Análise: Vigil: The Longest Night - Neo Fusion
Análise
Vigil: The Longest Night
13 de outubro de 2020
Cópia digital da versão de PC do jogo gentilmente cedida pela Another Indie.

Um dos títulos, que sem dúvida, mais influenciou os videogames na última década foi Dark Souls; seus elementos estão presentes tanto em grandes produções ou em jogos independentes. Algumas características do tipo de experiência oferecida pela FromSoftware, que tem suas raízes em Demon’s Souls (2009), transcendem o combate corpo-a-corpo em três dimensões. Jogos como Salt and Sanctuary e Blasphemous foram tentativas de transformar aspectos da série Souls para uma perspectiva 2D. Vigil: The Longest Night chegou nesse último trimestre de 2020 como uma nova tentativa de emular a experiência de um jogo da From para o 2D, mas desta vez pegando emprestado de Bloodborne. Essa, porém, é uma impressão inicial do que é o jogo. Assim como o enredo se transforma de uma hora para outra, a experiência jogável de Vigil extrapola o que se estabelece inicialmente.

A mais longa noite, cheia de horrores

Leila é a protagonista do jogo e faz parte da ordem dos vigilantes, organização que lida com o sobrenatural. O enredo se inicia com ela voltando à sua cidade natal depois de muitos anos, no aniversário de sua irmã Daisy, dia que coincide com um ritual anual em homenagem à deusa do lugar. Após enfrentar os perigos que rondam a região e perceber que a cidade está bastante fortificada, Leila entende que o desaparecimento de um jovem casal tem causado medo em todos. Ao voltar para sua casa, ela logo percebe que Daisy também desapareceu.

A trama tem sua inspiração nas obras de Lovecraft, e explora um mistério local com indícios de ligação a algo muito grande. Fora da parte de combate, a cidade e arredores consistem em um momento de investigação: o jogador recolhe informações pelas falas dos NPCs, explora casas e estabelecimentos que podem conter textos e objetos importantes para o desenvolvimento temático-narrativo, entre outras tarefas. Quando o jogador chega à cidade, logo percebe que, enquanto a Leila é um modelo em 3D, os outros personagens são em 2D (a estética particular do jogo). Apesar desse estranhamento inicial, é algo que dá para se acostumar, exceto pela movimentação de alguns inimigos (humanoides no caso), ou uma criatura em particular que parece uma imagem no formato PNG inserida aleatoriamente no cenário.

A diferença de Leila frente a um NPC.

Vigil conta com um sistema que distingue objetivos principais da trama de outros secundários. Após Leila ouvir alguma fala importante ou adquirir algum item, o jogo informa se uma certa tarefa foi atualizada por meio de notas em um menu. Apesar da personagem dialogar com os NPCs e haver escolha de respostas, Leila é uma personagem inconstante: em alguns momentos, ela aceita de muito bom grado os pedidos de outras pessoas, algo artificial só para o jogo empurrar coisas para fazer. Na trama principal, conforme o jogador investiga, nuances misteriosas sobre a vida da cidade tomam forma, assim como a descoberta de experimentos em lugares escondidos. Após um evento chave, toda a realidade que Leila conhecia até então se alterna e a experiência do jogo muda.

Essa parte inicial da trama é como se fosse um grande tutorial de como Vigil será daí para frente. A cidade e seus arredores compõem um espaço fechado, uma espécie de demonstração para o jogador conhecer seus sistemas, enquanto se ambienta naquele contexto que logo se subverte. Algo importante que o jogo demonstra nessa mudança é que tarefas possuem um prazo limite; se o jogador não cumpriu após esse evento-chave, elas são canceladas. Esse é um ensinamento importante, já que os finais do jogo dependem de ações em ordens específicas, algo que explica o fato do jogo ter espaço para armazenamento de vários arquivos, incomum para esse gênero.

Uma vigilante customizável

A parte mais inspirada de Souls na experiência de Vigil é o combate. Leila possui uma barra azul de estamina que é gasta conforme ela ataca ou usa ações como o desvio para trás e a rolagem. Quando essa barra azul esvazia, Leila pode continuar agindo, porém de forma mais lenta, um medidor amarelo passa a encher no lugar. Atingindo o máximo, Leila fica em estado de exaustão, paralisada por alguns segundos. Apesar dessa punição, a barra de estamina enche mais rapidamente comparada a outros jogos. Após executar uma série de golpes, andar para trás se afastando um pouco do inimigo já é o suficiente para Leila recuperar o fôlego.

Leila possui quatro modos de combate de acordo com os tipos de arma que podem ser equipadas: espada, machado, adaga dupla e arco e flecha. Cada uma dessas armas possuem uma árvore de habilidades, fora uma quinta que tem a ver com aprimoramentos da personagem como aumentar vida, reduzir gasto de estamina, mais capacidade de itens, etc. Além do golpe padrão, há um botão que Leila executa um ataque especial com a arma, graças a uma nova habilidade adquirida na árvore, também há ataques especiais no ar. Dependendo da classe, por exemplo, há significativas mudanças: o botão de defesa de Leila não serve a esse comando quando ela está equipada com um machado, ao invés disso, ela prepara um golpe mais pesado.

As classes não são bem equilibradas, e isso é notável especialmente na primeira parte do jogo. A espada é a única arma de Leila até chegar à cidade, logo após é possível adquirir as outras. A adaga dupla utiliza golpes mais rápidos, porém com menos dano e a necessidade de estar mais próximo do inimigo, um esquema de combate que se torna problemático para os chefes. O dano do machado é maior. Ainda que demore mais tempo de um golpe para outro, a quantidade de estamina gasta pode ser melhor administrada pelo jogador e não há necessidade de ficar tão perto do inimigo. Algo que demonstra melhor o desequilíbrio é o fato de o machado contar com um golpe giratório no ar que garante vários hits, com o alto dano padrão da arma e o gasto de uma quantidade exata de estamina, que corresponde ¼ da barra. Curioso observar o quanto de ataques devem ser desferidos, gastando quase a barra de estamina inteira, que a adaga dupla necessita para garantir o mesmo dano. Esse golpe giratório no ar do machado serviu para todos os combates, do início até o fim do jogo.

Apesar desse desequilíbrio explicado nas classes, a cadência descrita como essencial no combate persiste: o mesmo inimigo apresentado no início do jogo pode ser perigoso dependendo do contexto. Esse equilíbrio existe, pois há um limite de poder de ataque tanto pelo atributo na evolução da árvore de habilidade quanto o aprimoramento da arma em si. Na forja, cada arma pode evoluir 7 vezes, e há também a capacidade de encantá-las com cristais de cores diferentes que contam com propriedades específicas. Esse critério vale para os trajes equipados, porém com propriedades de defesa. Além do dano físico, existe a capacidade de derrubar a postura, a chance de no meio dos golpes, um hit (destacado visualmente) deixá-lo vulnerável por alguns segundos.

Evoluir de nível é uma constante em Vigil. Nesses instantes, a vida e estamina de Leila se recuperam totalmente, algo que pode tirar o jogador de algumas enrascadas. Uma mesma habilidade pode ter de 2 a 3 desbloqueios, aprimorando suas capacidades. Todas essas ramificações presentes dentro dessas árvores de habilidades dificultam distinguir o real impacto que tal mudança faz na gameplay.

Árvores de progressão: espada e machado.

Leila pode equipar três armas diferentes, quatro partes de vestimentas e quatro anéis com propriedades variadas. Ela pode carregar itens de arremesso, como facas, molotovs e dinamites (que são contados e esgotáveis). Com esse mesmo botão, Leila pode utilizar magias, que após o uso requerem um cooldown até serem usadas novamente. No total são quatro espaços para arremessos e o mesmo para magias, totalizando oito. A complicação desse sistema se deve à seleção de uma delas pelo jogador, que deve apertar R1/RB e ir passando de um em um. Quando segurado o botão, um círculo de opções é aberto e mover o analógico do movimento de Leila muda de um em um os itens/magias. Seria mais intuitivo uma escolha livre pelo segundo analógico, como vários jogos costumam fazer.

Um item contado, fora a parte, é a poção de vida, utilizada quando o jogador aperta o direcional para cima. Eles são os itens de recuperação de Vigil, contáveis e não repostos automaticamente e sim coletados ou comprados. Diferentemente de Bloodborne, que há uma necessidade de farming em alguns momentos, um estabelecimento da cidade vende por um preço bem baixo. Durante o jogo, Leila pode se teletransportar para vários locais por um totem, local onde salva o progresso e uma referência às fogueiras de Dark Souls. Eles também recuperam a vida da personagem. A existência desse recurso tem sua importância devido a algumas distâncias que podem ser longas; encontrar um totem é um alívio para o jogador, muito pela forma que a exploração de Vigil funciona.

O ponto de save em Vigil.

Exploração do desconhecido com algumas imperfeições

Após a parte inicial de Vigil, a cidade e arredores se transformam, o jogo abre bastante em escopo. A missão de Leila passa a ser uma investigação sobre as origens de uma praga que afeta a região, levando a locais diversos do mapa. Nesse ponto, a experiência que lembrava Bloodborne vai se desfazendo, tornando-se algo mais Castlevania em termo de progressão, explicito até mesmo na própria trilha sonora. Em certo momento você passa a ouvir um heavy metal que parece ter sido composto pela Michiru Yamane (trabalhou em Castlevania e Bloodstained), porém, composição que infelizmente é desconexa não apenas do restante da trilha, como da ambientação da própria área.

O primeiro chefe, logo no início, fornece o pulo duplo. É por meio do sucesso nessas batalhas que Leila adquire habilidades de exploração como, por exemplo, a rasteira, que é fundamental para achar caminhos secretos em cantos inferiores das salas. Uma habilidade com uma péssima escolha de comando é o dash, que envolve dois toques para a frente, algo que pode comprometer a precisão em seções mais difíceis de plataforma. Em algumas ocasiões o jogo entendia esse comando sem querer, resultando em uma queda mortal pela grande altura.

Citei que havia itens arremessáveis e magias. No começo, eles são mais úteis, quando o jogador aprende suas capacidades, mas ao longo do jogo se percebe que não são tão necessários, pois as habilidades especiais das armas resolvem as batalhas. No quesito exploração, há três magias que são fundamentais (duas delas para desbloquear barreiras específicas são adquiridas na progressão central). Em relação aos itens arremessáveis, foi curioso que a dinamite quebrou alguns blocos, mas isso em apenas uma área específica quase no fim do jogo, sendo que escondiam apenas itens arremessáveis e poções de vida, nada para dar segmento à progressão ou apresentar um caminho novo.

Deixando de lado essas inconsistências no parágrafo anterior, a sensação de exploração espacial em Vigil é a parte mais competente do jogo, uma sensação de descoberta tão fascinante característica do gênero metroidvania, e nesse título em questão nem tão dependente das habilidades adquiridas. Para quem gosta de se perder, Vigil é um título que faz jus a esse tipo de experiência. O clima misterioso de terror reforça o cuidado que o jogador necessita em cada trecho do mapa. Existe aquela sensação de você ir seguindo, não ter a menor certeza de estar indo no caminho certo, mas no fim se tocar que está sim progredindo de alguma forma no jogo.

O mapa oferece uma liberdade para cumprir os objetos em ordem diferente, mesmo que haja algumas barreiras caso o jogador não tenha pegado alguma habilidade específica. A progressão é dividida em áreas grandes, o caminhar de Leila é contínuo, uma tela de loading mapa a divisória para outra área (com a exceção de entrar em casas/estabelecimentos). Algumas dessas transições ocorrem quando o jogador dá um toque para cima e muda de cenário, ou seguindo até o fim de uma tela; nesse segundo caso, o mapa não deixa clara essa divisão, dando a entender que se trata de uma mesma área, algo que pode confundir o jogador quando retornar.

O mapa em si tem algumas confusões: ele não mostra caminhos secretos, deixando espaços vazios; num lugar que é uma parede, o fim de um caminho parece ter algo além disso, mas linhas brancas que marcam divisórias não são frequentes. Parece que aplicar uma legibilidade ao mapa comprometeria o estilo artístico planejado. Esses detalhes podem frustrar jogadores que têm dificuldade de se localizar nesse tipo de jogo, sobretudo, quando é necessário voltar para desbloquear alguns locais com habilidade novas ou cumprir tarefas secundárias. O layout realmente é um ponto que não acompanha a sensação de exploração que o jogo consegue entregar.

A mais longa das noites de Vigil representa um tempo considerável de campanha, sobretudo se o jogador se esforça para buscar um melhor final. Apesar do jogo construir as sensações de descoberta do desconhecido, o tamanho do mapa excede a quantidade de conteúdo, há áreas que servem apenas para conexão e trechos escondidos onde a recompensa é um item comum ou repetido. Há um NPC que vende itens e armas que podem ser adquiridos em lugares “secretos”, algo que tira a raridade dessas recompensas na hora de encontrá-los e que deixa o jogador em dúvida sobre a relação esforço/recompensa.

No fim, o jogo ofereceu uma experiência que no início parecia um Bloodborne em 2D, mas ao longo do tempo demonstrou ser algo mais dinâmico. A experiência por aqui não é harmônica: o enredo com seus e baixos, o clima de horror que oscila, o jogador pode se sentir vulnerável e, devido as classes desequilibradas, pode perder completamente o medo dos inimigos.

Mediante todas essas imperfeições, Vigil: The Longest Night consegue oferecer uma sensação de exploração que poucos títulos desse gênero conseguiram construir. O jogo possui esse ponto forte que pode sustentar o engajamento dos jogadores, especialmente que gostam das características dos jogos que se inspirou. Acredito que, conforme ocorreu em outros jogos, o estúdio Glass Heart Games pode, com o passar do tempo, refinar as classes, a distribuição de conteúdo no mapa e demais arestas ainda por polir, tornando-se ainda mais atrativo no futuro.

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Comentários

Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.

O sorteio vai ser ao vivo via live???

Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)

Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.

Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png

cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...

Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público

Agora sim vou ter meu switch o/

Sim!

Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?

Reativei minha conta só pra promoção kkkk

Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte

Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!

Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.

sera que agora ganho o

Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.

Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?

Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!

Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)

Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?

? vou seguir o Renan aqui tbm