Reportagem: A história e o legado de Star Fox 2 - Neo Fusion
Reportagem
A história e o legado de
Star Fox 2
2 de outubro de 2017

Em pleno 2017, não é todo dia que vemos um novo lançamento para o Super Nintendo. Na verdade, é em apenas um dia que vemos isso: em 29 de setembro, foi lançado Star Fox 2, vendido exclusivamente como parte do Super NES Classic Edition. Mas, apesar deste lançamento tardio, o desenvolvimento do jogo foi concluído em 1995, sendo então arquivado ao invés de lançado. Para entender melhor as causas por trás desse cancelamento, os motivos pelos quais este poderia ter sido um jogo importante para a época e a importância que ele acabou tendo mesmo sem ser lançado, precisamos entender o contexto por trás de sua criação.

Um computador no cartucho

A era 16-bit não é exatamente lembrada pelos seus jogos em 3D. Porém, foi justamente nessa época que os primeiros passos para a terceira dimensão em consoles de videogame começaram a ser tomados. No auge da guerra entre o Super NES e o Sega Genesis (Mega Drive), a Nintendo lançou Star Fox em 1993, aproveitando o chip Super FX para produzir gráficos poligonais, algo até então inédito para consoles.

Curiosamente, Star Fox não foi o primeiro jogo em 3D da Nintendo. Esse mérito é de X, um jogo de Game Boy (sim) lançado apenas no Japão em 1992. X utilizava gráficos vetoriais, renderizando apenas as linhas externas de seus objetos. Anos depois, o jogo de Virtual Boy Red Alarm empegaria um mecanismo de renderização similar para produzir um jogo inspirado em Star Fox. Antes disso, alguns jogos como F-Zero e Pilotwings imitavam visuais 3D usando um chip DSP para produzir sprites com perspectiva.

X foi desenvolvido em parceria com um estúdio britânico chamado Argonaut Software. A empresa foi fundada por um grupo de jovens obcecados por tecnologia que acabaram sendo pioneiros em jogos 3D. “Nós sempre empurramos o aspecto de pesquisa e desenvolvimento da empresa, para permitir novas tecnologias como renderização 3D e físicas, mas também para criar ‘facilitadores’ que permitiam que pessoas criativas fossem mais criativas”, conta o fundador Jeremy “Jez” San1. Seu terceiro jogo, Starglider, foi lançado em 1986 para computadores como o Amiga e o Atari ST e é considerado o primeiro jogo com gráficos em 3D jogável em um ambiente doméstico.

A Argonaut chamou a atenção da Nintendo demonstrando uma forma de quebrar o mecanismo anti-pirataria do Game Boy e dois protótipos com gráficos tridimensionais no NES e no Game Boy2. Após fornecer suporte à Nintendo durante o desenvolvimento de X, a Argonaut demonstrou um protótipo de jogo em 3D rodando no Super NES e, impressionando executivos de alto nível da gigante japonesa, entrou em um contrato com a Nintendo para produzir jogos tridimensionais exclusivamente para suas plataformas. No entanto, a Argonaut disse que, se houvesse interesse, seria possível produzir gráficos poligonais até dez vezes mais rápidos com um novo hardware dedicado para isso.

Segundo San, a abordagem de desenvolvimento desse hardware foi o inverso do que era comum na época. Ao invés de desenvolver o hardware e então descobrir quais tipos de software rodariam bem nele, eles projetaram o hardware especificamente para rodar o software que queriam. Quando concluído, o novo chip, batizado de Super FX, rodava gráficos em 3D 40 vezes mais rápido do que o hardware base do Super NES. “Costumávamos brincar que o SNES era apenas a fonte de alimentação do Super FX. Todo o jogo, incluindo gráficos, física e jogabilidade, rodava no Super FX e o SNES simplesmente exibia os resultados na tela,” explica San3. Ainda de acordo com San, o Super FX é considerado a primeira unidade de processamento gráfica (GPU) já produzida.

Caninos espaciais em aviões

Enquanto parte da Argonaut trabalhava no Super FX em Londres, a Nintendo realocou os programadores Dylan Cuthbert, Giles Goddard e Krister Wombell para seus escritórios em Kyoto. Isso foi praticamente inédito: até hoje, desenvolvedores ocidentais trabalhando em empresas japonesas são raríssimos. Com a parte tecnológica — tanto de hardware quanto de software — delegada à equipe Argonaut, a Nintendo se responsabilizou por criar os personagens, a história e a jogabilidade geral do primeiro jogo que incorporaria a nova tecnologia 3D.

Então nascia Star Fox, que contava com a direção de Katsuya Eguchi e a produção de Shigeru Miyamoto — dois nomes de peso da Nintendo. Durante este período, as duas empresas aprenderam muito uma com a outra. Goddard e Wombell relatam ter tido dificuldades com a velocidade com a qual Miyamoto propunha novas ideias, as iterava e as descartava. Ainda assim, eles se impressionaram com a organização da Nintendo em termos de gerenciamento de projetos. “Podíamos ver que havia um processo que nos levaria de nada a um jogo completo em uns 12 meses”, relata Wombell4. No outro lado, programadores da Nintendo aprenderam com a Argonaut como trabalhar com gráficos poligonais5.

Com a experiência em design e criatividade da Nintendo e a competência técnica da Argonaut, Star Fox foi lançado com sucesso crítico e comercial em 1993. No ano seguinte, a parte da equipe em Londres produziria Vortex, enquanto a parte no Japão auxiliaria a Nintendo no desenvolvimento de Stunt Race FX6. Ambos estão entre os poucos jogos que tiraram proveito do Super FX, mas nenhum foi tão bem recebido quanto Star Fox.

Também em 1994, outra colaboradora britânica da Nintendo, a Rare, lançou Donkey Kong Country, que simulava visuais 3D utilizando sprites pré-renderizados, sem depender de qualquer hardware adicional no SNES. Impressionado (e, segundo alguns relatos, invejoso) com o jogo, Miyamoto buscou superar novamente as expectativas de visuais em jogos de Super NES. Para isso, a Argonaut desenvolveu uma nova versão do Super FX, de código GSU-2. Este chip era duas vezes mais rápido que o original e permitiria efeitos visuais inéditos na próxima criação de Miyamoto, Yoshi’s Island (adicionalmente, permitiu o lançamento de Doom para o SNES, colocando lenha na fogueira das discussões de escola envolvendo o Super FX e o Sega 32X).

Armados com o novo chip, a equipe Eguchi, Miyamoto e Cuthbert iniciou o desenvolvimento de Star Fox 2. Mais do que apenas uma nova iteração da jogabilidade de Star Fox, a continuação adicionava uma variedade de mecânicas que definiriam o futuro da série para sempre. Entre as novidades, havia a possibilidade de escolher quais planetas visitar no sistema Lylat, combate 1-contra-1 envolvendo um oponente com nave similar, um modo multijogador e a possibilidade de transformar a Arwing em um veículo terrestre bípede. Várias dessas funcionalidades podem ser vistas hoje em Star Fox 64 e Star Fox Zero7.

Algumas de suas características nunca retornaram a Star Fox. Cuthbert diz que o jogo contém elementos roguelike, incentivando jogadores a repetirem a campanha diversas vezes, já que alguns elementos mudam a cada nova sessão. Além disso, o jogo é, narrativamente, uma sequência direta do primeiro Star Fox; os jogos do Nintendo 64 e do Wii U não passam de recontagens da história do jogo original.

Star Fox 2 chegou a ser demonstrado na CES de 1995, mas seu lançamento foi cancelado pela Nintendo pouco tempo depois. Segundo Cuthbert, a Nintendo foi pega de surpresa pelos novos consoles entrando no mercado, o PlayStation e o Saturn8. Além disso, há relatos de que a Nintendo poderia estar preocupada de que Star Fox 2 deixaria as capacidades do Nintendo 64 menos impressionantes em comparação e que Miyamoto queria “um começo limpo” para jogos em 3D no console9.

Apesar do cancelamento, a Nintendo pediu que a equipe continuasse trabalhando no jogo até que ele estivesse completo, passando até pelo rigoroso processo de garantia de qualidade. Com a ROM finalizada e masterizada, o jogo foi arquivado. Até mesmo Cuthbert se surpreendeu ao descobrir que o jogo completo estava guardado. Quando revisitou a série para desenvolver Star Fox Command, a Nintendo forneceu a ele a ROM de Star Fox 2 como objeto de estudo10. Apesar de existirem ROMs de Star Fox 2 disponíveis na Internet, Cuthbert diz que nenhuma delas é a versão finalizada do jogo11.

https://www.youtube.com/watch?v=8UrxqVYODho

O fim da parceria

Apesar do cancelamento, ainda havia interesse das duas empresas em manter a parceria. Afinal, após o lançamento do Nintendo 64, a Nintendo precisaria ainda mais de gente com experiência em jogos com gráficos poligonais. No entanto, a confiança (e talvez ingenuidade) da Argonaut pôs um fim nesta relação.

Jez San diz que “o fim veio quando propusemos um jogo de plataforma em 3D como nunca antes visto”12. Usando a engine de Star Fox 2, os programadores da Argonaut desenvolveram um protótipo de plataforma protagonizando o Yoshi. No entanto, isso não foi recebido bem pela Nintendo, que nunca havia deixado um estúdio externo desenvolver um jogo com seus personagens. O projeto foi negado e a parceria com a Argonaut foi terminada.

Segundo San, a Argonaut já estava se sentido limitada pelo acordo. “Eles pagavam nossos custos, mais royalties, […] mas eles não estavam nos pagando a grana séria que pagavam a outros parceiros.”13. A Nintendo impedia a Argonaut de crescer e de desenvolver jogos para outras plataformas durante o contrato.

Com o fim da exclusividade, o protótipo de jogo em 3D do Yoshi foi transformado em Croc: Legend of the Gobbos, que saiu em 1997 para PlayStation, Saturn e PC. Não é coincidência que seu protagonista é um réptil verde. No entanto, um ano antes desse lançamento, a equipe da Argonaut foi surpreendida por um novo anúncio: Super Mario 64. O conceito que havia sido negado pela Nintendo agora havia se transformado no principal jogo do seu novo console.

“Miyamoto-san me desculpou por não ter feito o jogo do Yoshi conosco e nos agradeceu pela ideia de jogo de plataforma em 3D”14. San lembra dessa época com uma dose de amargura. Afinal, a Nintendo usou a ideia de jogo de plataforma em 3D para Super Mario 64 e muitas das ideias e tecnologias de Star Fox 2 em Star Fox 64. Além disso, recrutou o talento de Goddard para continuar trabalhando na Nintendo no Japão.

San continuou com a Argonaut até sua falência em 2004. Após isso, fundou o site de pôquer PKR, participou da fundação do estúdio Ninja Theory e hoje trabalha com jogos de cassino usando a moeda virtual Ethereum. Em 2001, ele recebeu o título de Oficial do Império Britânico, sendo a primeira pessoa a recebê-lo pelas suas contribuições à indústria de jogos digitais15.

Cuthbert, fascinado por tecnologia, fundou a empresa Q-Games e produziu diversos jogos em parceria com a Sony e a Nintendo, inclusive a série PixelJunk nos consoles PlayStation, além de jogos para DSiWare e auxílio no remake Star Fox 64 3D para 3DS16. Goddard continuou trabalhando na Nintendo até 2001, quando fundou a Vitei; seus títulos mais recentes são Steel Diver e Tank Troopers para Nintendo 3DS17. Já Wombell seguiu um caminho mais técnico e hoje trabalha com tecnologias de renderização18.

O legado tecnológico daquele grupo de jovens nos anos 1990 é ainda mais interessante. Com o sucesso do Super FX, parte da Argonaut se dividiu como uma empresa dedicada a desenvolvimento de microprocessadores. O projeto do Super FX serviu como base para a arquitetura ARC (Argonaut RISC Core), que é customizável e de baixo custo. Hoje, ela está presente em uma quantidade enorme de sistemas embarcados e é a segunda arquitetura de microprocessador mais vendida no mundo19, atrás apenas da ARM.


A história de Star Fox 2 é turbulenta e um tanto trágica pelo seu fim abrupto. No entanto, as inovações desenvolvidas pela Argonaut em parceria com a Nintendo naquela época foram essenciais para a explosão de jogos com gráficos poligonais nos anos seguintes e até hoje sentimos os impactos daquele legado. O lançamento do jogo, 22 anos depois, não muda nada disso, mas pelo menos traz uma conclusão para aqueles que trabalharam nele, assim como para seus fãs.

Referências

Leia também

Comentários

Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.

O sorteio vai ser ao vivo via live???

Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)

Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.

Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png

cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...

Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público

Agora sim vou ter meu switch o/

Sim!

Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?

Reativei minha conta só pra promoção kkkk

Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte

Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!

Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.

sera que agora ganho o

Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.

Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?

Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!

Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)

Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?

? vou seguir o Renan aqui tbm