A minha jornada com a depressão sempre contou com videogames como algo que me ajudaram a desligar a cabeça nos momentos mais complicados – então pensar que essa mídia poderia retratar essa condição de maneira empática, mas ao mesmo tempo de forma um tanto dolorida, realmente me surpreendeu – e isso envolve tanto Milk Inside a Bag of Milk Inside a Bag of Milk e Milk Outside a Bag of Milk Outside a Bag of Milk, dois jogos que recentemente saíram para o Nintendo Switch em um pacote único.

Uma jornada introspectiva pela duologia Milk

Ambos os jogos, que a partir deste ponto irei chamar de duologia Milk, contam com uma protagonista no mesmo dia – no primeiro título, em uma jornada para comprar uma caixa de leite, e no segundo, após a epopeia para obter o item, tentando ficar pronta para deitar e dormir. As duas jornadas, embora tenham jogabilidades diferentes (Inside é uma visual novel e Outside é um point e click), no fim, pintam uma introspectiva visão sobre como é lidar com questões mentais.

Veja, durante Inside, por exemplo, até chegar no mercadinho e decidir se vai comprar o leite ou não, toda a jornada da protagonista é lidar com pensamentos intrusivos, que são escolhidos pelo jogador e vão contando os desafios e dificuldades da personagem – utilizando um áudio e visual mais abstrato, a situação vai ficando desconfortável, e dependendo da escolha é possível que o jogo tenha um fim abrupto, com os problemas ganhando da racionalidade.

Já em Outside, a protagonista já está em seu quarto, mas explorando itens que estão nele ela vai pouco a pouco relembrando momentos de sua vida – só que nunca a primeira lembrança é correta, com repetidos cliques a uma mochila, por exemplo, mostrando novos momentos da situação e revelando mais detalhes.

Tudo isso é extremamente real para uma pessoa depressiva, e no meu caso criou um cenário um tanto contemplativo sobre minha experiência. Nos últimos meses, venho passado por mudanças na vida pessoal e trabalhando muito para lutar contra os desequilíbrios químicos, e assistir e experimentar uma jornada tão parecida como um fator externo foi algo interessante.

É claro que gatilhos existem no título – os pensamentos intrusivos experimentados pela protagonista em ambos os jogos são extremamente comuns para quadros mentais, mas nem por isso eu falo que o jogo pode ser um perigo. Pelo contrário, a forma que ele nos coloca como um observador externo, na verdade, ajuda para montar uma certa racionalidade e uma visão mais sincera sobre a condição.

Os gráficos abstratos e um tanto quanto feios também ajudam a passar a sensação de alguém que está passando pro um desequilíbrio mental, e vai gerando um desconforto que, acredito, pode fazer com quem não sofra com as questões entenda um pouco a situação. Ao mesmo tempo, expectativas de uma possível melhora da protagonista aparecem constantemente durante a jogabilidade, para uma simples “escolha” errada do jogador parecer levá-la ao fundo do mal-estar mental mais uma vez. 

Com tudo isso, a duologia Milk não são jogos fáceis de serem jogados, mas ao mesmo tempo são importantes. Eu acredito que falar sobre saúde mental não é um processo composto somente por frases de efeito ou autoafirmação – as pessoas afetadas também tem que aprender a encarar seus lados ruins e ver o que está acontecendo.

A duologia Milk faz justamente isso. Colocando o jogador como o observador interno com poder de escolha, mostra bem como o trilho de pensamento pode se perder facilmente – e com essa nova visão, mesmo que dolorida, pode ajudar muitos a começarem um processo de melhora mental – mas claro, se você não estiver muito bem mentalmente, talvez ainda seja melhor aguardar uma pequena recuperação para experimentar, já que as situações mostradas aqui podem ser um pouco mais reais que o esperado.

De qualquer forma, essa jornada é uma forte recomendação minha. Tendo oportunidade, jogue-a.