Matéria: A trajetória das histórias empáticas em videogames - Neo Fusion
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A trajetória das histórias empáticas em videogames
7 de dezembro de 2020

O ser humano é um saco de carne enorme que sabe andar sobre duas pernas e falar. Embora nossa concepção geral hoje em dia seja que nós, como espécie, somos por padrão empáticos, muitas situações em nossos dia-a-dia mostram que essa tal empatia vem de vivências, não sendo algo inerente ao gênero humano. Muitos simplesmente desprezam coisas básicas ao bom convívio humano. 

Lá no começo do século XX, emoções e sentimentos começaram a ser avaliados por alguns estudiosos do campo de psicologia, com destaque para uma pegada mais naturalista — em filosofia é a ideia que as leis naturais são os regentes principais de qualquer situação e detalhe do ser humano. Lev Vygotsky, um dos principais estudiosos citados em campos de psicologia para as emoções, era um adepto grande dessa tendência naturalista antes de começar a escrever sua Teoria das Emoções, deixada inacabada por conta de sua morte, mas com muitos detalhes usados em teorias gerais.

Na Teoria das Emoções, as coisas já se diferem, com as mudanças na percepção e inteligência emocional da pessoa sendo feitas por eventos que alteram suas percepções. É nessa teoria, e se adaptando a várias outras filosofias como “o homem ser produto do meio” (Rousseau), que uma grande parcela da população se baseia para falar de suas emoções.

Entretanto, certas situações acabam sendo tão comuns para tanta gente que é fácil criar momentos empáticos a partir delas. É com base nisso que nasceu o storytelling “humano”, digamos, presente desde o Famicom e se expandindo, sendo talvez um dos principais motores para a bajulação de jogos quanto a grande mídia. 

Recentemente, tive a oportunidade de jogar três jogos em sequência que foram despertando meus sentimentos mais HUMANOS e reações inesperadas: Marvel’s Spider-Man, Marvel’s Spider-Man: Miles Morales e Yakuza: Like a Dragon. Nos três jogos, quando eu cheguei nos créditos, eu estava com os olhos inchados e gritando algo como “A HUMANIDADE É LINDA” (sabemos que não é), desenvolvendo um desejo meu de fazer uma pesquisa mais extensa sobre esse método de contar história, principalmente nos videogames. O problema é que para fazer um real “estudo” desse patamar, eu teria que jogar todos os videogames que existem, e isso simplesmente não rola. Decidi optar por fazer algo mais simples: explorar primeiro uns leves toques empáticos na história do cinema para depois ir para os videogames e falar de alguns deles. 

Empatia e humanidade na sétima arte

Desde os primórdios de filmes e afins, as pessoas vão ao cinema para se distrair, mas certos diretores colocam questionamentos visuais que acabam despertando sentimentos empáticos em seus espectadores. Por meio de expressionismo, ficção científica e toda a discussão sobre as diferenças e divisões entre as várias classes sociais, filmes como Metrópolis (1927), se tornaram exemplos enormes de películas que tocam e fazem pensar em nossos papéis quanto à sociedade.

Metrópolis, inclusive, sintetiza muito bem isso em seu último letreiro, ao final do filme, onde a frase “O mediador entre a mão e a cabeça deve ser o coração”, mostra claramente que, independente da luta de classe presente na ficção de androides ou das imagens expressionistas naquelas horas de filme, o que importava ainda era a empatia. É um filme que acumula 93 anos desde seu primeiro lançamento. Suas limitações em como contar toda essa história são visíveis para os espectadores modernos, mas ainda consegue ressoar bastante, e talvez seja um dos principais alicerces para a evolução do cinema durante os anos seguintes de sua estreia. Talvez, sem ele, não teríamos Tempos Modernos de Charles Chaplin.

Tempos modernos (1936) retira a ficção científica, mas mantém os conflitos e classe, em especial mostrando o personagem de Chaplin tentando se adaptar e sobreviver em um mundo extremamente industrializado e com condições péssimas de trabalho — tudo sobre o pano de fundo da Grande Depressão americana, uma situação que muitos viviam e talvez não vissem expressadas de forma tão ressonante quanto naquele filme. Com as limitações do cinema mudo, Chaplin trouxe uma história triste travestida de comédia para muitos, e já na época críticos notaram como ele usava a “tragédia humana” como um de seus principais fios condutores. 

Pulando décadas, já no cinema moderno, filmes como Blade Runner (1982) voltam a usar a ficção científica como a condução principal para usar metáforas para o comportamento humano, com toda a questão dos replicantes podendo ser interpretada como o medo das pessoas de estarem adequadas na sociedade como um todo.

No fim do filme, há o famoso monólogo das lágrimas na chuva, por muitos interpretado como uma grande analogia às pessoas que, por não se encaixarem ou não acharem um lugar, perdem suas experiências para o tempo, sem chances de as recuperar, virando estatísticas ou absolutos nadas na grande progressão da humanidade — batendo muito no medo das pessoas de irem embora sem marcas, sem deixar saudades.

Um leve adendo: Blade Runner teve uma sequência em 2017 chamada Blade Runner 2049. O discurso entre a validade do filme e suas questões é algo interessante, mas que particularmente só citarei aqui para evidenciar um pequeno detalhe da produção cinematográfica atual: o quanto Hollywood produz filmes em si principalmente como produtos de massa e o quanto para muitos críticos isso se tornou algo negativo. Há obviamente seus pontos negativos nisso, mas o culpado é muito mais o sistema econômico do que a produção em si.

Muitos outros filmes criaram situações assim com o passar do tempo, mas usaremos esses três como os exemplos maiores, até mesmo por preferência minha. Blade Runner (1982) seria um dos maiores exemplos e influências para uma certa mídia que estava dando seus primeiros passos por volta daquele ano, e é nesse gancho que podemos falar do entretenimento ludo eletrônico.

Videogames: da produção pura para a necessidade de emocionar

Inicialmente, os jogos talvez não se encaixavam bem em suas obras empáticas. Vendido como algo para crianças, muitos desenvolvedores não viam os videogames como uma real plataforma para contar histórias. No Japão, os RPGs começaram a trazer narrativas mais complexas ao poucos, mas talvez os primeiros casos expressivos em que discussões humanas começaram a ser trazidos chegariam na quase transição dos anos 80 para os 90, com Snatcher (Hideo Kojima), um jogo obviamente inspirado por Blade Runner e com suas histórias trazendo questões que ressoavam com o jogador. 

Em 1991 foi lançado Final Fantasy IV, que narrava a história de Cecil e sua caminhada rumo a redenção e, com um bando de personagens carismáticos, começou a mostrar questões como um caminho desses não é simples, sendo jornadas muitas vezes de sacrifícios e lutas.

Esses jogos fazem uso de hardwares limitados, e mesmo assim tocavam e ressoavam tanto visualmente quanto narrativamente, começando pouco a pouco a criar a tendência da indústria de que histórias eram sim importantes, perdendo o estigma de ser algo de criança.

Em 1994, no Japão, talvez um passo muito importante nesse sentido tenha sido dado quando Super Fire Pro Wrestling Special foi lançado. Dirigido por Suda 51, o jogo contava a jornada de um lutador profissional e os sacrifícios para chegar á glória, ao topo do mundo, mas sem nada além do título e se suicidar. O tom depressivo de uma conquista tão grande seria algo que impactaria demais os jogadores japoneses na época, e aos poucos vários diretores e roteiristas começaram a apelar para jogos um tanto mais opressores em suas ambientações, não mostrando mais somente o lado positivo de coisas que ressoam conosco.

Também em 1994, Shigesato Itoi lançou para Super Famicom o clássico Mother 2 — ou Earthbound, como ficou conhecido no ocidente. Costurando momentos depressivos e extremamente felizes, o jogo fez uso perfeito da cultura dos anos 90 para contar uma história de aventura e empatia baseada na jornada de uma criança em busca de propósito. Usando símbolos como o salvamento do jogo ser uma ligação para sua família, luta contra seitas obviamente inspiradas em movimentos racistas na vida real e, acima de tudo, a inocência de 4 crianças num mundo um tanto nojento, o jogo acaba indo para um lado completamente oposto ao de Super Fire Pro Wrestling Special, começando a mostrar o quão profunda pode ser a exploração de sentimentos e vivências em uma mídia como os videogames.

Com a chegada do PS1 e os grandes jogos 3D, a linguagem dos videogames, porém, começou a mudar.  Embora jogos como Final Fantasy VII fizessem uso das CGs, também faziam uso de cortes executados na própria engine para mostrar a história. Conforme as gerações foram avançando, tornou-se mais claro que as narrativas mais populares entre o público iam se apresentando como produções próximas de cinema, o que muitos acham que é um grande mérito e outros acham que trai aquilo o que torna a mídia única. 

Ao mesmo tempo, as mensagens vão mudando, mostrando cada vez mais mundos mais cinzentos e opressores onde as respostas são vingativas ou mostram o pior do ser humano, em uma escolha de tentar mostrar para o jogador o quanto aquilo é errado. A crítica mais comum a The Last of Us Part II é que ele levanta a bola de que violência nem sempre é o caminho, mas não dá outra opção ao jogador. 

A interatividade dos jogos sempre foi um dos recursos mais interessantes da mídia, mas com o passar do tempo e com essas mensagens empáticas se tornando questionamentos sobre atos humanos, é comum que mais e mais discussões apareçam. A grande questão é que, por mais que realmente exista essa interatividade, nós sempre seremos guiados pelo que os desenvolvedores fizeram. Interpretações variadas irão existir, mas a forma na qual jogamos e o que vimos da história não é alterada por nossos comandos.

Assim como no cinema, por mais que nós tenhamos um certo grau de controle em videogames, ainda somos espectadores da ideia de uma equipe que chegou para nós em um disco. Pode ressoar conosco ou não, e tudo depende de nossas vivências. Voltando ao começo do texto, é exatamente disso que a Teoria das Emoções fala: sobre vivências que alteram nossas percepções e fazem as pessoas se emocionarem de formas diferentes. No fim, por mais que nós não possamos ter controle, o que acontece é que as experiências vão se juntando ao nosso arcabouço emocional, se tornando parte de nós e influenciando em futuras experiências. 

E respeitar o que cada um acha e sente, no fim, é a grande “pegada” da crítica. Claro que alguns ficarão irritados com análises rasas ou que os sentimentos pareçam tão…pequenos comparados ao que a pessoa que está lendo sentiu, mas talvez essa seja a experiência da pessoa. E, ao meu ver, experiências são as únicas coisas incontestáveis nesse mundo bizarro que vivemos.

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Comentários

Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.

O sorteio vai ser ao vivo via live???

Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)

Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.

Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png

cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...

Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público

Agora sim vou ter meu switch o/

Sim!

Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?

Reativei minha conta só pra promoção kkkk

Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte

Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!

Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.

sera que agora ganho o

Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.

Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?

Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!

Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)

Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?

? vou seguir o Renan aqui tbm