Os jogos da Remedy sempre tiveram uma abordagem distinta à narrativa nos videogames. Ao longo dos seus últimos títulos, é possível traçar elementos experimentais em história e e apresentação que foram construídos, descartados e iterados. Agora, Alan Wake II reúne tudo que foi aprendido pela equipe de Sam Lake ao longo de quase 20 anos.
Parte survival horror, parte jogo de detetive, a continuação nos coloca no controle de dois protagonistas: o próprio escritor Alan Wake, que está desaparecido desde os eventos do primeiro jogo, em 2010; e Saga Anderson, detetive do FBI encarregada de investigar um macabro homicídio no estado de Washington.
A ideia central que guia Alan Wake II é a interseção entre mídias: o jogo aborda conceitos do cinema, da música e da literatura, além de discutir sua própria existência como videogame. Expressividade artística é algo recorrente ao longo da trama.
O próprio Alan é um autor em conflito com a própria mediocridade mas, graças à “presença escura”, suas histórias têm um efeito concreto sobre a realidade. Assim, Alan deixa de ver sua obra como apenas uma profissão, mas como um dever que pode salvar ou destruir o mundo. Ao mesmo tempo, ele está confuso sobre sua própria situação, com grandes lacunas na sua memória e constantemente se encontrando em situações sem saber o por quê.
Alan Wake II é sobre duas obras de Alan, Initiation e Return, que servem como segunda e terceira partes de uma trilogia. A primeira parte, Departure, se entrelaça com os eventos do primeiro jogo. De forma similar, Alan não se lembra de ter escrito as páginas desses livros, mas os eventos narrados neles são justamente aqueles em que Alan e Saga se encontram.
Os três títulos correspondem diretamente com momentos-chave da Jornada do Herói, uma estrutura narrativa comum em tantos mitos e histórias. O fato de Alan se encontrar não só escrevendo uma jornada do herói mas também vivendo tantos de seus clichês é outro sinal de seus pontos falhos como escritor.
As camadas do jogo vão além disso. O personagem Alan é uma clara caricatura do autor Stephen King, porém no estado de Washington ao invés do Maine — um King da costa Oeste, digamos. O momento mais controverso da carreira de King, sua autoinserção na saga Torre Negra, é refletida aqui pelo diretor/escritor/criador Sam Lake.
Sam serve como modelo facial para Alex Casey, o colega de Saga no FBI. Mas Alex Casey também é um personagem de livros anteriores do Alan, e em alguma realidade há filmes baseados nesses livros onde o protagonista é interpretado por um ator chamado… Sam Lake.
Eu não havia reparado, baseado em suas obras anteriores, que Sam Lake é finlandês. Agora é inescapável de perceber. Alan Wake II conversa tanto com a cultura finlandesa e nórdica como um todo: a cidade de Bright Falls é uma colônia de descendentes finlandeses nos EUA, e tal quanto grande parte dos personagens são esses tais descendentes. Sempre gosto de ver culturas diferentes representadas nos jogos.
Também é notável a presença do FBC, ou Federal Bureau of Control, que dá as caras vindo diretamente de Control, o título de 2019 da Remedy. Já era sabido que os jogos do estúdio co-habitam um universo compartilhado, mas esta foi a primeira vez que isso teve um papel importante no enredo principal.
O jogo é repleto de detalhes assim, e vale a pena se atentar com nomes de personagens e lugares para ver o que eles podem dizer sobre a história como um todo. Em alguns casos é bem óbvio, em outros o momento “ah-ha” é bem satisfatório.
Quando a Remedy lançou Quantum Break em 2016, houve uma grande aposta em cutscenes live-action que marcavam o início e final de cada capítulo. Aquelas cutscenes funcionavam praticamente como uma minissérie, formatada em episódios de ~20 minutos com cenas que podiam mudar de acordo com opções feitas pelo jogador.
Era um conceito diferente, claramente um tipo de experimento. A ideia não foi muito bem-recebida, mas não foi esquecida pela Remedy. Alan Wake II traz novamente diversas cenas em live-action, porém desta vez elas são muito mais integradas com o jogo. Há determinados significados do tipo de cinematografia em cada cutscene, além das escolhas de atores e dubladores em cada uma.
Mais legal é quando as cenas live-action são inseridas dentro do jogo. Isso acontecia de certa forma no primeiro Alan Wake, com TVs transmitindo episódios da série fictícias Night Springs, mas desta vez atores reais se encaixam dentro do mundo virtual de diversas formas diferentes. Quase sempre funciona muito bem e é especialmente eficaz quando o jogo consegue passar a ilusão de que aquele ator está realmente interagindo com o jogador (através sempre, claro, do Alan ou da Saga).
Dito isso, há ainda uma certa estranheza, especialmente quando há uma discrepância entre o ator em tela e aquele que dubla o personagem, o que acontece justamente com o próprio Alan Wake.
Música também faz parte do escopo artístico de Alan Wake II, com a banda fictícea The Old Gods of Asgard compondo faixas memoráveis para a trilha sonora além de alguns artistas “verdadeiros” fornecendo canções que tocam nos intervalos entre capítulos.
Mesmo que o aspecto musical seja, na minha opinião, bem-sucedido, há ainda em comum um certo debate sobre a mediocridade. Os integrantes da banda, Tor e Odin, são “has-beens“, roqueiros de uma era passada que tentam se prender a um legado já esquecido. Pelo menos, esquecido em qualquer lugar fora do alcance daquela história bizarra.
Talvez a interpretação que me convence é que Alan Wake II é uma obra artística sobre obras artísticas medíocres. Com isso o jogo tem uma tarefa árdua: fugir da mediocridade contida.
O fato de eu ter passado tanto tempo discutindo aspectos narrativos e metalinguísticos de Alan Wake II diz muito sobre o tipo de obra que é. Sim, é um videogame, e é importante ser, mas o foco é fortemente narrativo. Isso é claramente demonstrado por uma das mecânicas centrais do título: o palácio mental, para onde Saga e Alan são transportados com um rápido clique.
Para Saga, esse lugar em sua cabeça serve como centro de operações do caso, onde todas as pistas e informações descobertas até ali são coletadas. Fica a nosso cargo traçar os pontos entre as pistas em um mural. No começo eu achei que essa seria uma mecânica mais envolvida, e que haveriam verdadeiros puzzles ali, mas na realidade é outro instrumento narrativo. Para mim, foi bastante eficaz para me manter engajado apesar das maluquices das narrativas. Eu geralmente tenho bastante dificuldade de acompanhar histórias de jogos, mas esse auxílio visual e quase tátil resolveu o problema. É um pouco chato quando já entendemos a solução de um puzzle ou desvendamos um mistério, mas isso só se torna válido quando a própria Saga tem acesso a essa revelação.
Já com Alan, o palácio mental é a sala onde ele se trancou para escrever em 2010. Ao invés de desvendar algum mistério, Alan tenta escrever seu próprio mistério, sendo capaz de mudar pontos de enredo dinamicamente e afetar o cenário ao seu redor. Ele também pode modificar o ambiente ligando e desligando luzes. Isso gera uma inversão curiosa: apesar das primeiras impressões, a aventura de Saga é mais próxima de um terror, enquanto Alan é quem interage com mais puzzles.
A base do combate é parecida com aquela de 2010, usando sempre uma combinação de lanterna com arma para derrotar inimigos sombrios. É bastante simples, mesmo com uma certa variedade de inimigos e equipamentos ao longo da aventura, mas é divertido e não chega a cansar. Saber quando usar itens auxiliares é a parte mais interessante da estratégia.
Fora isso, há muita exploração. Com Saga, exploramos Bright Falls e suas redondezas, que escondem diversos objetos que incorporam à lore do lugar e fornecem equipamentos. Com Alan, conhecemos uma versão bizarra de Nova Iorque projetada pela presença escura, e ali encontramos “palavras do poder” que melhoram alguma habilidade.
Sinceramente achei bem agradável explorar os cantinhos do mundo para encontrar esses bônus, especialmente porque as coisas em si parecem valer a pena. Mas, especialmente na hora de fazer um pente fino, fica meio demorado demais. Com ambos os personagens, o mapa existe só dentro do palácio mental, então é meio chato ter que entrar e sair dele. Graças ao poder do SSD™, a transição é instantânea, mas ainda assim interrompe bastante o fluxo. E para piorar, a movimentação dos personagens é meio lenta e fast travel não existe.
Visualmente, Alan Wake II me lembra de Star Wars Jedi: Survivor, no sentido de ter visuais extremamente impressionantes meio escondidos pela qualidade de imagem, ao menos nos consoles. Mas, ao contrário do título da Respawn, Alan Wake II consegue atingir seus alvos de 30fps e 60fps. Em alguns momentos, é o jogo mais bonito que já vi; em outros, alguma falta de detalhe quebra essa sensação.
Infelizmente, encontrei alguns bugs que atrapalharam a progressão do jogo. O maior deles foi uma expansão para a bolsa da Saga que não apareceu quando deveria, me fazendo jogar o resto da história com menos espaço. Em outras ocasiões, alguma pista ou conversa que deveria aparecer não veio… Não chegou a impedir a progressão, mas percebi que faltaram coisas para adicionar ao mural mental.
Por fim, é interessante ressaltar o quanto eu gostei de Alan Wake II apesar de seus defeitos. É difícil, em alguns casos, delimitar exatamente onde algum aspecto é um defeito do jogo, ou um comentário do jogo sobre aquele tipo de defeito. É uma obra imperfeita sobre obras imperfeitas, e talvez é assim mesmo que deveria ser.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm