Relato: Chrono Cross o que é e não foi - Neo Fusion
Relato
Chrono Cross
o que é e não foi
13 de outubro de 2022

Embora o reencontro com uma obra experimentada anos atrás traga um momento de excitação e familiaridade, há um perigo na esquina; reexaminar um passado idealizado pode ser o caminho da destruição de alguma coisa que ali estava. Refutei, durante anos, a possibilidade de jogar Xenogears novamente. Além disso, não me passava pela cabeça, também, reassistir o filme “A Doce Vida”. Por muito tempo, não quis mexer em tais obras que me marcaram. Eu pouco sabia: o verdadeiro perigo é fazer das coisas santas em um altar.

Se nem a História merece esse lugar, muito menos as estórias e jogos. Encontrar-se novamente com um videogame, por exemplo, é uma atividade potencialmente mais vivificadora da obra do que mantê-la sobre um altar de nostalgia e idealização. Eu havia jogado Chrono Cross apenas na ocasião de seu lançamento em língua inglesa. Sempre o considerei como um dos meus jogos favoritos. Com a publicação da recente “Radical Dreamers Edition”, revisitei o JRPG. As dez primeiras horas deram um baita chute na imagem, até então, sagrada; Chrono Cross é chato pra cacete.

Mas ser chato e burocrático é apenas uma parte do jogo e, felizmente, é possível gostarmos de algo ou alguém cujos predicados negativos sejam múltiplos, em especial quando existem outros que nos fascinam. Chrono Cross é fascinante. Ao invés de trazer uma resposta direta sobre se quer ser uma sequência de Chrono Trigger ou não, ele acaba pintando cenários distintos. E o título é justamente sobre as possibilidades e caminhos; de um jogo, de seus personagens e de quem joga.

Chrono Cross e a burocracia das coisas

A primeira resposta que encontramos sobre ser sequência de Trigger é algo mais próximo de um “não”; aqui não há o ATB, não existe a percepção de ataque em áreas específicas, e mesmo os golpes em conjunto demoram a aparecer, são mais difíceis de descobrir e são executados em uma outra lógica. Cross nos dá, como base do ataque, a possibilidade de escolher entre três golpes; um fraco e mais fácil de acertar, um médio e um pouco mais difícil de dar certo, e um terceiro mais forte e ainda mais improvável de conectar.

Acertar os golpes gera dano, obviamente, mas também aumenta a probabilidade dos próximos encaixarem e, sobretudo, habilita o uso dos diferentes níveis de habilidades. O aumento da porcentagem dos golpes aparece como uma possibilidade de ritmo. Do ponto de vista do sistema é como se conectar golpes criasse uma cadência em quem ataca e uma disrupção em quem defende. A ideia seria interessante, não fosse uma decisão meio estranha do jogo.

A personagem Kid, de Chrono Cross, batalhando. Ilustrando o sistema de batalha.

Os inimigos podem se inserir no meio do combo. Por um lado gera incerteza na ordenação, mas por outro simplesmente torna tudo muito burocrático e em certa medida contra-intuitivo. Não ajuda, nem um pouco, o desempenho na ocasião do lançamento da versão; tudo muito travado e congelando, dificultando ainda mais a fluidez da proposta. Eu poderia forçar a barra e dizer que a ideia é colocar o inesperado da vida e da ação de outros dentro do nosso processo de escolhas, levando ao questionamento de como poderia ter sido diferentes tanto esse combo de golpes caso eu tivesse escolhido o ataque médio ao invés do forte, quanto a própria vida do jogador/espectador. Não o farei. No fim das contas, é uma parada meio irritante.

Existe muita burocracia também na preparação e na customização para as batalhas. Cada personagem possui espaços abertos para alocarmos itens e habilidades. E só é possível transferir de um para o outro de forma manual (em oposição a algo como Final Fantasy VIII, por exemplo, em que as magias e junções podem ser passadas com um único comando no menu ~ na maior parte do tempo~). Outro ponto razoavelmente desanimador são os cenários do ponto de vista do estágio. Antes de entrar na questão, vejamos um paisagem:

Personagens olhando de uma sacada em Termina

Esse lugar é lindo. A maioria das telas pré-renderizadas do jogo são absolutamente inebriantes, além de possuir uma direção de arte bastante condizente e coerente. Este lugar em si é em uma cidade, mas os lugares funcionando como dungeons são chatos de navegar, em sua grande maioria, mesmo com a ausência de batalhas aleatórias. Dessa forma, mesmo com o deleite visual, o texto interessante e a trilha sonora absurda, os primeiros punhados de horas me mostraram um JRPG chato, lento, burocrático e contra-intuitivo. Mas conforme continuava a campanha, uma outra percepção se tornava mais clara: Chrono Cross é bom pra cacete.

As escolhas não feitas

O começo da história de Serge traz um jovem entrando em contato com um mundo bastante similar, porém diferente. Como se o espaço fosse o mesmo palco, os atores os mesmos, mas a peça e os personagens fossem distintos; por vezes completamente, por outras de forma sútil. Serge conhece um mundo paralelo e parecido com o seu, mas com distinções; uma delas é justamente a sua morte há alguns anos atrás.

A intrusão de um elemento alienígena em uma realidade povoa o começo de Chrono Cross. Serge não deveria estar ali; é como se não houvesse um lugar para ele. Mas junto à esse incômodo começamos a ver os diferentes caminhos de outros personagens. Um pai de família religioso poderia ter sido um pescador caso tivesse tomado uma decisão diferente no passado. Um mesmo jovem reagiria ao seu progenitor de forma diferente mediante as escolhas de vida deste.

Um exército estaria atuando em pleno vapor, ou talvez já tivesse sido destruído. Pontos de histórias particulares em meio ao percurso geral de uma história maior dividem a vida em caminhos. Do lado de cá da tela, sabemos ser preciso lidar com as escolhas do passado, embora o pensamento e imaginação em relação às alternativas seja inevitável: “e se eu tivesse mudado para lá? e se ainda estivessemos juntos? e se eu trabalhasse com outra coisa?”. Essa reflexão permeia parte substancial de Chrono Cross, e é onde o jogo é mais interessante tematicamente.

Pescador pensando em sua possível vida alternativa.

Chrono Trigger possui um dos grupos mais celebrados e reconhecidos da história dos JRPGs. Sete personagens amplamente aceitos como carismáticos e queridos. Desenvolver uma continuação, mediante limitações e restrições, envolve escolhas e decisões. No caso dos personagens da companhia teríamos algo do tipo: a) continuar com alguns mesmos personagens, b) criar um novo grupo pequeno de heróis, c) mesclar novos e antigos, d) ter um único personagem ou um grupo menor, ou e) trazer um batalhão de novos personagens jogáveis.

A escolha pela opção “e” parece, à primeira vista, algo bastante esdrúxulo. Trocar sete heróis carismáticos por quarenta e cinco personagens, sendo a maioria com pouco tempo de tela, é uma opção aparentemente questionável. Mas Chrono Cross é o espaço perfeito para ela; estamos falando sobre os diferentes caminhos da vida e como optar por algo é também optar por não realizar outras coisas.

Quer jogar com um cozinheiro? Um roqueiro? Uma dançarina? Um pirata? Um alienígena? Um nabo espadachim? Um fungo? Jogue aí! A lista continua, e o título vai nos dando a chance de caminhar e batalhar por essa história com diferentes figuras, vendo seus possíveis comentários e checando suas habilidades próprias.

Starky dá um dura lição de vida no jogador.

Ter de escolher apenas três guerreiros para o grupo de batalhas também é um exercício de optar. De se comprometer com alguma decisão e ver no que vai dar, talvez se arrepender. Passar um tempo com algum destes personagens é não passar tempo com tantos outros. A alocação de magias também vai por esse caminho, embora as escolhas aqui sejam mais abrangentes e menos restritivas.

De qualquer forma, é um sistema de customização de habilidades em que escolhas precisam ser feitas e prioridades delineadas. Veja, tanto personagens quanto inimigos possuem elementos atrelados, e muitas vezes a utilização dos elementos opostos é central nas estratégias, assim como definir uma estratégia mais ofensiva ou defensiva (de cura). Entretanto, a coisa é mais empolgante na teoria do que na prática, embora existam formas de mudar afinidades, definir o elemento do campo de batalha, etc. Ainda assim, há um pagamento muito interessante ao final de tudo.

Quem sabe um dia?

O título de 1999 não é a sequência esperada. De cara, ele parece justamente o oposto. Chrono Trigger é rápido, fluido, leve, gostoso de navegar e econômico na utilização de menus. Chrono Cross, não. Trigger possui poucos personagens jogáveis, Cross apresenta um verdadeiro bloco de carnaval. Sobre sua relação com seu antecessor, um dos maiores títulos de seu gênero, Chrono Cross traz possíveis respostas ao longo da campanha.

Não é uma sequência. Depois decide que pode ser sim uma continuação espiritual. Aí chega uma hora em que a sequência é mais concreta porém ainda sutil. Enfim, torna-se uma continuação de fato, dialogando diretamente com os eventos do jogo de 1995.

Kid, de Chrono Cross, olha o mar.

Ao fim, é como se Chrono Cross, em meio a um copo de cerveja e outro de conhaque, talvez debaixo de uma lua o comovendo feito o diabo, ao som de Cassiano, “A Lua e Eu”, respondesse alguma coisa poética entre a verdade e a mentira: “sei lá bicho, posso ser uma sequência, posso não ser. Provavelmente não sou a que você quer ou imaginou. Existem vários caminhos, alguns estão aqui, outros não. Essa pergunta importa?”

A pergunta importa, a resposta talvez não muito. Cross é uma sequência de Trigger, é exatamente de onde vem, mas o que fazer a partir daí? Realizar escolhas e percorrer caminhos, lidar com uma decisão, pensar sobre o que poderia ter sido. Isso tudo é também um processo comum quando refletimos sobre nossa trajetória. Talvez algo tenha ficado pra trás, talvez até de forma inalcançável. Mas vai saber, é possível um futuro no qual encontramos aquilo de novo. Ou quem sabe algo diferente. Ou várias respostas para diferentes perguntas. E tantas outras respostas e não repostas para coisas que não foram perguntadas.

Chrono Cross é bonito pra cacete.

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Comentários

Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.

O sorteio vai ser ao vivo via live???

Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)

Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.

Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png

cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...

Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público

Agora sim vou ter meu switch o/

Sim!

Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?

Reativei minha conta só pra promoção kkkk

Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte

Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!

Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.

sera que agora ganho o

Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.

Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?

Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!

Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)

Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?

? vou seguir o Renan aqui tbm