Houve um tempo no qual se pensava que a Square Enix — grande responsável pelas franquias Final Fantasy e Dragon Quest — tivera abandonado o estilo de JRPGs clássicos que a tornou famosa nos idos dos anos 90 em favor de um tipo de jogabilidade mais voltado para ação e fugindo do tradicional sistema de batalha dividido em turnos e do chamado ATB (Active Time Battle).
No entanto, em 2012 esse cenário começou a mudar um pouco com o lançamento do ótimo Bravely Default, para 3DS. Trata-se de um título que captura muito da essência dos jogos de outrora e apela para a nostalgia daqueles que cresceram com os clássicos da empresa, ao mesmo tempo que traz uma boa dose de criatividade na forma de encarar o sistema de batalha — com os comandos “brave” e “default”.
De lá para cá, a Square vem tentando equilibrar sua oferta de jogos ziguezagueando entre estilos mais modernizados e experimentais — curiosamente, na própria franquia Final Fantasy; basta olhar como Final Fantasy XV e Final Fantasy VII Remake funcionam — e títulos que envolvem aquela essência já citada. Entre esses, é possível citar nomes como Bravely Second: End Layer (sequência direta do primeiro Default, um tanto quanto inferior a ele e com um nome agora confuso), I Am Setsuna e Octopath Traveler.
Em fevereiro de 2021, recebemos Bravely Default II, facilmente um dos jogos mais aguardados para os entusiastas do gênero e que torciam pela chegada de um novo título da franquia ao Nintendo Switch.
Bravely Default II não é uma sequência direta de Bravely Default, mas sim uma nova história contada num novo universo, trazendo um grupo de personagens que não têm relação com o quarteto do jogo original. A trama toda se passa num continente chamado Excillant e assumimos a pele do jovem marinheiro Seth, que acorda numa praia de um dos cinco reinos daquele continente após uma terrível e misteriosa tempestade.
Logo na primeira hora, já somos apresentados aos outros três personagens que compõem o grupo do jogo: a princesa Gloria, o estudioso — e hilariamente escocês — Elvis e a mercenária Adelle. Daí em diante, a receita segue algo já muito esperado: o quarteto deverá explorar todo o continente em busca de quatro cristais elementais (Terra, Vento, Água e Fogo) roubados da terra natal de Gloria, causando um grande desequilíbrio no mundo.
Acrescenta-se a essa mistura o fato de que cada um desses quatro personagens descobrem ser os chamados Guerreiros da Luz da era em que a história se passa. É o básico do JRPG clássico, remetendo a Final Fantasy V, por exemplo (além do primeiro Bravely trazer a questão dos cristais também) e com o óbvio embate entre o Bem e o Mal. É claro que o jogo tempera sua trama com algumas reviravoltas e tenta tocar em certos temas um pouco mais obscuros, mas não os aprofunda totalmente.
Isso por si só não é algo ruim, uma vez que a proposta da franquia é fazer exatamente essa “releitura” do que é tradicional no gênero, mas confesso — com o perdão pelo comentário ácido — que a maneira como tudo é apresentado soa mais como uma peça de teatro feita para o Ensino Fundamental.
Para corroborar o que quero dizer, basta olhar para o estilo de arte do jogo. Os personagens têm uma estética mais chibi; as cenas mais simples de diálogo entregam uma sensação de se passar num pequeno palco onde cada personagem entrega suas falas — em sua maioria, bem atuadas tanto em inglês quanto em japonês, mas sem presença alguma de português tanto em áudio quanto legenda; e grande parte dos temas da trama e escolhas visuais passam uma ideia mais infanto-juvenil. Pode não apelar para todo mundo, mas cumpre a proposta (e possui certo charme), mesmo que exista uma desconexão entre o visual dos bonecos e o resto do jogo.
Os cenários de Bravely Default II seguem muito a tradição do jogo original e também um pouco do que é feito em Octopath Traveler — pelo menos no que diz respeito às cidades. São cenários lindamente desenhados, como pinturas de aquarela, e que tiveram uma transição muito bem feita para o Switch em relação ao que eram no 3DS. A trilha-sonora também traz inúmeras músicas bacanas — em especial os temas de batalha —, com apenas alguns deslizes aqui e ali (eu pessoalmente detestei a música de Savalon).
Em relação a inimigos e vilões…bem, eles não vão além do que já é esperado em termos de profundidade: são arquétipos quase cartunescos e batidos dentro do gênero, mas, novamente, funcionam dentro da proposta.
O grupo principal do jogo, felizmente, é bastante convincente. Ao longo de mais de 60 horas, aprendemos a gostar de suas personalidades e motivações, mesmo que não seja nada extraordinário ou fora da caixa.
A grande graça de BDII e seu principal atrativo está no sistema de combate. Ele funciona de maneira muito familiar para qualquer pessoa que tenha jogado algum Final Fantasy dos anos 80/90: as lutas são realizadas dentro de um sistema de turnos. Você tem o controle de cada um dos 4 personagens principais e seleciona comandos variados que vão desde simples golpes com espadas/cajados/punhos até poderosos feitiços de ataque ou de buff/debuffs e certos ataques especiais; seleciona itens de cura ou se aproveita do principal diferenciador da série Bravely: as opções “brave” e “default” já citadas lá em cima.
O que diabos são essas opções? Trata-se de um sistema similar a um cartão de crédito: a cada turno, caso você escolha a opção “default”, seu personagem entrará num modo defensivo e acumulará um Brave Point, ou BP, podendo chegar a um total de três pontos; caso escolha a opção “brave”, gastará um BP, podendo tomar ações extras naquele turno — seja ataque, uso de feitiço ou de item. É possível entrar em “dívida” de BPs, jogando o número para o negativo (até um total de -3 BPs), o que quer dizer que nos turnos seguintes o personagem não executará ação alguma, apenas recuperará um ponto a fim de chegar a 0 BPs novamente (que é saldo mínimo necessário para poder executar algum comando).
Há um bom teor estratégico nesse sistema. A escolha entre acumular pontos usando default para poder atacar ou agir até quatro vezes no futuro (inclusive usando poderosas habilidades que requerem Brave Points) ou gastar os pontos entrando em dívida, mas potencialmente ferindo — e muitas vezes matando — os inimigos gera um satisfatório esquema de risco-recompensa que ditará o sucesso de cada batalha. E, claro, os inimigos também operam da mesma maneira, tendo seus próprios Brave Points. É um sistema intrincado e que exige estratégia por parte dos jogadores, especialmente contra os chefes mais difíceis.
Outro elemento bacana em relação a como o sistema de turnos foi implementado é que agora é possível ver uma barra localizada abaixo do nome dos personagens, indicando quão próximos eles estão da sua vez de escolher alguma ação (diferentemente dos jogos anteriores, onde você escolhia as ações da equipe toda de uma vez).
Trata-se de uma mudança muito bem-vinda, porque nos faz planejar ações que deverão ser tomadas no futuro, como numa partida de xadrez. Também há personagens secundários que não são controlados por nós, mas que compõem a party, atacando em momentos aleatórios das lutas. Fora isso, há a questão de inimigos terem fraquezas específicas, seja contra certos tipos de elementos/feitiços ou até mesmo determinadas armas.
Seguindo uma outra linha recente das remasterizações da Square Enix, Bravely Default II traz uma opção de acelerar a velocidade das batalhas para que as animações sejam executadas mais rapidamente, o que ajuda a não perder muito tempo já que o jogo pode exigir muito grinding — prato cheio para alguns e palavra maldita para outros, lembrando que o jogo pode ser bastante difícil em vários momentos.
Inclusive, uma mudança que vejo com menos simpatia é em relação ao antigo slider de encontros randômicos presente no primeiro Bravely. Esse slider ditava a frequência com que as batalhas aconteciam enquanto explorávamos os mapas. Em BD2, ele não existe e foi substituído por um esquema parecido com o do lendário Chrono Trigger: é possível ver os inimigos no mapa. Você pode fugir deles caso não queira que uma luta aconteça, mas também pode atacá-los antes de iniciar uma batalha propriamente dita, garantindo que todos os membros da party iniciem o combate com 1 BP garantido. Uma forma de mitigar essa mudança é poder mudar a dificuldade do jogo em determinados pontos, caso sua paciência acabe ou você fique preso em uma seção particularmente difícil da campanha.
O sistema de combate não seria tão interessante caso Bravely Default II tivesse abandonado a forma como os famosos jobs funcionam. Felizmente, o sistema continua presente nesta versão e quase inalterado, funcionando tão bem quanto nos jogos anteriores da franquia ou em games que a inspiraram.
Em BDII, cada job (ou classe) é liberada a partir de pedras conhecidas como Asterisks. Tais pedras são encontradas no decorrer natural da história, mas também a partir de side quests (aliás, a maioria não passa de simples fetch quests, embora existam sim algumas com maior desenvolvimento) e dão outro grau de profundidade e estratégia ao jogo.
Os jobs variam entre classes tradicionais em JRPGs como White Mages, responsáveis pelos feitiços de cura; classes inusitadas como Pictomancer, que literalmente pintam os inimigos a fim de diminuir suas defesas e buffs; e também classes novas, como o caso do Beastmaster que é…praticamente um jogo de Pokémon dentro de BD2. Cada job também traz certos elementos chamados de “passive abilities” como contra-ataque e “ultimate abilities” que emulam os limit breaks de Final Fantasy VI ou Final Fantasy VII.
Outro fator muito bem-vindo é a capacidade de habilitar um determinado job como “principal” e outro como “subjob”, permitindo que cada personagem utilize feitiços e habilidades da classe habilitada como sub ao mesmo tempo em que desenvolve e melhora a classe habilitada como principal (apenas esta pode receber Job Points a fim de evoluir).
Alia-se a tudo isso a nova maneira como os equipamentos funcionam, apresentado pesos determinados. Agora não basta simplesmente chegar a uma nova cidade e comprar qualquer arma ou escudo que tenha o maior preço e as melhores estatísticas, já que seus personagens podem simplesmente não ter limite de peso suficiente para carregá-los decentemente. Dessa maneira, há um certo fator de recompensa em tornar a party mais forte (desde que você aguente o grind) para poder utilizar o equipamento desejado ao mesmo tempo que o simples ato de passear pelos menus e equipar cada personagem exige reflexão.
Por fim, há um minigame de cartas chamado B ‘n’ D que lembra muito Triple Triad, de Final Fantasy VIII, ou Tetra Master, de Final Fantasy IX. É simples, divertido para passar algum tempo e seguir com a vida, mas também pode se tornar uma distração viciante se você for fã de card games. Além do B ‘n’ D, Bravely Default II utiliza de maneira esperta o modo repouso do Nintendo Switch: é possível enviar um barco para navegar (!) pela internet enquanto você descansa por até 12 horas. Ao fim dessa exploração, é possível receber inúmeras recompensas e itens que ajudam a desenvolver o quarteto e os jobs que você quiser.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm