycon/Pro Controller. Isso é provavelmente um problema na adaptação do touchscreen dos iPhones e iPads para os controles tradicionais, fazendo com que o personagem nem sempre vire para a posição desejada da forma mais fluida possível. Não sei se esse já era um problema conhecido do jogo original, mas espero que possa ser ajustado com patches futuros. No mais, trata-se de um port super competente e caprichado.
Hironobu Sakaguchi certamente não mentiu quando disse que se inspirou em Final Fantasy VI antes de fazer Fantasian e isso fica muito claro em duas frentes: gameplay e história.
Em Fantasian, nós controlamos um jovem chamado Leo. O protagonista inicia sua aventura despertando em um mundo estranho e dominado por máquinas, simplesmente sem recordação do porquê de estar ali, de qual era sua missão e de outras nuances sobre sua vida. A única memória recorrente, no entanto, é a do rosto de uma jovem. Tomando isso como guia, Leo explora esse mundo e encontra uma forma de ir até o reino onde essa jovem vive e, de lá, partem para uma jornada a fim de recuperar suas memórias e entender o que há de errado neste mundo.
Mas, afinal, o que há de errado ali além de Leo não ter recordações? Bem, uma infecção conhecida como Mechteria. Tal infecção é altamente mortal e rapidamente rouba não só a vida das pessoas, como suas emoções, tornando-as completamente apáticas. Há um embate entre o mundo natural, vivo e enérgico dos humanos e o universo mecânico, frio e ríspido das máquinas e Fantasian usa do clichê do protagonista sem memória como uma forma de explorar temas mais profundos sobre a natureza humana e o equilíbrio entre ordem e caos. Ele inclusive opta por narrar muitos desses momentos através de belíssimas vinhetas no melhor estilo Lost Odyssey (outro título da Mistwalker).
Com esse pano de fundo, Fantasian procura entregar uma história com forte apelo emocional e que também espelha FF VI em sua estrutura de duas metades: uma mais linear e direta, apresentando os personagens; outra mais aberta e complexa, inclusive com introdução de mais mecânicas. E, claro, também em seu excelente sistema de combate.
Fantasian pode ser considerado quase como um jogo perdido da era do PS1. Isso se deve não só aos já citados cenários baseados em dioramas que não fazem feio frente aos melhores mapas pré-renderizados da época, mas também à sua exploração e encontros aleatórios.
Como todo bom JRPG old-school, Fantasian propõe um estilo de combate por turnos no melhor estilo FF X: aqui, é possível ver qual personagem atuará em qual momento da batalha e saber utilizar seus movimentos de maneira inteligente é crucial para o sucesso nos embates.
Como esperado, cada personagem tem à sua disposição ataques tradicionais com suas respectivas armas, magias ofensivas e defensivas e habilidades específicas de cada um. Com isso, devemos explorar as fraquezas e as aberturas de um sem-número de inimigos e chefes e usar nossos recursos com parcimônia.
O que distingue Fantasian de outros jogos de Sakaguchi, no entanto, é um bem implementado sistema de área de efeito. Cada vez que o personagem ataca, é possível modificar a linha que conecta o personagem ao inimigo, fazendo com que cada ataque ou magia possa acertar inimigos ao redor ou atrás do alvo. Esse sistema entrega não só um divertido desafio de posicionamento como também torna as lutas mais rápidas – e, acredite, o combate já é bastante veloz se você só considerar a interação com os menus de batalha.
Além desse espírito mais agressivo dentro do campo de batalha, Fantasian também eleva o conceito de “dimensões” ao introduzir um dispositivo chamado Dimengeon. Quando esse dispositivo está ativo, cada encontro aleatório que rolaria durante a exploração é “estocado” em uma dimensão paralela e podemos fuçar por aí quase que livremente. O porém é que o Dimengeon não tem capacidade infinita e pode guardar até no máximo 30 inimigos. Quando o limite é atingido, somos imediatamente transportados para outra dimensão e aí enfrentamos todo mundo de uma vez.
O legal do Dimengeon é que fica a nosso critério quando devemos parar de estocar inimigos e quando devemos entrar no campo de batalha e enfrentar o que foi acumulado. E, para deixar as coisas mais dinâmicas, as lutas que rolam ali dentro chacoalham um pouco a dinâmica ao introduzir “buffs” que fazem o ataque subir ou algum personagem atuar por turnos extras. Esse esquema de buffs e debuffs torna esses encontros mais frescos e divertidos e também serve como um incentivo para evoluir sua party. Por fim, saber a hora certa de usar o Dimengeon exige um olhar mais cuidadoso do jogador na hora de explorar cada região do game.
Fantasian também acerta em seu ritmo de jogo (principalmente na primeira metade). Mecânicas novas são adicionadas nos momentos oportunos, personagens novos aparecem quando deveriam e toda a aventura passa um ar de estar jogando um verdadeiro clássico da era de ouro dos JRPGs, mesmo que o conjunto da obra não seja algo revolucionário ou impecável. Os pontos mais fracos do game para mim, aliás, dizem respeito às side quests – que, como na maioria dos jogos do gênero, são quase sempre chatas – e, infelizmente, às músicas. Agora, não me entenda errado, a trilha de Uematsu está longe de ser ruim, mas sinto que ela é mais esquecível do que as melhores composições que o mestre escreveu em suas inúmeras parceria com Sakaguchi.
De toda forma, nada disso tira o brilho real de Fantasian. Trata-se de um jogo realmente bem feito, com um sistema de combate divertido, cenários incríveis – eu nunca canso de observar a maneira como a câmera se move pelo cenário conforme investigamos cada canto dos dioramas – e que faz jus à fama que seus criadores conquistaram nos últimos 35 anos. Não deixe a impressão de “ser só um jogo de celular” te afastar: Fantasian Neo Dimension é um JRPG incrível, com todas as letras.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm