Apesar de não ter antecipado Resident Evil Village com tanto vigor quanto outros fãs da franquia, fiquei ligeiramente ansioso à medida que o lançamento do jogo se aproximava. A dois dias de chegar mundialmente a todas a plataformas, o título mais aguardado do ano até o momento chegou em minhas mãos (não literalmente) e pude testemunhar por minha conta e risco tudo que havia sido descrito e opinado em termos de experiência após a queda do embargo do jogo. Ao longo das dez horas investidas em sua campanha — e mais algumas caçando criaturas estranhas no modo Os Mercenários —, considero Village uma das entradas mais coesas e bem executadas da série.
Para uma série com spin-offs tão variados — do excepcional Resident Evil Revelations ao infame Umbrella Corps —, até que Resident Evil soube dividir bem até o momento o que faz parte da cronologia e o que funciona como conteúdo complementar em seu universo fictício. Com exceção dos eventos de Rockfort Island, a série principal se estende dos números 0 a 7, sendo grafada com algarismos romanos no título oficial do jogo localizado para o ocidente. Por mais que ainda faça um jogo entre letras e algarismos em seu logotipo oficial, Resident Evil Village não é chamado Resident Evil 8 oficialmente.
Meu intuito aqui não é soar purista ou exigente — pode parecer picuinha para quem está lendo o texto —, mas levantar um ponto que me chamou atenção: desde seu título até o conjunto de decisões tomadas pela Capcom, Village foi concebido como algo diferente e arriscado, abandonando até mesmo temáticas e convenções que se arrastaram (por bem ou por mal) ao longo dos diversos outros jogos da série. Mesmo se tratando de uma sequência direta de Resident Evil VII: Biohazard, parece ser aquele tipo de jogo que funciona bem tanto inserido dentro da lore quanto de forma independente.
Três anos após os incidentes com o mofo em Dulvey, na Louisiana, Ethan e Mia Winters ainda tentam colocar suas vidas nos eixos. Afastados da terra natal, o casal e seu bebê, Rosemary, agora vivem na Europa, mas ainda não parecem ter superado completamente os pesadelos e traumas vividos na nefasta companhia da família Baker. Sem muitas cerimônias, aquele que seria mais um jantar para o casal termina com uma violenta tragédia: Mia é alvejada, Ethan nocauteado e a pequena Rose levada sem explicações. Em poucos minutos, Village revela o objetivo de Ethan e nos assombra principalmente com uma pergunta: por que Chris Redfield foi o responsável pela morte de uma civil e sequestro de uma criança indefesa?
Após escapar da guarda dos militares e atravessar um bosque, chegamos a um estranho vilarejo. Muitas casas por ali têm suas portas destrancadas — algumas inclusive parecem ter sido abandonadas durante um dia comum, sem qualquer plano ou previsão —, mesas postas para o jantar, roupas de cama desajeitadas e ferramentas espalhadas sem explicação. A ambientação nesse momento fala mais do que qualquer documento ou cutscene: coisas estranhas têm acontecido nas redondezas.
Apesar de Village só ter seu desenvolvimento pleno iniciado pouco tempo antes do lançamento de Resident Evil VII: Biohazard, confesso ter tido a impressão de que esse era para ser o primeiro jogo estrelando Ethan Winters. Digo isso não pelos eventos narrativos ou pela motivação do protagonista, mas por se afastar um pouco da ficção e do tipo de conteúdo de terror característico de outras entradas da série.
Resident Evil não é mais uma série sobre zumbis — e talvez nunca tenha sido em sua essência, por mais que fãs ferrenhos se digladiem na intenção de provar o ponto. Desde Resident Evil (1996), enfrentamos criaturas das mais diversas naturezas infectadas por um parasita que toma controle ou simplesmente desliga a consciência do hospedeiro. Fico muito satisfeito e supreso, porém, ao ver a Capcom vencer a própria resistência, introduzindo elementos folclóricos europeus (como os licanos e o vampirismo da linhagem Dimitrescu) em um jogo da cronologia principal.
Ao mesmo tempo que traz temáticas pouco ou nunca abordadas anteriormente na série, o jogo tem uma estrutura claramente inspirada em seu antecessor — que vai além de apenas ser um jogo de terror em primeira pessoa —, mas nunca deixa de transparecer sua inspiração em Resident Evil 4. As inspirações em um dos jogos de maior sucesso da franquia são evidentes, mas não chegam a incomodar pela quantidade ou pelo excesso de nostalgia justamente por serem justificadas no contexto do jogo mais recente.
Em meio a tantas referências, o Duque é o que mais se destaca para mim. À primeira vista, é apenas uma homenagem ao emblemático Mercador. Entretanto, ele essencialmente é o que mais afasta Resident Evil Village de seu antecessor — pelo menos na forma como decidimos lidar com as ameaças em combate. Assim como em RE4, podemos coletar munição, recursos e tesouros de inimigos abatidos — e o Duque é o responsável pela compra, venda ou aprimoramento de itens e equipamentos. Enquanto a melhor opção sempre era fugir e evitar os inimigos na propriedade dos Baker, um ritmo mais intenso e frequente de combate se faz presente no novo jogo — que ainda herda o amadorismo de Ethan na hora de atacar e se proteger.
Por meio de recursos e insumos coletados, é possível confeccionar munições, medicamentos e explosivos para uso imediato a partir do próprio inventário. Há também um sistema culinário apresentado e regido pelo Duque: leve os ingredientes necessários (carne crua de alguns tipos de animais) para completar as receitas típicas da região e ser contemplado com uma habilidade definitiva para Ethan. Mesmo nos tornando mais forte, não entendo porque somos impelidos a fazer o papel do caçador de criaturas indefesas e pouca ameaçadoras — como porcos e galinhas — para benefício próprio. Não é como se não houvesse uma quantidade exorbitante de alimentos e ingredientes espalhados pelos mais diversos ambientes pelos quais vagamos no jogo.
Apesar de não ter um backtracking tão bem executado quanto os primeiro jogos da série, a jornada em Village propõe um tipo de travessia e exploração de boa qualidade. Há um hub central conectando áreas mais afastadas, e essas são desbloqueadas por meio de itens-chave obtidos na própria história. Portanto, sempre após concluirmos um ambiente, retornamos ao vilarejo para explorar e abrir mais atalhos.
Na mesma medida que procura se afastar da linearidade presente em Resident Evil 5, por exemplo — com ambientes sendo completamente abandonados e eventualmente destruídos em setpieces, nos impedindo de retornar naturalmente para futuras seções de exploração —, Village não propõe um bom uso de seu espaço útil para quebra-cabeças e para uma travessia mais críptica. É comum se deparar com uma porta ou um mecanismo que impede a progressão, mas, na maioria das vezes, a solução está muito mais perto ou é muito mais simples do que parece. Não me entenda mal: complexidade injusta e sem sentido pode afastar jogadores não tão investidos nesse tipo de experiência, mas sinto falta de me perder (no bom sentido) com uma quantidade razoável de chaves a meu dispor.
Resident Evil Village não chega a ser exatamente um “jogo de vinhetas”, mas aprecio bastante a variedade arquitetônica e as diferentes formas de se jogar propostas ao longo da aventura. Passando por um castelo imponente até uma perigosa indústria, o jogo faz questão de nos prender em uma residência assombrada — um dos mais momentos aterrorizantes do jogo — e também insere um segmento mais militarista para encorpar a ação. Alguns de seus ambientes são ressignificados a partir de um fator de urgência — característica também presente no remake de Resident Evil 2 —, porém isso ganha tração e se esvai muito rapidamente.
Em questão de tempo de jogo, Village tem sim uma boa duração de campanha, mas peca por não dar o tempo necessário para vilões mostrarem um pouco além do que seus arquétipos representam. O protagonista, por outro lado, tem um arco bem mais focado em seu desenvolvimento pessoal do que em sua estreia de 2017, ganhando espaço até para demonstrar uma coragem levemente incoerente com sua personalidade em situações adversas.
Por mais que eu já gostasse do resultado de projetos criados a partir da RE Engine (Devil May Cry V, Monster Hunter Rise e Resident Evil 3, por exemplo), Village finalmente parece ser o jogo mais ambicioso já criado em termos de ambientação a partir dessa tecnologia. As texturas, luzes, sombras, modelagens e animações — essas últimas definidas a partir de motion capture — são extremamente agradáveis e mantêm uma qualidade constantemente impressionante ao longo do jogo. As feições de personagens humanos estão mais críveis do que nunca, e a sensação de estranheza que alguns rostos me causavam em Resident Evil VII: Biohazard simplesmente desapareceu.
A escolha das cores, formas e até efeitos é sempre importante para nos causar uma sensação de imersão total, especialmente quando combinadas ao design de som 3D e às empolgantes funcionalidades do DualSense no PS5. O trabalho foi tão excelente que a equipe decidiu dividir um pouco desse orgulho com o público: parte do conteúdo de bastidores pode ser acessado após o término da campanha principal. O trabalho de localização do jogo também é elogiável e, pela primeira vez, o jogo conta não somente com legendas e texto em português, mas com dublagem de voz para todas as cenas.
Mesmo demorando para explicar a relação com seu antecessor e costurar efetivamente os eventos recentes à totalidade histórica da série, a conclusão da campanha me deixou bastante satisfeito — considero este, inclusive, o final mais surpreendente da série toda. A explicação e a justificativa de detalhes e momentos importantes vividos na pele de Ethan não deixam muito a desejar, e as cenas pós-créditos alimentam ainda mais a esperança de uma continuação à altura.
Mas o jogo não termina por aí para quem gosta de colecionar troféus e se divertir sem as amarras da trama: o modo The Mercenaries é divertido e garante mais dezenas de horas se você, assim como eu, adora ficar tentando bater sua própria prontuacao enquanto acumula pontos e combos — mesmo com a triste ausência de um modo cooperativo local ou online. Além disso, como de costume, o jogo oferece a opção de desbloquear munição infinita para seu arsenal, tornando as jornadas em dificuldades mais acentuadas um pouco menos penosa e mais ágil.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm