Apesar de ter jogado exaustivamente a primeira edição de Detetive durante toda a minha infância e de ter “platinado” Heavy Rain em 2012, foi minha primeira experiência com Her Story que aguçou minha vontade de bancar o investigador. A genial forma narrativa não-linear e o gameplay simplista, intensificados pela excelente escolha de usar filmagens com uma atriz real, me fascinaram na época. Em 2019, Sam Barlow impressionou novamente no quesito Full Motion Video em Telling Lies, ainda mais ambicioso e complexo. Mal sabia eu que um pequeno estúdio malasiano também já misturava esses conceitos de formas criativas e interessantes há algum tempo.
Imagine encontrar um celular desconhecido deixado na porta de sua casa, sem nem ao menos ter pistas sobre quem o deixou ali. Agora pense que, ao tentar identificar a quem pertence, você se depara com algumas anormalidades tanto no sistema operacional quanto em vídeos armazenados no aparelho. Preocupar-se com um suposto chamado de ajuda de alguém que você nem conhece te garante o direito de invadir sua privacidade digital? É com esse conflito moral que o primeiro Simulacra se apresenta ao jogador.
O jogo narrativo da Kaigan Games é uma evolução natural de Sara is Missing e também se trata de uma lost phone experience — estilo de jogo que gira em torno da dissecação e interpretação de informações pessoais obtidas a partir de um aparelho celular perdido. Como herança do gênero visual novel, ambos prendem o jogador por meio de diálogos e traços que corroboram para incriminar ou inocentar indivíduos envolvidos com um caso ainda não resolvido.
Tanto Simulacra quanto Simulacra 2 são o tipo de jogo que funciona extremamente bem tanto temática quanto mecanicamente em um Android ou iOS. Em uma era na qual redes sociais fazem parte de nossas vidas de uma forma cotidiana tão “agressiva”, é interessante como jogos assim podem variar suas possibilidades e formas narrativas. Há aplicativos representando equivalentes dos serviços, ferramentas e comunidades digitais da atualidade, cada um dentro de sua limitação e intenção. A interface tão intuitiva e real quanto a de um aparelho móvel moderno, com direito a tela de toques, notificações e muitas opções de comunicação.
O primeiro jogo foca no desaparecimento repentino de Anna e funciona quase como uma investigação amadora — com um tom paranormal atípico. É um emaranhado de desconfianças e manipulação tecida a partir de fatos, boatos e eventos estranhamente inexplicáveis. Enquanto pessoas mais íntimas da jovem tentam constantemente descobrir se você é o responsável pelo (possível) crime, seu papel é cruzar mensagens, postagens e vídeos na tentativa de recapitular a sequência de passos antes do ocorrido.
Há uma sensação de desconforto associada às possíveis abordagens que podemos tomar durante o jogo causada tanto pela culpa de ser invasivo quanto pelo bizarro comportamento no celular. Esses momentos se intercalam de uma forma inteligente e o ritmo de progressão é muito bom. Nem tudo que lemos ou encontramos em forma de “pegadas” digitais é relevante à investigação, mas certamente desempenha um papel importante na construção do verossímil universo fictício em questão.
Recentemente localizado para nosso idioma, Simulacra 2 tem um escopo maior que o primeiro e contempla temas, ainda dentro da esfera da vida digital, um pouco mais polêmicos. De início, precisamos decidir se interpretaremos o papel de um investigador experiente ou de um jornalista amador. Em poucos passos, somos rapidamente apresentados a um fato importante: Maya é uma vítima fatal no caso, e só resta-nos tentar descobrir quem a matou e por quê.
Munido de uma ferramenta avançada que cruza informações obtidas com uma base de dados do governo, é possível descobrir deslizes nos depoimentos e apontá-los a favor da investigação. Os trechos mais relevantes são destacados e memorizados à medida que fuçamos cada um dos aplicativos e redes sociais em busca de mais pistas. A partir daqui, vem a porção mais interessante e reflexiva do jogo: o papel dos influenciadores. Simulacra 2 destoa do primeiro jogo da série por se tratar de uma história que expõe pessoas públicas pelo que elas realmente são em sua identidade pessoal e coloca nas costas do jogador um pouco do peso da “justiça social de internet” — ou cultura de cancelamento, como a conhecemos hoje em dia.
Em primeiro lugar, o jogo me fez questionar sobre as palavras amigo e seguidor (para qualquer gênero, diga-se de passagem) e como elas acabaram sendo marginalizadas à medida que redes sociais se tornaram mais parte de nossas vidas. Afinal, quem são nossos amigos e de quem somos seguidores?
Não é fácil entender exatamente como funcionam essas relações. Solicitar um pedido de amizade em redes sociais, por muitas vezes, é a primeira coisa que fazemos antes mesmo de conhecermos quem a pessoa é. Ao mesmo tempo, ignorar ou negar tal pedido pode soar tão rude quanto não responder prontamente a um cumprimento ou elogio. Estranho, não? De maneira semelhante, tornar-se seguidor de personalidades influenciadoras nos aproxima e, grosso modo, alinha ideologias e discursos — enquanto elementos como likes, retweets e repostagens “geralmente” funcionam como forma de validação do conteúdo disseminado.
Engajamento digital também é algo que deve ser pontuado do lado de quem comunica na internet: o influenciador deve conhecer seu público e procurar, dentro do possível, se posicionar — ou o autointitulado “isento” será automaticamente posicionado pelos mais fortes (ou autoritários em certos casos). Assim como as celebridades em Simulacra 2, é comum notar como algumas pessoas públicas em nossa realidade são capazes de se preocupar mais com estatísticas e resultados de engajamento digital do que comunicar algo relevante e minimamente transformador (de forma positiva) para o mundo.
Apesar de um jogo inesquecível por seus mistérios e caráter detetivesco, Simulacra 2 falha em um ponto importante: falta um pouco mais de coragem na hora de conscientizar seu público. Enquanto toca em assuntos polêmicos, não vai tão a fundo e tenta apresentar respostas mais concretas. De qualquer forma, a quantidade de perguntas que propõe durante a experiência já é algo a ser elogiado e um bom ponto de partida para quem se interessa por assuntos desse tipo.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm