Ready Player Two é um livro constrangedor. Sequência direta de Ready Player One, o novo projeto de Ernest Cline consegue se aprofundar ainda mais em um universo que parece criado a partir de artigos da Wikipédia, comentários rasos sobre a sociedade e uma linha narrativa que demora a se encontrar e que termina de forma abrupta e insatisfatória.
Meses após ser premiado como grande vencedor do concurso do OASIS, Watt Watts agora tem à sua disposição recursos praticamente ilimitados. Além de agora ter poderes dentro do MMO que vão até mesmo além daquele dado a administradores, ele também vira um dos donos da Gregarious Simulation Systems (GSS) e herda uma grana violenta — trilhões de dólares, em somas que fariam Jeff Bezos se sentir pobre em comparação.
Diante do que aconteceu no livro anterior, da pobreza que em sua infância e dos aprendizados que ele colheu pelo caminho, era de se imaginar que o personagem usaria seu novo poder para fazer mudanças reais. No entanto, Cline decide fazer com que os leitores realmente tomem desgosto pelo protagonista ao fazê-lo adotar um caminho bastante derrotista e que nada lembra os feitos históricos de um passado recente.
Talvez naquele que é o aspecto mais realista de Ready Player Two, o autor transforma o protagonista em um personagem amargurado, mesquinho e realmente detestável. Em vez de usar os recursos da GSS para mudar o mundo — como o fazem seus ex-colegas —, o protagonista decide aceitar que tudo é ruim e impossível de melhorar (por mais que ele tenha trilhões de dólares em recursos) e que o negócio é se internar cada vez mais no OASIS.
Boa parte do livro é dedicada a mostrar como a GSS se transforma em um grande monopólio global não somente do entretenimento, mas também da tecnologia bélica. Ao mesmo tempo que tenta nos convencer de que isso é completamente normal e aceitável, Cline passa a ideia de que a companhia, por mais que tenha recursos, não consegue mudar a realidade — o que, em última instância, ela não tenta realmente.
A única mudança real que a companhia promove na realidade é introduzir no mercado um novo dispositivo de imersão para o OASIS que o torna ainda mais viciante. Enquanto o discurso que o autor vende é de que isso é positivo, já que dentro da simulação todos podem ser eternamente felizes e ter experiências infinitamente variadas, a leitura deixa claro que a GSS não é a empresa boa que ele quer que você acredite.
Ela é uma entidade que se alimenta do caos e da desesperança para vender produtos, que vão desde o headset necessário para acessar o serviço até as microtransações relacionadas a praticamente qualquer ação dentro dele. Em outras palavras, toda a preocupação “social” que a GSS poderia ter chega somente até o ponto em que ela precisa lucrar mais um pouco porque, bem… não há exatamente um motivo, visto que sequer há a pressão de investidores para o pagamento de dividendos.
Wade e seus amigos têm controle absoluto sobre o futuro da companhia e suas áreas de atuação e não conseguem pensar de maneira diferente. O ativismo e filantropia que alguns deles promovem é essencialmente vazio e ineficaz: são pílulas que diminuem os sintomas do declínio da humanidade, mas que não atacam a doença — da qual a megacorporação é um dos principais transmissores.
Enquanto ocorre esse aumento do monopólio da GSS, já se passou quase metade do livro na qual esses acontecimentos coincidem com uma busca obsessiva de Watts por toda e qualquer informação de sua ex-namorada. Como todo bom adolescente sem tato social, ele consegue em poucos dias destruir seu relacionamento com Samantha e passa anos alimentando sua obsessão por ela — algo que Cline faz questão que acompanhemos de perto de forma que beira o desgastante.
O resultado disso é que, na metade da leitura de Ready Player Two, eu já achava o protagonista detestável e não via com nenhuma simpatia a companhia que devia ser a “boazinha” da história. Nem quando o autor fez questão de descrever que o novo headset de realidade virtual dela mudou totalmente a percepção humana e acabou com preconceitos no processo me senti convencido a ter simpatia por ela. Afinal, em todo momento ficou claro que ela fazia isso não por nobreza ou uma intenção real de mudança, mas sim como consequência da vontade de ganhar toneladas de dinheiro.
A introdução dessa nova tecnologia coincide com a revelação de um novo Easter Egg, que promete um prêmio ainda maior do que aquele ofertado para quem conquistou o OASIS. Demora bastante para essa trama (que se inicia parecendo mais como uma subtrama) ganhar volume e, quando isso acontece… bem, digamos que Ready Player Two não se distancia o quanto podia de seu antecessor no pior sentido possível.
A nova trama caçada na qual Wade Watts — e, a contragosto, seus ex-colegas — se envolvem é resultado do próprio avanço tecnológico atingido pela GSS. Uma inteligência artificial prende os jogadores à simulação do OASIS e só vai liberá-los caso o Easter Egg seja encontrado em algumas horas.
Enquanto esse limite de tempo promete uma jornada mais curta, algo que realmente é entregue, Cline prejudica a narrativa ao apelar para algo que já irritava em Ready Player One. Toda missão da jornada é uma desculpa para o autor exibir seu conhecimento enciclopédico sobre algum artista, game ou filme que marcou sua infância, sempre com uma dose generosa de nostalgia como cobertura.
Isso faz com que a narrativa ganhe uma verborragia desnecessária, dando a impressão de que a narrativa não está progredindo. Cline parece acreditar que, mais importante do que fazer os personagens chegarem a seu lugar de forma interessante, destinar longas páginas a mostrar como sabe do lore de cada filme de John Hughes é algo que vai ajudar a engrandecer sua obra — o que não é o caso.
Enquanto isso, as páginas vão passando e o fim do livro se aproxima. O resultado fica evidente depois de pouco tempo: os momentos finais são corridos e a resolução sofre com isso. O vilão nunca é totalmente desenvolvido, tampouco suas motivações e o grau de ameaça oferecido por ele são convincentes.
Também não ajuda o fato de que Cline decide aproveitar as últimas páginas do livro para introduzir o tema do transhumanismo. A ideia até faz sentido com certas premissas iniciais, mas a estrutura narrativa não dá sinais de que esse vai ser um dos assuntos principais do livro e a quantidade limitada de páginas dedicada a tratar dele não ajuda muito no desenvolvimento.
Com isso, temos um livro com uma conclusão que realmente é inesperada, mas que não consegue transformar isso em uma força. Para que algo do tipo funcionasse, era preciso que o autor deixasse sinais sutis do caminho que as coisas estavam seguindo, o que não acontece aqui. Seguir uma linha narrativa para, no final, direcioná-la em outro caminho, não funciona se falta coerência na forma como isso é feito.
Uma das experiências literárias mais frustrantes que tive nos últimos anos, Ready Player Two não funciona nem como a distração leve que Ready Player One proporcionava. Sem direcionamento claro e competente somente na arte de tornar seu protagonista em alguém detestável, o livro é daqueles que eu não recomendo para ninguém com opções melhores a seu dispor. Resta a esperança que, se alguém decidir transformar a obra em um filme, consiga resgatar algum semblante de qualidade a partir das ideias de Cline.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm