Se existe uma lista de “game designers lendários”, Tim Schafer certamente está nela. Porém, apesar de sempre ter ouvido falar dos jogos dele, ter vários amigos que adoram os jogos de aventura da LucasArts/Double Fine e até ter trombado com o próprio na E3, sua obra por muito tempo me escapou.
Comecei a remediar tal lacuna este ano, quando joguei Full Throttle em janeiro. Em maio, joguei também Day of the Tentacle, outro clássico da LucasArts remasterizado pela Double Fine (que é composta por muitos ex-funcionários da própria LucasArts além de Schafer). Gostei dos jogos, em particular pelos usos criativos de itens e diálogos que criam situações inesperadas com soluções inusitadas, mas o estilo de aventura não é dos meus preferidos.
Há um jogo da Double Fine em particular que me intriga há anos, chamado Psychonauts. Sendo um jogo de plataforma, é algo muito mais na minha zona de conforto e experiência do que a maioria dos jogos do Sr. Schafer. Eu não tive um PS2 nem um Xbox, então deixei passar o jogo na época de seu lançamento e, quando tentei jogá-lo alguns anos depois no PC, descobri que o port estava repleto de problemas e não consegui passar da primeira fase.
Com Psychonauts 2 prestes a lançar este ano, a adição da versão de Xbox do primeiro jogo ao Xbox Game Pass e muita insistência do meu amigo Douglas, resolvi dar uma nova chance ao cult classic de 2005, o primeiro jogo lançado sob o rótulo da Double Fine.
Psychonauts é, obviamente, um jogo bastante estranho e, de fato, a estranheza bate logo de cara. A direção artística bizarra e a narrativa “fora da caixa” podem afastar alguns jogadores de primeira viagem, mas vale a pena insistir um pouco. As primeiras fases são claramente tutoriais, explicando aos poucos as mecânicas centrais do jogo, e demora um pouco para essas mecânicas começarem a trabalhar em conjunto.
Controlamos Razputin, um garoto com poderes psíquicos que deseja fazer parte de uma organização dedicada a crises de caráter psicológico — os “psiconautas”. Razputin também é um acrobata e passou sua infância em um circo, o que explica sua habilidade com plataformas. Ao longo do jogo, adquirimos poderes que incluem telepatia e telecinese, além de levitação, escudos, e um tiro de energia. Pelo menos para mim, alguns desses são certamente mais úteis do que outros, mas o jogo sempre tenta fazer com que seja relevante pensar em qual poder faz sentido ser usado em determinada situação.
A verdadeira proposta de Psychonauts só ficou clara para mim quando cheguei na fase chamada “The Milkman Conspiracy”, que não envolve tantos desafios de plataforma, mas requer o uso de diversos itens diferentes para acessar certos segmentos da fase. Em situações como essa, o jogo se parece muito mais com Day of the Tentacle do que com um filhote de Super Mario 64, o que deveria ser esperado considerando o pedigree do título. Ao mesmo tempo, as contorções da fase e as brincadeiras com gravidade flertam com o que Super Mario Galaxy expandiria poucos anos depois.
É na segunda metade do jogo (marcada mais ou menos pela fase supracitada) que a criatividade dos desenvolvedores passa a brilhar. Cada fase é extremamente distinta, com uma proposta central única. Por exemplo, a fase do leiteiro é um bairro fisicamente distorcido, enquanto outras fases são inspiradas por peças de teatro ou jogos de tabuleiro. Essas ideias nem sempre dão tão certo quanto gostaríamos, mas não deixa de ser divertido ver qual será a próxima invenção maluca dos criadores do jogo. Justamente por ser um jogo de um gênero feito por pessoas experientes em outro, há uma mistura de ideias fascinantes com interações inusitadas.
Nas fases com maior ênfase no legado de aventura de Tim Schafer, ora interagindo com itens ou dialogando com outros personagens, o aspecto de plataforma do jogo pode parecer um pouco esquecido. Para mim, é uma ótima combinação dos gêneros quando preciso coletar um item específico, mas para chegar nele preciso superar obstáculos de plataforma e alguns inimigos. Isso acontece várias vezes, mas também encontramos diversas situações em que, para resolver a missão, basta dialogar com um personagem em particular, o que não satisfaz o que eu gostaria de ver nesse estilo de jogo.
Também pode ser inconveniente e até irritante que alguns itens necessários para a progressão do jogo são comprados na loja, mas dificilmente encontramos moeda local jogando normalmente; duas vezes, tive que suspender meu progresso no jogo para procurar dinheiro com um detector de metal, para então poder continuar. As lutas contra chefe são outro aspecto que deixa a desejar, ora sendo fáceis demais, ora simplesmente irritantes.
É bastante claro que Psychonauts não foi apenas o primeiro contato de seus desenvolvedores com o gênero de plataforma, mas também que o jogo foi desenvolvido com certas limitações de orçamento. Infelizmente, Psychonauts foi um fracasso comercial em sua época, e seu sucesso cultural foi atingido tarde demais para manter a atenção da publicadora. Por sorte, o jogo é hoje bastante acessível — pode ser jogado no PC (via Steam ou Game Pass), como PS2 Classic no PS4 e pela retrocompatibilidade de Xbox no Xbox One ou Series (de novo, Game Pass). No Series X, o jogo roda com resolução e framerate altos, ajudando a mantê-lo moderno, de certa forma.
Apesar das baixas vendas do jogo, muitos fãs desejavam ver mais do mundo de Razputin e seus amigos. Tim Schafer anunciou a intenção de desenvolver Psychonauts 2 em 2015 mas, por muitos anos, pouco foi falado sobre o título. Um interlúdio entre os jogos, chamado Psychonauts in the Rhombus of Ruin, foi lançado para plataformas VR em 2017; este segue a cena final de Psychonauts narrativamente, mas é uma proposta bem diferente em termos de jogabilidade.
Em 2019, a Microsoft anunciou a aquisição da Double Fine, que hoje faz parte do Xbox Game Studios. Pelos termos da aquisição, a Microsoft se comprometeu a honrar o anúncio de Psychonauts 2, que ainda será lançado para PlayStation 4 além de Xbox e PC. Segundo Tim Schafer, o jogo estava passando por sérios problemas orçamentários (aparentemente uma ocorrência comum na Double Fine), mas a aquisição da Microsoft deu um novo respiro à equipe. Na E3, vimos um novo trailer de Psychonauts 2 que dá bons sinais: minha impressão é que a Double Fine conseguiu realizar sua visão para o novo jogo, que sai em apenas dois meses, no dia 25 de agosto.
Devido à criatividade que é esbanjada por Psychonauts, sua continuação rapidamente subiu para a posição de jogo mais antecipado por mim este ano. Sem tantas preocupações de orçamento e com 15 anos de experiência, acredito que podemos ver um jogo muito especial. Apesar de alguns probleminhas justificáveis pelas circunstâncias da época, consegui entender bem por que Psychonauts atingiu o status de cult classic. A criatividade disposta nele rivaliza alguns dos melhores jogos de todos os tempos e, se sua continuação tiver pelo menos boa parte disso, certamente valerá nosso tempo e atenção.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm