Se eu fosse um dos desenvolvedores que perdeu o emprego quando a Visceral Games fechou em 2017, eu estaria muito irritado agora. Dead Space (o original) é hoje um clássico mas a EA considerou a franquia um fracasso de vendas e, após empurrar os jogos cada vez mais na direção da ação, engavetou a marca junto com o fechamento da trilogia. Na época do fechamento do estúdio, foi dito que Dead Space 2 custou 120 milhões de dólares para desenvolver, mas vendeu apenas 4 milhões de cópias. O resultado disso foi que a EA se distanciou de jogos de terror e até de jogos de campanhas fechadas em geral.
Mas esse afastamento não durou muito. Já em 2016 a Respawn, outro estúdio da EA, chegou forte com a campanha de Titanfall 2, mas ainda se tratava de um jogo com foco multiplayer. Nos anos seguintes, fez-se bom uso da licença de Star Wars para lançar Jedi: Fallen Order, também da Respawn, e Squadrons, da Motive Studio que até então só havia sido um estúdio auxiliar. Agora, após uma longa história de cancelamentos e demissões, a Motive dá nova vida ao espaço declarado morto com Dead Space (o remake) esbanjando proficiência técnica e aproveitando a tecnologia dos consoles atuais.
Admito que meu primeiro contato com Dead Space (2008) foi apenas em 2022, pouco tempo após o anúncio de seu remake. Pode ser estranho, mas eu quis ter a experiência original do jogo antes de conferir sua modernização, e o tempo combinou com minha recém-encontrada apreciação por jogos de survival horror (ocorreu o mesmo com RE4). Jogando a versão de Xbox 360 via retrocompatibilidade, foi uma surpresa agradável descobrir que, fora alguns detalhes, a experiência se sustenta muito bem. Com ambientes claustrofóbicos e uso de elevadores e portas para esconder carregamentos de ambientes, o jogo flui com naturalidade do começo ao fim.
Mas, bom, olhando a linha do tempo, Dead Space está mais próximo de Super Mario 64 do que da atualidade. Muito aconteceu nesses últimos 15 anos e a Motive assumiu o desafio de trazer modernizações tecnológicas e de design ao título.
Dito isso, minha primeira reação ao começar a jogar Dead Space (2023) foi de… preguiça. Eu dificilmente repito a campanha de um jogo, e definitivamente este é um remake que passa a sensação de repetição. Não é um remake transformador como, por exemplo, Resident Evil 2, mas RE2 era um jogo de PS1 que se beneficiaria muito mais de uma modernização do que um jogo de PS3/360. Ao longo da campanha, porém, percebe-se que este também não é um remake na linha de Demon’s Souls, que atualiza os visuais mantendo o restante do jogo intacto.
As mudanças são por vezes sutis, como a escala dos ambientes em geral ser maior, e por outras mais notáveis, como algumas sequências chatas do jogo original que foram substituídas por atividades mais bacanas. Mesmo tendo jogado ambas versões no espaço de um ano, me foi difícil apontar exatamente o que estava diferente. Em alguns momentos tive uma memória clara de já ter passado por uma sala específica, em outros fiquei completamente em dúvida se determinado evento era novo ou conhecido.
Narrativamente, há uma mudança substancial no personagem de Isaac Clarke — ele deixa de ser um protagonista silencioso e agora passa a opinar nos diálogos (como nos Dead Spaces 2 e 3). Eu ainda o considero um personagem sem-graça, especialmente quando ele tira o capacete e vemos “protagonista genérico de videogame #5” mas, admito, ao menos desta vez ele parece um agente ativo da narrativa, tomando o comando das situações e agindo como um verdadeiro solucionador de problemas. No original, só ouvíamos as sugestões de outros personagens e seguíamos as indicações.
Já em termos de estrutura de jogo, a maior diferença é a completa integração da nave USG Ishimura. Em 2008, usávamos exclusivamente um bonde para nos locomover entre as regiões da nave, que em geral correspondem aos capítulos da campanha. Agora, o bonde serve como opção de fast-travel, mas para ativar cada parada, devemos primeiro chegar lá usando novos caminhos que conectam as regiões. O mapa foi projetado para “encaixar” de forma realista, dando um novo grau de naturalidade ao ambiente, apesar de que as tais regiões ainda são arranjadas lado-a-lado, ao invés de formar um mundo entrelaçado estilo metroidvania.
Por fim, também vemos uma atualização nos puzzles e no sistema de upgrades para os equipamentos de Isaac. Nódulos de energia, que antes eram usados tanto para melhorar armas quanto para abrir determinadas portas, perderam este segundo uso, então podemos usá-los sem medo de perder acesso a algum material. Nas próprias árvores de melhorias, não há mais espaços “mortos” que devemos preencher para chegar no que importa, e ao invés disso todo nódulo equipado oferece alguma melhoria (que são mais graduais).
Apesar das mudanças, Dead Space ainda se propõe a ser um “remake substitutivo”, preenchendo o mesmo espaço que o original na série e no gênero. E portanto mantém intactos todos os sistemas legais pré-existentes, alguns dos quais eram inovadores em 2008 e já são conhecidos em 2023.
Em particular, o combate é em grande parte o mesmo, se beneficiando talvez de melhorias na mira e na física, providenciadas pela engine Frostbite. Ainda coletamos as mesmas armas, que em geral são divertidas de usar. Algumas são comuns a videogames, como a metralhadora e o lança-chamas, mas a pistola corta-membros continua sendo um equipamento icônico de Dead Space. Desmembramento é o ponto chave do combate, nos permitindo cortar pernas para remover a mobilidade dos inimigos, ou seus braços e garras para reduzir seu potencial ofensivo.
Dead Space é um survival horror, sim, mas tem um foco bem maior em combate do que sobrevivência. No primeiro jogo, eu sempre contei com um repositório de munição armazenado, mas no remake a quantidade pareceu mais balanceada — não tão pouco para passar apertos, mas também não tão abundante. Eu gostei que me incentivou a usar mais as outras armas disponíveis, ao invés de focar em 2 ou 3 como fiz antes. A parte chata é que ao longo da campanha coletamos sete armas, mas só podemos equipar quatro delas para trocar rapidamente no D-Pad, o que reduz as possibilidades no meio de uma luta frenética e nos faz ter que preparar mais de antemão.
E — fora o agora-tagarela protagonista — a narrativa também se mantém intacta. Acompanhamos uma equipe de engenheiros que foi chamada para prestar suporte à USG Ishimura e, como bom Alien-like, aos poucos descobrimos uma série de conspirações envolvendo o governo terrestre e uma religião chamada unitologia. Um ponto forte de ficção científica é poder fazer críticas sociais ao levar certas condições do ser humano ao extremo, e é claramente o que Dead Space tenta fazer… nem sempre dá ótimos resultados, mas serve.
Dead Space é provavelmente o jogo multiplataforma de maior orçamento até agora lançado exclusivamente para a geração atual de consoles. Então a expectativa aqui é de um verdadeiro salto geracional e um marco para o início definitivo da era PlayStation 5 e Xbox Series X/S. E, de fato, é um dos jogos mais tecnicamente impressionantes que já joguei. Isso vai além de só visuais — em particular a engenharia sonora do jogo está extraordinária.
Texturas, reflexos em superfícies, luzes e sombras, efeitos de fumaça… Tudo é de altíssima qualidade. Este é daqueles jogos que praticamente qualquer captura de tela é coesa o suficiente para ser usada de papel de parede. Já o som providencia uma ambientação elevada, com barulhos ecoando e repercutindo por ambientes.
No Series X, o modo desempenho mantém os 60fps de forma sólida — não notei nenhuma queda. Experimentei o modo qualidade por alguns minutos e é razoável: a imagem como um todo é mais nítida e as sombras são um pouco mais corretas. Mas não vale a queda no desempenho. Não conferi as outras versões, mas segundo análises, o Series S não conta com modo desempenho, enquanto o PS5 atualmente sofre com um bug que afeta drasticamente as regiões escuras da tela.
Apesar de impressionante por si só, fica a dúvida de se é necessário excluir o PS4 e Xbox One da equação. Afinal, é um remake de um jogo antigo, então deveria ser possível rodá-lo em hardware antigo, mas pelo que tudo indica a defasagem da geração anterior tem mais a ver com o esforço adicional de engenharia requerido do que com verdadeira impossibilidade técnica.
E, curiosamente, Dead Space não é o videogame mais “bonito” que joguei até agora. Argumentos podem ser feitos para Ratchet & Clank: Rift Apart, mas é um jogo muito diferente esteticamente para se dizer com certeza. É o meio-irmão The Callisto Protocol que oferece a comparação mais óbvia e, ao meu ver, Callisto leva essa, por praticamente evitar as pequenas imperfeições que às vezes encontramos em Dead Space e, em particular, por ser muito melhor com modelos e animações faciais — o ponto mais fraco do jogo da EA. Curiosamente, Callisto ainda foi lançado para PS4 e Xbox One, deixando de fora grande parte de suas inovações gráficas.
A direção artística de Dead Space ainda é mais forte, pois pode puxar diretamente da originalidade apresentada pela Visceral em 2008, enquanto Callisto constantemente parece um exercício de copiar o dever de casa, mas mudando um pouco para não perceberem. O remake até melhora esse aspecto do original ao trazer mais clareza e distinção entre os tipos de inimigos, enquanto que quase tudo de visualmente interessante de Callisto (como a interface diegética) é puxado de Dead Space. Digamos que é um feito incrível ser menos visualmente original do que o remake.
Sem dúvida, a base tecnológica apresentada aqui é primorosa e … espero que não seja usada apenas para um remake de Dead Space 2.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm