Em Final Fantasy VI existe uma casa de leilões. Do ponto de vista dos sistemas de jogo, é possível encontrar ali equipamentos e itens importantes para customizar e treinar os guerreiros. Enquanto ambientação, a cidade é conhecida como polo de gente da alta roda e de colecionadores de arte. Em dado momento da jornada, o NPC estacionado em frente ao local nos diz o seguinte:
Pouco importa, nesse caso, a definição exata de arte; se imita a vida, se é “um periscópio sobre o oceano do social”, se é espelho da realidade, ou ferramenta para ajudar a quebrar e moldar o real; a evocação do fim dos tempos responde a anseios da prática da vida humana. Seja rebento de profunda reflexão do artista ou de uma percepção quase sensorial, o “fim do mundo” não vem do nada.
Da minha parte, tenho pensando muito no fim dos tempos. Imagino ser uma sensação e uma preocupação dividida por um bom punhado de pessoas. Estamos, afinal, vivendo uma pandemia desde o ano passado, e vendo, ao longo de décadas, os efeitos de uma crise ambiental.
Talvez por isso, Umurangi Generation tenha se tornado rapidamente um dos jogos eletrônicos mais importantes para mim. No título, publicado em 2020 para Windows, assumimos o papel de uma fotógrafa — cujo trabalho é precarizado — e devemos capturar fotos de um mundo em declínio.
Enquanto outros jogos, seguindo a fantasia de poder comum à mídia, colocam o jogador numa posição de super-herói que conquistará e reverterá o apocalipse, Umurangi Generation nos convida a buscar a resistência e a beleza no fim de tudo, e quem sabe no meio disso encontrar sementes de uma nova sociabilidade.
Umurangi Generation se desenrola a partir da exploração de alguns estágios. Em cada um deles é necessário tirar todas as fotos de uma lista dentro do tempo de 10 minutos. Existem objetivos extras que, ao serem cumpridos, geram recompensas; a maioria delas em forma de novas lentes, focos ou cores, enfim, de possibilidades de como tirar e editar os retratos.
Há um limite de tempo para a entrega, mas não para a exploração do cenário. Sendo assim, é possível conhecer e reconhecer o ambiente antes de reiniciar e realizar todas as atividades nos dez minutos indicados. Cada lugar é representativo de um mundo em declínio; há um campo da ONU, um trem de refugiados, bairros ocupados, bases militares e até mesmo um fliperama — um belo estágio presente na expansão do jogo.
Mas se em algo como Tony Hawk’s Pro Skater, por exemplo, o tempo existe como sequenciador de objetivos para uns e desafio complecionista para os mais ágeis, em Umurangi Generation o limite de tempo, ao lado do objetivo de conseguir o dinheiro mínimo, suscita reflexão sobre a precarização e “uberização” do trabalho.
O mundo caminha em direção ao fim, sim, mas ainda é necessário colocar comida na mesa. A economia do fim dos tempos é retrato fiel e agudizado da economia que nos trouxe ao fim dos tempos. Tire o máximo de fotos dentro de um tempo reduzido. Tire as fotos pedidas. Não mostre coisas que não devem ser vistas. Demonstre seu “empreendedorismo” e proatividade ao cumprir desafios extra e conseguir equipamentos de trabalho que você já deveria ter desde o começo para realizar o seu ofício.
Mas não seria um problema o jogo colocar essa perspectiva e ainda assim ser… divertido? Primeiro, foda-se a harmonia ludonarrativa. Segundo, as atividades humanas existem enquanto relações múltiplas. O trampo de fotografar pode estar dentro de uma determinada economia de bicos, mas é, ao mesmo tempo e em batalha com a lógica produtiva, uma atividade de expressão humana e um possível ofício. O trabalho é um rolo compressor alienante nessa sociedade em que vivemos, não intrinsecamente.
Ainda há uma questão mais importante: o jogo te pede determinadas fotos, mas é papel de quem joga encontrar a melhor forma de tirá-las, julgar a beleza e pensar em seus significados. Ao fim de uma fase, você passa para o próximo estágio com algum dinheiro no bolso e um monte de foto salva. O ato de checar suas sequência de fotos de um local, como se fosse em uma sala de revelação, também coloca uma proposta narrativa de digestão das imagens; de montagem e edição da nossa compreensão sobre o enxergado.
E o que eu vejo nesse jogo criado a partir da perspectiva de um desenvolvedor vindo dos povos originais da Nova Zelândia, é parecido com o que vejo aqui no meu país; encontrar em qualquer fresta a oportunidade de festejar, amar e resistir, ainda é um dos atos sociais mais importantes.
A imagem do fim do mundo em Umurangi Generation é de extraterrestres e Kaijus atacando as ilhas da Oceania. Fotografando as garrafas de plástico relacionadas aos invasores, perdemos dinheiro ao invés de ganhar. A partir dessas representações, o título coloca as questões ambientais e o fortalecimento do neoliberalismo como seres estranhos e alienígenas, porém ao mesmo tempo íntimos no cotidiano e na cultura, chegando para destruir tudo.
Umurangi Generation foi projetado por Naphtali Faulkner, desenvolvedor vindo da tribo Ngāi Te Rangi iwi. Os pontos centrais da experiência proposta pelo jogo podem ser pensados a partir daquilo que jogadores encontram enquanto possibilidade, ambiente e temática, e também a partir de sua própria ação e olhar naquele mundo.
Em relação ao ambiente encontrado pela jogadora, Faulkner criou um cenário alegórico bastante direto, explicado em entrevista ao site da rádio CBC: “O grande evento de crise que está acontecendo é, digamos, equivalente ao Godzilla agindo todos os dias e destruindo o mundo (…) É uma força tal qual a mudança climática que está (vindo) aí. E você não pode negar que ela existe”. As mudanças e crises climáticas e ambientais, fortalecidas pela forma como se organiza a sociedade a partir do neoliberalismo, colocam a humanidade em face de um problema apocalíptico.
Do ponto de vista da ação de quem joga, a ideia do desenvolvedor pode ser traçada ao respectful design; design respeitoso, em livre tradução. Trata-se de um conceito e de uma filosofia a qual não consegui encontrar se já existe uma tradução prévia e utilizada. Por se tratar, como mencionado, de um conceito e de uma filosofia, Faulkner indica:
“Respectful Design vem do Dr. Norm Sheehan. Ele é um Designer Aborígene da Austrália. Eu não consigo explicar de forma sucinta por se tratar de toda uma filosofia de design. Mas onde eu enxergo uma ruptura com o design tradicional é que a agência está com a comunidade, e não com o designer. Em relação a esse jogo, os jogadores (a comunidade) decidem como eles querem tirar a foto e o que é uma boa foto, não o jogo (o design)”.
Cabe a quem joga encontrar o ângulo, o tipo de foto. Cabe às jogadoras decidir o que é belo ali. Cabe aos jogadores revelarem seus filmes e tentarem criar, caso queiram, uma narrativa ou compreensão do que é capturado pelas lentes.
Da minha parte, vi “eles” ditando silêncio e morte, mas corpos obedecendo dança e resistência.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm