Yoshio Sakamoto é muito conhecido atualmente por ser o grande criador de Metroid, mas ele criou diversas outras histórias e jogos dentro da Nintendo. E algo que talvez passe despercebido é que ele é um grande contador de histórias, algo que eventualmente surpreenderia os fãs em Metroid Fusion e Metroid: Other M, positivamente ou não. Muitos anos antes destes dois serem desenvolvidos, ele conheceu um jogo de Famicom (o NES japonês) e ficou encantado. Esse jogo era Portopia, criado pela mente por trás de Dragon Quest, Yuji Horii, e se trata do primeiro jogo japonês do gênero adventure — que hoje seria classificado mais para o lado das Visual Novels.
Sakamoto olhou para Portopia e começou a fazer campanha para um futuro projeto similar pela própria Nintendo. Esse jogo seria Famicom Detective Club: The Missing Heir, de 1988. Com boa recepção, ele rapidamente teve uma sequência lançada um ano depois intitulada Famicom Detective Club: The Girl Who Stands Behind. Esses jogos nunca veriam a luz do dia no ocidente, mas, trinta anos depois, um remake seria anunciado e eventualmente lançado. É dessas versões que tratarei nesse texto.
Os dois jogos funcionam de forma parecida: você é um detetive e precisa desvendar um mistério, e o faz através de comandos dentro de uma caixa. Então, por exemplo, você, querendo saber mais sobre o álibi da pessoa que está conversando, irá escolher o comando “conversar” e depois “álibi”, por exemplo. São dois dos primeiros jogos que dariam surgimento às Visual Novels (Ace Attorney, Fate/Stay Night, Higurashi, Steins;Gate, etc.) e, como tal, se aproxima de um livro enquanto jogo — mesmo que, no caso de Famicom Detective Club, os comandos sejam quase que um terço da experiência. Se você gosta de ler, é um jogo para você, mas você precisa gostar muito. Quem gosta mais de jogos de ação talvez não encontre aqui um grande proveito.
The Missing Heir é o primeiro jogo da série, mas se passa depois dentro da cronologia. Você acorda sem memórias depois de cair de um penhasco e começa a traçar os seus passos para tentar lembrar quem você é. Não demora muito para isso acontecer e você descobre que é um detetive que estava no meio de uma investigação. Durante ela, você atende o telefone e se desloca para o penhasco com o objetivo de averiguar uma pista. Sua parceira detetive, Ayumi, não sabia o que você ia fazer lá e esse é o motor da narrativa para o protagonista — que você mesmo dá o nome, mas o que não significa que é irrelevante. Pelo contrário, a integração do protagonista no mistério é um dos grandes trunfos do primeiro jogo.
E o grande mistério que te contrataram pra resolver é: quem assassinou a chefe de uma família rica e influente do interior do Japão? O jogo trabalha com essa grande pergunta o tempo todo, mas é interessante que diversas novas perguntas vão aparecendo, muitas vezes fazendo o mistério principal ser outro. E isso é importante para não deixar que você consiga resolver de cara o mistério, meso que você acabe descobrindo de qualquer jeito. Toda história de mistério é tão interessante quanto sua capacidade de te derrubar constantemente, e The Missing Heir não triunfa nesse aspecto por muito tempo.
No mais, The Missing Heir perde a oportunidade de desenvolver seus personagens, mesmo sendo o jogo mais longo. Entendo que o intuito com certeza foi focar na história com diversas revelações que deixam as coisas de cabeça pra baixo, mas acaba por deixar os secundários desinteressantes — incluindo Ayumi, que vira uma mecânica de jogo apenas. Por meio dela, no final de cada capítulo, você conecta as pontas do mistério e decide o que fazer no capítulo seguinte durante uma espécie de recapitulação. Ela poderia ser muito mais integrada no primeiro jogo, inclusive com investigações que ela faz em paralelo, mas que você não joga nem vê, parecendo pistas que o jogo queria que você soubesse, mas não tinha onde colocá-las dentro da linearidade.
Ainda assim, é uma história que te prende não só pelos visuais atualizados do remake, mas por uma boa localização para a língua inglesa (uma vez que, infeliz e surpreendentemente, não há versão em português). Além disso, a dublagem em japonês (e só em japonês), novidade dessa versão, é perfeita e digna do clássico. Uma outra novidade dos remakes é um histórico das falas dos personagens e um caderno de anotação do protagonista, útil caso queira relembrar questões da história para tentar decifrá-la. Não usei o caderno, mas usei o histórico pois tenho uma mania de apertar “A” antes de ter certeza de que entendi a fala, uma consequência dos anos jogando Pokémon criança e ficar pulando as falas pois não entendia nada. Sinto muita falta desse histórico em outros jogos e fico contente que adicionaram aqui.
O grande problema dessa versão de 2021 foi justamente ser muito fiel à original. Famicom Detective Club: The Missing Heir é um jogo extremamente difícil, não pela história, mas por suas mecânicas. Tem diversas horas que eu não fazia ideia do que fazer e não havia algum sistema de dicas. Em um jogo que te deixa conversar dez tópicos e clicar em diversos itens e pessoas no cenário, ficar preso dói. Não é uma questão de voltar e ficar andando até achar um caminho: você tem o caminho na sua frente e nada foi feito para deixar esse caminho mais claro se você tiver dificuldades. Não me impediu de terminar o jogo, mas foi algo que deixou a experiência desagradável em diversos momentos. Não é divertido ficar preso meia dúzia de vezes porque você tinha que fazer algo em uma ordem específica que não necessariamente faz sentido, mesmo depois de você conseguir fazer o que o jogo queria.
De longe o mais conhecido, aclamado e influente, The Girl Who Stands Behind parte para uma direção diferente do primeiro (que era mais Agatha Christie e literatura /cinema italiano), indo para os grandes mistérios que acampam nas escolas japonesas (se você já viu Jujutsu Kaisen ou várias outras histórias que flertam com terror escolar japonês, sabe do que estou falando). É uma das histórias expoentes desse subgênero e consegue entregar diversos momentos que flertam com o terror, mesmo que seja, na base, um mistério.
Nesse segundo jogo, voltamos no tempo e o protagonista ainda não havia conhecido Ayumi. A jovem é apresentada quando começamos a investigar um corpo de uma adolescente encontrado nas margens de um rio de uma cidade japonesa. Há marcas de estrangulamento no corpo e começamos a investigar o que é possível na escola. Lá, descobrimos que ela estava perguntando sobre um caso que havia acontecido muitos anos antes desse assassinato e chegamos a um rumor de um fantasma de uma garota toda cheia de sangue que perambula a escola. A conexão entre esses dois eventos é a história central do jogo.
O segundo título da franquia consegue te enganar mais que o primeiro, seja por revelações falsas como por momentos que você não esperava que fossem acontecer. Inclusive, foi um dos poucos “prequels” com o qual tive contato que acabam conseguindo te surpreender justamente por você vir com esse conhecimento prévio. Também comparando ao primeiro, fiquei menos preso neste aqui, mas não sei se por familiaridade que acabei adquirindo por ter jogado ele depois ou se pelo próprio jogo, que evidentemente tem menos opções que o primeiro. Mas isso já fez ele ser bem mais palatável e agradável.
Mas The Girl Who Stands Behind não é melhor que o primeiro somente por essas questões. Com menos grandes revelações rolando ao longo do tempo, teve mais tempo para desenvolver um núcleo de personagens menor, incluindo a Ayumi, a estrela da série. Ela tem mais tempo aqui e não parece só uma mecânica de jogo, como no primeiro jogo. Ela tem agência, você tem mais tempo para conversar e conhecê-la, o que é importante para que você se importe com o desenrolar da história.
Com personagens mais caricatos, o que é uma grande maravilha em histórias de mistério com humor, é simplesmente hilário jogar The Girl Who Stands Behind. Chega em um ponto que você até tem dois parceiros te ajudando e as interações são muito legais. É difícil jogar esse jogo e não pensar em como chegamos, eventualmente, a Ace Attorney, um jogo que você também investiga casos com sua parceira de investigação e encontra diversos personagens engraçados e caricatos em situações absurdas. Jogar Famicom Detective Club é jogar uma parcela importante de história de jogos japoneses.
Atualmente, Sakamoto está por trás de jogos que trazem muito dinheiro pra Nintendo, como Tomodachi Life. Famicom Detective Club é, infelizmente, uma relíquia do passado que resolveram trazer de volta pra agraciar os fãs desse momento da história da empresa. Apesar de não indicar um retorno de jogos como os dessa época, é bom termos a chance de experienciar e retornar a esses clássicos e resolver esses dois mistérios.
A grande questão dessa versão de 2021 é que o respeito ao jogo original talvez seja o maior problema e a maior virtude desse lançamento. Ao mesmo tempo que é muito bom termos uma versão fiel ao original, principalmente por não termos acesso a ele, a falta de um sistema de dicas com certeza torna a experiência repetitiva, algo em torno de ficar clicando e rezando pra ter diálogos novos para prosseguir. Um sistema de dicas no qual você clica em “lembrar” ou “pensar” e isso dá dicas do que fazer (como tem um pouco mais no segundo jogo) já resolveria muito da frustação.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm