Análise: CrossCode - Neo Fusion
Análise
CrossCode
10 de agosto de 2020

Os gêneros de jogos se encontram cada vez mais híbridos. Tornou-se comum observar uma jogabilidade base que agrega elementos emprestados de outros estilos, dinamizando até as mais lineares progressões. CrossCode é um dos jogos independentes que mais demonstra esse tipo de experiência dinâmica. Seus seis anos de desenvolvimento explicam a quantidade e qualidade de seu conteúdo. Ele já estava disponível para os computadores desde setembro de 2018, e em julho de 2020 chegou para os consoles.

CrossCode é um RPG de ação e seu visual lembra graficamente jogos “pixelados” de Super Nintendo. A perspectiva por cima da personagem, similar aos The Legend Of Zelda clássicos, conta com um acréscimo de elementos profundos de RPG — remetendo mais a jogos menos lembrados, como TerranigmaAlundra, que compõem um braço particular desse tipo de experiência.

Explorando um MMORPG em uma perspectiva single player

CrossCode é um “jogo dentro um jogo”, pois a personagem controlada está dentro de um mundo de MMORPG chamado CrossWorlds. Por mais que seja um single player, o jogo incorpora características que remetem a uma experiência online e massiva. Os personagens apresentados, por exemplo, são avatares de outros jogadores. É comum, durante a exploração de cenários, deparar-se com outros bonecos correndo, reunindo-se em cidades ou em frente a dungeons — etapas dentro do CrossWorlds para os jogadores avançarem na aventura. Vencê-las resulta em emblemas que são chaves para acessar outras áreas do mundo.

O mundo de CrossWorlds.

Existe uma história por trás do CrossWorlds envolvendo divindades e uma cronologia para criar uma base contextual com o que você está interagindo. O jogo está muito ciente da sua artificialidade, não há um esforço para realmente simular um MMO. Isso é notável pois, mesmo se tratando de avatares de jogadores que têm uma “vida real”, eles continuam sendo NPCs que circundam as ações da protagonista. Um exemplo claro disso é que há um quiz para você ser aceita em uma guilda. Se o jogador não acerta o suficiente, é perdoável, pois você pode consultar um menu de glossário, ver as respostas, repetir o teste e cumprir essa etapa programada da narrativa. O que move o progresso, além de cumprir as tarefas, é o mistério da protagonista Lea.

O enredo de CrossCode se inicia com a ferramenta de apresentar algo relevante que será revisitado em um ponto futuro, onde há um vislumbre da dinâmica de mecânicas. Após esse início, o ritmo diminui para ensinar o básico ao jogador enquanto introduz personagens e o “CrossWorlds”. Após o evento inicial, Lea está com amnésia. Por conta de um erro de programação, ela consegue pronunciar poucas palavras, justificando o papel de protagonista silenciosa. Ela possui um companheiro programador, Sergey Asimov, que serve de guia para o jogador.

Durante a jornada, há uma noção da importância da protagonista, pois é perseguida por um grupo e protegida por outro. CrossWorlds é exposto como o meio por onde Lea pode descobrir sua identidade, enquanto cumpre as funções banais do jogo e constrói amizades com outros jogadores. Em certos momentos, eles desconectam de seus avatares, e Lea repete esse procedimento, mas em vez de ir ao mundo “real”, ela possui flashbacks relacionados ao seu passado ligado ao “CrossWorlds”.

A jornada pelas áreas de CrossCode

A jornada se divide em três tipos de áreas que se interconectam: cidades, rotas ao ar livre e dungeons em ambientes fechados.

São locais de compra e venda de itens, interação com NPCs, onde são aceitas missões, em especial as principais que culminam nas dungeons.

São conexões, áreas abertas que constituem considerável parte do tempo total de CrossCode. Esses locais consistem em biomas diversos. Uma mesma área de deserto apresenta variações em seus segmentos, alguns trechos são mais secos, com tempestades de areia, fissuras, e contam com uma suave transição para uma vegetação característica se torna predominante, levando até um oásis.

As rotas são os trechos que deixam claro a intenção “complecionista” de CrossCode. Além das missões secundárias, o jogador pode coletar informações sobre inimigos e plantas: descrição, localização, que tipo de itens deixam e em quais situações. Todo esse conhecimento é armazenado no já citado glossário.

As rotas evidenciam um dos aspectos mais inerentes da experiência: a densidade de seu conteúdo. O mapa mostra quadrados que são segmentos. No entanto, cada um deles apresenta níveis de altura, consistindo, por que não, em uma verticalidade de exploração. CrossCode não possui botão para o pulo, mas é uma ação automática que se dá quando Lea corre em direção a uma borda, passando de uma superfície para outra, uma mecânica que remete sobretudo aos The Legend Of Zelda em 3D a partir do Ocarina Of Time.

Nesse sentido, por mais que uma área possua 10 segmentos (salas quadradas no mapa, como ilustrado na próxima imagem), o jogador pode deixar de acessar um deles por não ter encontrado um meio de atingir um plano mais alto. Uma rampa pode estar a dois segmentos de distância a partir dela para se chegar a um local inexplorado e, ainda assim, o jogo exige precisão de pulos em superfícies. Quando há uma queda no meio do trajeto, é necessário repetir o percurso. Após chegar ao destino, é comum desbloquear um atalho, mas boa parte de tempo é gasta em identificar passagem entre alturas e as repetições mediante as falhas. Essa forma de exploração permite encontrar locais escondidos, com sub-chefes que são variações de tamanho e cor de inimigos comuns. Baús escondidos e plantas raras só são encontradas nos níveis mais altos.

Segmentos dentro das rotas.

Apesar da densidade das rotas, o combate é geralmente opcional. A maioria dos inimigos é passiva, só iniciam a luta quando golpeados. Nesse estado de jogo, há uma mudança da trilha sonora. Existe uma barra que enche conforme se luta, aumentando um rank de D para S. Quanto maior, a possibilidade de o inimigo deixar itens mais raros aumenta. O modo batalha termina após um intervalo de tempo sem combate, ou o jogador apertando o botão de menu.

São segmentos focados em puzzles. Consistem na interação com objetos para acionar mecanismos complexos ou aprender a lidar com um novo tipo de inimigo, através de um recurso do cenário. No meio da exploração de cada dungeon, Lea domina um novo elemento. São eles em ordem de coleta: fogo, gelo, som (vibração de ondas) e raio. Com suas vantagens e desvantagens entre si com, entra uma dinâmica de “pedra, papel e tesoura”. Quando um novo elemento é adquirido, o restante dos puzzles apresenta desafios para o jogador entender as possibilidades diante dessa nova habilidade, encaminhando-se para a coleta de uma chave mestra e desbloqueando a batalha contra um chefe.

O caos controlado ao jogar CrossCode

Explicando o combate, Lea possui ataques de curta e longa distância, além de escudo e desvio. Os ataques de projéteis têm sua mira em separado, no analógico direito (nos joysticks) ou mouse. Essa mira, direcionada por alguns segundos, permite Lea disparar um tiro concentrado que ricocheteia pelas paredes. Os quebra-cabeças usufruem muito dessa mecânica.

A mira do disparo de projéteis.

A exploração casa com o combate, os verbos ofensivos são os mesmos que abrem os caminhos e resolvem quebra-cabeças. Cada um dos quatro elementos consiste em um diferente leque de ataques, além do elemento neutro que é o padrão, podendo ser acionado automaticamente caso haja uma sobrecarga de uso nos elementais. Em cada um desses leques de habilidades há 3 poderes especiais: o primeiro envolve segurar o botão de ataque e soltar depois de um tempo, o segundo consiste em repetir esse procedimento enquanto está defendendo e outro enquanto desvia. Cada um desses ataques gasta uma barra, que está próxima a vida, equivalente a mana. Quanto mais batalhamos, mais chances de usar esses ataques se acumulam. Um golpe especial mais poderoso envolve gastar mais dessas chances e segurar por mais tempo o botão de ataque.

Há uma árvore de habilidade para os 5 leques elementais onde, além de aumentar atributos relacionados a vida, mana, ataque, defesa e mira, dá ao jogador a opção de customizar entre os três tipos de ataques especiais para cada um dos elementos. Esse é um aspecto RPG de CrossCode: cada evolução de nível é um ponto a mais para cada uma dessas árvores. O polimento do jogo abrange toda sua capacidade de variar as opções de combate, para tipos diferentes de inimigos e situações, com a precisão de colisões e mediante aos números nada discretos estampados na tela a cada golpe, uma sensação de poluição visual familiar a jogadores de MMORPG.

Executando golpes em área em vários inimigos.

No entanto, o número na tela em si não é fundamental para o sucesso. Nas dungeons, alguns inimigos são apresentados como quebra-cabeças e o jogo sempre mostra o momento que estão vulneráveis, quando um elemento em específico os danifica com clareza. Os combates durante as rotas, contra vários inimigos menores, são momentos de prazer visual de atingir vários alvos e fazer “pipocar” números na tela como um enaltecimento do poder de Lea. Enquanto isso, as lutas nas dungeons são mais cadenciadas, até pelo fato de o jogador não contar com o auxílio dos companheiros de Lea, controlados por Inteligência artificial.

A palavra que resume CrossCode é densidade. Os trajetos de uma cidade para a outra, atravessando rotas, descobrindo uma maneira de entrar nas dungeons, saindo e descendo níveis de altura, atacando plantas e inimigos. Essa complexidade é condensada pela maneira como o salto funciona no jogo e o quanto a exploração nas rotas depende de sua precisão neles. Os desenvolvedores tinham desde o início a intenção de construir cada espaço minuciosamente como um quebra-cabeça. Os ambientes são uma emulação de espaço 3D em um jogo 2D, visão de cima. Segundo o estúdio, um botão de pular influenciaria o jogador a dar tiro em meio ao ar, prejudicando a leitura de que nível de altura os projéteis estariam se movendo.

Esse cuidado do estúdio com esse aspecto do jogo ajudaria a descrever como seu conteúdo massivo não significa que CrossCode seja caótico. Suas partes são muito bem amarradas e as limitações, por mais frustrantes que possam ser alguns momentos dependendo do jogador, auxiliam nesse encadeamento e polimento da gameplay.

Camadas artificiais cobrindo uma possível mensagem

Em meio a toda essa complexidade de mecânicas, existe uma narrativa que, no aspecto CrossWorlds, parece ser puro passatempo escapista, mas Lea precisa encontrar respostas através desse mundo. O jogo parece carregar Lea, junto de seus companheiros, a uma certa padronização: um ciclo de cidade/rota/dungeon, conseguir um emblema e garantir a passagem para a próxima área e repetir esse ciclo. Mas após a segunda dungeon, existe uma quebra de expectativa mediante a leveza de se divertir com os amigos em mundo fantasioso. Nesse ponto se estabelece uma conexão com o início do jogo: a protagonista buscando entender mais de si mesma, ao mesmo tempo em que as camadas escondidas desse mundo são reveladas.

Há indícios de uma dedicação do estúdio em construir uma história que tenha algo a dizer, na maneira de subverter os jogos online de maneira geral. Em certo ponto, por exemplo, Sergey hackeia a programação para fazer com que Lea quebre paredes invisíveis e tenha um ataque de múltiplos dígitos para lidar com inimigos de trilhões de HP. Esses momentos podem ser absurdos, variando de cômico a até algumas sutilezas trágicas sobre o tema “busca de identidade”. CrossCode acaba desconstruindo códigos estabelecidos de seu jogo, chamando atenção para alguns componentes humanos existentes nas interações com realidade virtual, dos jogadores aos desenvolvedores desses mundos.

Essas camadas precisam ser escavadas por detrás da complexidade apresentada até então. CrossCode constitui uma série de tarefas, algumas delas apenas para cumprir um glossário. As rotas por si só já envolvem um nível de dedicação, sobretudo aos jogadores mais complecionistas, e em seguida há outra carga de desafios, que são os puzzles nas dungeons. CrossCode pode ser bem desgastante: o jogador cumpre uma sala, mal existe a sensação de se sentir inteligente e já lhe é apresentado um turbilhão de novas informações a processar. Nos quebra-cabeças, o jogador dá ordem a um caos de informações soltas, um após o outro, exigindo energia mental e até muscular, pela quantidade de acionamento de botões em um determinado espaço de tempo. Nesse aspecto, o jogador menos habilidoso pode até desvendar a ordem de puzzle, mas não significa o imediato sucesso em seu desempenho, gerando frustrações.

No meio da experiência, há uma sensação de que o jogo poderia ser menor, não que seja grande em conteúdo. Completar a história e boa parte de elementos secundários envolve de 30 a 40 horas. A questão da densidade tem a ver com o ritmo contínuo da experiência. O jogador está sempre fazendo algo continuamente, há sempre uma planta para destruir, uma superfície alta para se chegar por meio de vários saltos precisos. Quando há momentos de pausa, contemplar um cenário monumental no horizonte, percebe-se o quão bem trabalhado é sua pixel art, assim como sua trilha sonora. Algumas músicas possuem uma referência clara a Chrono Cross, até em alguns efeitos particulares. Existe um redor muito interessante a se prestar atenção em CrossCode, muitas vezes ignorado na concentração de buscar a planta rara, nos números que surgem ao bater nos inimigos, nos NPCs que a todo o momento correm.

Em meio a dilemas que envolvem um jogo lotado de conteúdo, o que não resta dúvida é que CrossCode é o jogo mais atualizado e completo de seu subgênero, tanto em questão técnica de gameplay quanto na inserção de sua narrativa. Por esse critério mais técnico, é difícil apontar defeitos, o afeto com a experiência vai depender do perfil do jogador. É mais um jogo independente que consegue demonstrar uma série de requisitos apreciados em grandes produções, com um toque autoral. A jornada de Lea brinca com a leveza e seriedade presente na natureza dos jogos, pois ao mesmo tempo em que é divertida, é bastante exigente. Às vezes pode parecer bobo, mas em algum ponto tem algo a ser refletido.

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Comentários

Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.

O sorteio vai ser ao vivo via live???

Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)

Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.

Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png

cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...

Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público

Agora sim vou ter meu switch o/

Sim!

Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?

Reativei minha conta só pra promoção kkkk

Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte

Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!

Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.

sera que agora ganho o

Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.

Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?

Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!

Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)

Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?

? vou seguir o Renan aqui tbm