Logo após encerrar o jogo algumas semanas atrás, tive a forte impressão de Final Fantasy IV ser a primeira grande obra da série. Talvez o salto do hardware seja um ponto importante para realizar algumas propostas, ainda que o título tenha começado a ser desenvolvido como o último título Final Fantasy de NES. Talvez a força da trama e da trilha sonora nos conecte com o jogo de uma maneira pioneira na franquia.
Depois respirei um pouco. Dado sua época e proposta, tal posto cabe ao original de 1987. Há, entretanto, um novo cenário para este quarto título — do ponto de vista da jogabilidade e das possibilidades narrativas inaugura um novo momento. O faz na esteira de grandes novidades, sendo a mais destacada a estreia do sistema de batalha ATB — Active Time Battle, ou Batalha de Tempo Ativo em livre tradução. A memória afetiva mais forte, entretanto, vem da forma como o título conduz sua trama, confluindo sistemas, batalha e música para criar cenas hoje icônicas.
Final Fantasy IV também marca o início de tramas muito mais centradas nos personagens e seus arcos: aceitação, resistência, sacrifício e, principalmente, redenção, são alguns dos temas presentes nesta quarta aventura.
Certa vez, o diretor responsável pelo sistema de batalha de FFIV, Hiroyuki Ito, estava assistindo uma corrida de carros — aparentemente era a própria Fórmula 1 — e pensou o quanto era bacana quando um veículo ultrapassava o outro. Dessa perspectiva, ele imaginou as possibilidades de aplicar isso em um RPG de turnos.
Através do ATB, o turno passou a ser individualizado; cada personagem agiria tão logo chegasse a sua vez. Cabe ressaltar que o Final Fantasy IV original ainda não possuía a barra de ação dos personagens, implementada no Final Fantasy V e de forma retroativa nas versões seguintes do próprio 4.
Sendo assim, a opção padrão do sistema – o modo ativo – traz algum nível de urgência e necessidade de rapidez na escolha dos comandos e na navegação dos menus. Caso você demore muito, o inimigo irá atacar. Essa é a base do ATB; turnos individualizados cujo momento de opção das ações não interrompe o fluxo do tempo — seu inimigo pode atacar, e seus outros personagens podem ficar prontos para agir.
Todavia, o modo wait (espera) ainda permaneceu como uma opção dentro do sistema — nesse caso o fluxo do tempo para enquanto o jogador escolhe as ações de um determinado personagem.
De qualquer forma, gostaria de comentar duas consequências interessantes desse sistema que já aparecem no Final Fantasy IV; a necessidade de se preparar e customizar, e a conversa entre turno e resposta em tempo real.
Jogando no modo ativo, os inimigos não irão esperar o jogador decidir e selecionar qual magia ou item irá usar. Partindo disso, torna-se essencial organizar inventário e ordem de habilidades para ser mais ágil nas batalhas. É importante de um ponto de vista mais geral, e principalmente para encontros específicos nos quais esse ou aquele item/magia vai ser crucial.
A segunda e mais interessante consequência aparece a partir do encontro entre o turno e o fluxo do tempo real. Um momento clássico vem justamente do Final Fantasy VII — mais conhecido e popular título da série. Tão logo o escorpião guardião levanta o rabo durante a primeira luta contra chefe, Barret avisa Cloud: “quando o ferrão está levantado, ao atacarmos ele irá contra-atacar com um golpe poderoso”.
O seu turno pode estar pronto, claro, mas cabe ao jogador esperar ou não o tempo real fluir. Caso espere, não irá receber o forte contra-ataque. Caso queira, é possível usar justamente o forte golpe para aumentar a barra de limit break dos próprios personagens, ainda que isso venha com risco caso o jogador não tenha calculado o impacto corretamente.
Em Final Fantasy IV temos um número razoável de lutas, principalmente contra chefes, nas quais é importante prestar atenção ao que acontece em tempo real, e nos sinais dos inimigos, para poder escolher a melhor ação. Desde o primeiro grande confronto contra o Mist Dragon somos apresentados a esse tipo de situação, e ao longo da jornada confrontos como os contra Rubicante, Asura, Demon Wall, Odin e Zeromus, por exemplo, se fazem valer desse diálogo entre o turno e o tempo real – entre o calmo e o urgente.
Esse tipo de conversa entre o que é turno e o que é tempo real é algo que eu costumeiramente me interesso. Lembro aqui de como em Chrono Trigger podemos esperar os inimigos se movimentarem para se agruparem e conseguirmos atingir mais adversários com uma habilidade — CT, aliás, traz uma das minhas variações preferidas do ATB. Os jogos recentes do South Park brincam um pouco com isso: são de turno, mas existem inimigos que se movimentam em tempo real. Um título que eu recomendo, nesse sentido, é Nova-111.
Falarei do ATB por muito tempo, considerando que a grande maioria dos títulos da linha principal a partir daqui usam o mesmo ATB ou sistemas com nome distintos que partem do ATB.
Em relação aos jobs, temos uma outra novidade: pela primeira vez cada personagem tem uma classe fixa. Vamos recapitular: no primeiro título nós podemos escolher a classe dos quatro personagens – entre seis jobs disponíveis; em Final Fantasy II o sistema de profissões foi pulverizado a partir de uma customização maior — basta treinar essa ou aquela arma, comprar essa ou aquela magia, e montar seus guerreiros; Final Fantasy III leva as opções do primeiro ainda além, sendo possível trocar à vontade entre as múltiplas classes.
Não apenas isso, mas essa escolha pelas profissões como “fixas” (há uma reviravolta) é utilizada narrativamente em conjunto com as mecânicas e principalmente a trilha sonora do jogo. De qualquer forma, enquanto no Final Fantasy III e no V temos uma progressão dividida entre o LV do personagem e o LV das profissões, o quarto título foca apenas na evolução dos personagens pelo seu próprio nível.
Como dito anteriormente, Final Fantasy IV faz parte de um grupo minoritário na série no que diz respeito a como os jobs se comportam: eles são fixos, atrelados ao personagem e imutáveis a partir de sistemas de jogo. Da linha principal, isso acontece apenas aqui e em FF IX. É também dessa forma, porém com um pouco mais de liberdade, em Final Fantasy X pensando apenas o meta-game da campanha, e no Final Fantasy XII ao considerarmos o lançamento original (diferente do International Zodiac System que está presente no mais recente relançamento Zodiac Age).
Cabe ressaltar que temos aqui, pela primeira e única vez na série principal, um grupo de batalhas composto por até 5 personagens – sendo uma fileira de dois e outra de três em que uma dessas fileiras estará a frente e a outra atrás. Não há, ainda, a troca de personagens, pois a cada momento da campanha temos no máximo 5 personagens disponível mesmo – geralmente ao custo de “mortes” ou outras situações.
Do ponto de vista da movimentação pelos lugares e pelo mapa geral, as coisas são bem similares ao terceiro jogo. Continua a proposta de viajarmos por mais de um overworld a partir de veículos diferentes. Isso vai continuar nos dois títulos principais seguintes, aliás.
Assim como no terceiro, invocações podem ser conseguidas através de missões específicas e paralelas, mas aqui o papel delas na trama é ainda mais potencializada através da personagem Rydia. De qualquer forma, é Cecil o foco narrativo de Final Fantasy IV.
Final Fantasy IV acompanha Cecil e seus companheiros em uma disputa contra o império de Baron — um reino que se impõe militarmente, invadindo cidades e vilas, saqueando e dominando os místicos cristais (eles estão aqui, e assim como em FF e FF III possuem importância no mundo e na trama). Cecil é um antigo general de Baron que começa a colocar em cheque a validade das invasões e passa a se aventurar contra seu antigo reino.
Esta é a sinopse de Final Fantasy IV, para comentar da narrativa e do enredo eu passarei a tratar de spoilers nos parágrafos seguintes. Caso queira jogar sem saber de detalhes da trama, sugiro não continuar o texto agora.
Por tratar-se de um Final Fantasy, naturalmente existe uma reviravolta rocambolesca no final — não me entendam mal, eu gosto muito dos argumentos absurdos e fantásticos da série. Mas não é ela que nos traz os pontos mais importantes da narrativa de Final Fantasy IV, ainda que tenha conexão com o desenvolvimento do enredo.
Nosso foco aqui é o arco do Cecil, protagonista do título. Ao início do jogo, o guerreiro é um importante general de Baron. Não apenas isso, mas é também um temido Dark Knight (sua classe/job). Após invadir uma cidade e ser obrigado a atacar civis para conseguir acesso ao cristal, começa a questionar os métodos e a própria campanha de seu país.
Ao conversar com o rei, Cecil e seu amigo Kain sofrem uma espécie de punição: são obrigados a levar um anel até a vila dos invocadores. Ao chegarem com o artefato, bombas são lançadas do objeto e a cidade é destruída entre as chamas. Cecil acorda separado de Kain, e sua jornada começa ao lado de Rydia, uma garota da vila recém destruída pelas ações dele e seu reino.
O primeiro passo é proteger a garota e ganhar sua confiança. Depois, Cecil vai circulando pelo mundo, ajudando o pessoal que está resistindo ao império, e entrando em conflito com seus ex-companheiros. Conhece, também, o novo general e possivelmente a figura por trás da maldade em Baron, Golbez.
Esses trechos iniciais culminam na visita ao Mount Ordeal, após Cecil descobrir que para vencer o império e Golbez, não pode continuar sendo um Dark Knight. No cume do monte, o guerreiro enfrenta uma provação para deixar o seu passado e se transformar em um paladino.
Tal transformação se dá ancorada não apenas nas caixas de diálogo dos personagens, mas sobretudo a partir da utilização do sistema de jobs de um ponto de vista narrativo, bem como de um diálogo nesse sentido a partir de mecânicas de jogo e do uso da trilha sonora.
A partir de Final Fantasy IV, e isso se intensificou de vez mesmo em Chrono Trigger, as trilhas sonoras da série passaram a utilizar muito mais os motivos musicais — trechos, acordes, segmentos ligados a um personagem ou temática que retornam dentro de outras músicas, com outro arranjos ou em diálogo com outros motivos.
Do ponto de vista do sistema de profissões, temos a reedição de um momento do primeiro Final Fantasy: a mudança de classe atrelada a um momento de crescimento das personagens. Lá, era crescimento físico e de jornada heróica — os heróis de fato passavam a parecer inclusive mais velhos, porém mantinham uma classe similar, apenas mais avançada.
Em Final Fantasy IV a questão é um pouco diferente. Até esse ponto do jogo, muito possivelmente o jogador usou e abusou de um golpe do Cecil chamado Darkness (escuridão). Tal habilidade acerta todos os inimigos na tela e dá um bom dano, porém parte do HP de guerreiro é drenado.
Após a transformação em paladino — também visual e sonora —, Cecil passa a poder usar magias de cura e suporte. É bem verdade que ao longo da campanha ele é um off-healer razoavelmente medíocre, porém seus atributos crescem, e o personagem torna-se um guerreiro mais competente do ponto de vista geral.
Cecil, antes de sua transformação, sentia incerteza, era envolto por ódio e autoflagelação. Depois, passa a ser um defensor dos que estão à sua volta, inclusive tendo a capacidade de curar. Ser agressivo é fácil, mas ao fim o preço também recai sobre a pessoa. Curar, proteger, é muito mais difícil, pois de fato pressupõe uma postura de colocar os outros em perspectiva. De verdade, não só da boca pra fora.
A provação, aliás, consiste em Cecil enfrentar seu eu da escuridão. A batalha, entretanto, também aparece como um recurso narrativo mais direto; vencemos exatamente ao não atacar, ao não ferir. Esse momento é um dos mais bonitos da série, e sua força reside na indignação de Cecil em continuar a servir um reino violento e opressivo. Sua jornada, assim como tendem a ser jornadas de redenção como as de Arthur Morgan (Red Dead Redemption 2), Darth Vader (Star Wars) e Meruem (Hunter x Hunter), por exemplo, atrai por nos fazer pensar o que é ser bom, o que é ser humano. Parece idiota e em nossos termos leigos talvez seja, mas isso é base de uma disciplina antiquíssima e essencial da filosofia: a ética.
A mensagem presente na luta do protagonista contra o seu eu negativo sucumbe, e talvez não poderia ser diferente naquele momento, por Final Fantasy IV precisar ser o tipo de jogo que é. Cecil continua batalhando, e ferindo, e matando, após sua provação. Eu gostaria de viver em um mundo em que dar a outra face é o suficiente para atingir a paz e a harmonia. Infelizmente não é o caso. Assim como não é o caso no mundo de Cecil. Sendo assim, é compreensível que permaneça lutando. Mas eu gosto de imaginar um jogo em que a partir dali os próprios sistemas e mecânicas mudassem.
A força de Final Fantasy IV vem de uma revolução no sistema de batalha da série. Vem também de seu trabalho sonoro e do cuidado em se criar uma história centrada em seus personagens. Não são guerreiros profetizados, tampouco aqueles levantados do chão. São pessoas diferentes unidas pela defesa contra o império, e depois contra a “personificação do mal” vinda de uma reviravolta rocambolesca – inclusive o argumento é semelhante ao de Final Fantasy IX, título que em piada com amigos eu brinco ser a “realização derradeira de Final Fantasy IV”.
A força de Final Fantasy IV vem, sobretudo, de como uma pessoa pode, estando no centro da injustiça e agindo a seu favor, tomar vergonha na cara e fazer o certo, deixando de ser alguém nocivo – inclusive a si próprio.
Há mais a se falar de Final Fantasy IV, é claro. Mas por ora devo me conter pois ainda há muito chão pela frente. Retornarei, em breve, para comentar um pouco sobre o primeiro spin-off*, Mystic Quest.
* Existem “spin-offs” anteriores que na verdade não são spin-offs de Final Fantasy, mas sim títulos de outras duas séries (SaGa e Mana) que tomaram emprestado o nome no ocidente para tentar atingir o público mais familiarizado com FF.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm