Quando falamos de obras perdidas com o passar das décadas ou de lendas urbanas, o mundo dos games certamente não passa despercebido. Com histórias que vão desde cartuchos do jogo ET sendo enterrados no deserto devido ao fracasso e à ruindade do game, creepypastas de Pokémon e Zelda assombrando criancinhas na era da internet, até jogos que jamais existiram mas deram origem a histórias elaboradas e aterrorizantes como Polybius (este rendeu inclusive um excelente episódio do Angry Video Game Nerd), o assunto realmente pode atrair os mais diversos olhares. Foi o que aconteceu com Jeff Minter.
Minter é um desenvolvedor britânico de renome com mais de 40 anos de carreira e uma profunda relação com a Atari. Seus jogos têm uma reputação de serem coloridos, desafiadores e psicodélicos – a psicodelia, aliás, é uma das paixões do cara, ao lado de… caprinos (ele possui várias cabras, ovelhas e até uma lhama em sua fazenda).
Entre seus jogos podemos destacar Grindrunner, Attack of the Mutant Camels, diversas versões de Tempest e, vejam só, uma versão real de Polybius – com a particularidade de não ser o jogo da lenda urbana, mas sim um trabalho inspirado por ela e com o mesmo nome. Com um currículo desses e um enorme interesse pelo inusitado, não seria nenhuma surpresa ver que Minter e seu estúdio, o Llamasoft, firmaram uma parceria com a Atari para trazer aos dias de hoje e em versão completa e modernizada nada mais nada menos que Akka Arrh.
Para quem não sabe, Akka Arrh era originalmente um protótipo de jogo de fliperama feito por Mike Hally e Dave Ralston para a Atari. O jogo apareceu pela primeira vez numa sessão de testes em 1982, mas foi muito mal recebido pelos jogadores, alegando que o título era extremamente difícil e fazendo com que a Atari desse sinal vermelho ao projeto e focasse em outros jogos. Sendo assim, é de conhecimento dos aficionados pela empresa que apenas 3 máquinas de fliperama de Akka Arrh foram produzidas e o jogo basicamente se perdeu por mais de 30 anos.
Akka Arrh, que é uma brincadeira com as palavras Also Known As Another Ralston Hally production, tem uma premissa de que, por milhares de anos, uma galáxia vivia na mais pura paz devido à ação da “Federação Atariana”. No entanto, tal paz chega ao fim quando o maléfico Jorzon e suas forças a atacam, gerando puro caos e desespero. É aí que entra em ação uma torreta chamada “Sentinela”, utilizando um canhão de uma estrela anciã, a Akka Arrh, encarando a missão de impedir as forças de Jorzon e restaurar a paz.
No game original, os jogadores controlam a Sentinela, fixa no centro da tela e rodeada por um campo octagonal que lembra uma flor. O jogo utilizava um controle de trackball (pense naquelas bolinhas de mouses dos anos 90, só que enorme) para mirar e atirar nos inimigos que rodeiam o campo, num estilo similar a Missile Command (do Atari 2600). É possível aproximar e distanciar o zoom da tela para visualizar tanto inimigos que estão distantes quanto mais próximos da Sentinela e acabar com eles.
Como essa versão do jogo foi mostrada apenas a um número pequeno de jogadores em 82 e somente 3 máquinas viram a luz do dia, elas se tornaram extremamente raras e valiosas, fazendo quem as possuía não disponibilizar a ROM do jogo na internet. Ou pelo menos era isso até o começo de 2019, quando um usuário do fórum MAMEWorld conhecido como Smitdogg – CEO de um grupo de preservação de jogos de fliperama chamado The Dumping Union – fez o upload de quatro imagens de Akka Arrh no fórum, alegando que o grupo havia recebido a ROM por uma fonte anônima. Finalmente, em abril daquele mesmo ano, foi possível emular aquela versão primitiva do jogo.
Cortando para novembro de 2022, a própria Atari finalmente resolve pôr um ponto final no caso que envolvia Akka Arrh e o disponibiliza oficialmente como parte de sua coleção Atari 50: The Anniversary Celebration, disponível para os consoles modernos e para PC. E é toda essa história que encorajou Jeff Minter a escolher Akka Arrh entre as diversas propriedades da Atari para modernizá-lo e dar uma segunda chance sob o sol.
O Akka Arrh de Jeff Minter é, em concepção, muito fiel ao protótipo de 1982. Nós continuamos controlando uma torreta fixa ao centro da tela – e vale lembrar que a torreta em forma de cabeça de boi -, mas o campo que nos rodeia não é mais necessariamente um octágono que lembra uma flor, mas sim um sem-número de formas geométricas diversas, variando por todas as 50 fases do jogo.
A principal maneira de derrotar os inimigos é utilizando bombas que, por sua vez, desencadeiam ondas de choque que servem para combar e destruir inimigos em sequência. Dessa forma, o jogador não só aumenta um multiplicador de pontos como também consegue munição para a outra forma de ataque: projéteis – que, ao contrário das bombas, são finitos. Esse esquema de bomba-cadeia-de-danos dá uma camada estratégica às arenas de Akka Arrh, uma vez que é possível aprender o padrão de movimento, ataque e comportamento dos inimigos, dando abertura para que uma simples bomba bem colocada não só dê um efeito dominó que elimine todos os inimigos como também faça o jogador pontuar alto. É bem fliperama mesmo.
Uma questão, no entanto, é que chegar nesse nível de maestria de derrotar todos os inimigos com poucos movimentos exige uma grande dedicação ao jogo. É muito mais comum simplesmente acabar jogando várias bombas, às vezes até aleatoriamente,(o que reseta o contador bônus) e alternando com os projéteis num esquema que flerta entre shoot ‘em up, tower defense e quebra-cabeças.
Os inimigos de Akka Arrh têm como objetivo sequestrar ou destruir as cápsulas de energia que alimentam a torreta do jogador. Eles podem descer a escada que leva à fonte da energia da torreta e as levar embora caso o jogador não preste atenção. É sempre importante ficar de olho não só na área externa do campo de batalha como na parte de baixo para interceptar as naves inimigas.
O grande problema deste novo Akka Arrh, ao menos para mim, é que ele tenta ser… psicodélico demais. O jogo leva bem a sério a ideia de ser uma cacofonia de cores, sons, luzes e efeitos, sendo praticamente um assalto a todos os sentidos. Deve ser assim que o pessoal de Woodstock se sentia ao viajar no ácido. Pode ter sido muito divertido na ocasião, mas eu não tenho tanta certeza de que o seja quando traduzido para videogame.
Os desenvolvedores da Llamasoft sabem que tal exagero nas cores e luzes piscantes não só são um convite à viagem astral como também um potencial perigo para quem sofre de epilepsia, o que fez com que colocassem um modo onde os efeitos de luz são mais “leves”, sem deixar de respeitar a identidade visual do jogo. Foi assim que eu joguei e, apesar de não ter me sentido desconfortável, não diria que foi a coisa mais divertida do mundo – mas pelo menos funciona.
Em termos de acessibilidade, o jogo também adiciona configurações diversas de controle (pode-se usar o touchpad, utilizar apenas um botão para bomba/projétil, botões separados para ambos e os mesmos invertidos), além de dois modos de dificuldade (normal e difícil) e um sistema de retomar o progresso na última fase em que morremos.
A mistura de psicodelia, música viajante, estratégia, quebra-cabeça, shoot ‘em up e tower defense de Akka Arrh é certamente interessante do ponto de vista conceitual. Em termos de jogabilidade e divertimento real, acho que varia muito de jogador para jogador. Eu, em particular, achei a história por trás do projeto todo muito mais fascinante do que o jogo em si – que por vezes pode ser mais frustrante e confuso do que realmente engajante até você pegar o jeito – o que não tira mérito algum do projeto. Jogos assim têm mesmo de existir e ser recuperados na história.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm