Análise: Forgotten Fields - Neo Fusion
Análise
Forgotten Fields
5 de junho de 2025
Chave do jogo, na versão de Nintendo Switch, fornecida pela publisher

Qual o objetivo de um jogo? É uma pergunta abrangente com várias respostas diferentes, e nenhuma delas está inerentemente errada. Algumas pessoas podem dizer que é ser um passatempo, outras podem dizer que é dar uma experiência única, outras podem dizer que é passar uma mensagem – tudo depende do seu ponto de vista, e até mesmo nessas respostas existem nuances que podem ser dissertadas em grande detalhe. O que importa é que, com a ascensão dos queridos jogos indie, muita gente resolveu se arriscar ao grande investimento e objetivo de fazer um jogo, com qualquer que seja desses objetivos.

Para quem se importa sobretudo sobre a narrativa ou passar uma mensagem, vemos muitas vezes jogos do estilo “walking simulator“, as chamadas narrativas interativas – algo que é mais uma história com a qual você pode interagir aqui e ali do que o que esperamos de um jogo “propriamente dito”. São projetos com um escopo um pouco menor que se propõem a te trazer diferentes sentimentos, e enquanto os resultados são variados, sinto que são “pausas” no estilo de jogo mais movimentado e elétrico que valem a pena ser experimentadas de vez em quando. São jogos simples que podem ter orçamentos menores do que o esperado, e tudo bem com isso, contanto que o pacote final seja agradável de jogar e consiga passar sua mensagem de um jeito razoavelmente bem-feito. E é com essa condição que quero começar a falar do trágico caso de Forgotten Fields.

tela de captura onde Sid e sua amiga estao questionando as memórias humanas
Uma jornada nostálgica refletindo sobre as memórias humanas – o que pode dar errado?

 

Forgotten Fields é o segundo projeto de Frostwood Interactive, o estúdio-de-um-desenvolvedor-só criado por Armaan Sandhu, que já havia tentado a ideia de uma espécie de narrativa interativa com Rainswept, e vale a pena ressaltar que Forgotten Fields já havia sido lançado na Steam em 2021, sendo a versão de Switch lançada em Maio de 2025, a que estamos contemplando hoje.

O jogo conta a história de Sid, um autor que está sofrendo do infame bloqueio criativo, e para piorar sua situação, ele precisa urgentemente terminar seu livro até as 2 horas da manhã do dia seguinte, mas a criatividade simplesmente não está ao seu favor – e ele sente que se forçar a escrever só vai resultar em um livro medíocre e sem alma. Até que um amigo, Ajay, bate à sua porta e o lembra que hoje é o dia de um jantar que haviam marcado na casa da mãe de Sid. Após explorar seus problemas e ser convencido que se enfurnar em seu quarto não iria ajudar a situação, Sid sai de casa para arejar as ideias e visitar alguns amigos para se preparar para o jantar e ver se a inspiração bate antes da hora de entregar o livro.

Sid e seu amigo Ajay, que está em um vazio preto na tela
Não sei Ajay, mas como vai a vida no Vazio Obscuro Mortal?

 

Dada essa premissa, o jogo te põe no controle de Sid em várias visitas corriqueiras a lugares familiares a ele com pessoas que ele conhece, apresentando um pouco da vida do personagem e trazendo um dos pontos principais da narrativa: Memórias. Os lugares e pessoas com quem Sid interage são carregados de antigas memórias e de um sentimento de nostalgia por tempos antigos, e isso traz consigo várias perguntas sobre o tempo, a relação humana com ele e vários comportamentos das pessoas: Por exemplo, por que tendemos a lembrar tão calorosamente do passado mas temos impressões tão ruins do futuro? Essas perguntas e colocações vão te mostrar cenários na cabeça de Sid, envolvendo seu passado, coisas que aconteceram, e a tudo isso vai se relacionar com o livro que ele está escrevendo.

Enquanto os acontecimentos vão seguindo no dia de Sid, ele vai pouco a pouco relacionando isso com paralelos à história que ele está escrevendo, e creio que isso é feito de uma maneira bem interessante de ver – pode ser que personagens mudem, coisas diferentes aconteçam, mas é bem claro que o que Sid escreve em seu livro de fantasia meio medieval está relacionado intrinsecamente com o que aconteceu e está acontecendo em sua vida, culminando em momentos que você joga com a personagem da história de Sid e até toma algumas decisões que você pode influenciar em certos momentos. O modo como a narrativa traz alguns dizeres que provavelmente vão ser familiares a você e se desenvolvem em questões para te deixar pensando enquanto se transformam em uma história fantasiosa que Sid está escrevendo é bem agradável de ver, e creio que o jogo deixa clara e visível o suficiente a mensagem que quer passar, e atiça um pouco o seu pensamento enquanto traz algumas reflexões sobre nostalgia e alguns momentos que podem ser relacionáveis.

Ajay, amigo do protagonista, com o pescoço deslocado de lugar ao sentar no banco do carro.
Algumas vezes você vive memórias de Sid, e situações como essa acontecem.

 

Para não me estender demais na narrativa, já que esse é o ponto principal da jornada, creio que a mensagem está lá, e em um jogo essencialmente sobre essa mensagem, é correto dizer que o jogo cumpre seu propósito bem, mas infelizmente não é só de uma mensagem que Forgotten Fields é composto: É um jogo de aventura interativa que incorpora essa narrativa, e é exatamente nessa parte que tudo desmorona.

O aspecto visual de Forgotten Fields incorpora um estilo de cores bem simples e não-sombreadas, quase como um infográfico de LinkedIn em 3D, e de longe elas fazem o trabalho suficientemente bem, mas todas as vezes que os ângulos de câmera são postos próximos aos personagens, dá pra ver que é como se detalhes estivessem faltando ali. Primeiro pensei que isso era puramente uma escolha estética, mas depois de ver algumas situações como a viagem de carro, Sid escrevendo ou a caverna que Cyradil (a personagem da história de Sid) atravessa, estou mais inclinado a pensar que essa foi uma escolha puramente orçamentária – e, sinceramente, não é agradável de se ver.

Cyradil, personagem do protagonista, passando por uma caverna que mal foi terminada, com gráficos básicos de Unity
Como olharam pra essa seção e disseram “OK, parece bom” está além da minha imaginação.

 

Não me entenda mal, estou perfeitamente ciente de que estamos falando do Nintendo Switch aqui – e o console não é famoso em nenhum lugar por sua capacidade gráfica, mas até em jogos onde os gráficos eram bem borrados e que ambientes se renderizavam diante dos seus olhos como Europa, senti que os gráficos estavam ao menos terminados. No caso de Forgotten Fields, é como se esses gráficos estivessem na versão Alpha do jogo, como se fossem “praticáveis” ou “rascunhos” não-finalizados de modelos 3D. E não é como se tudo isso fosse para garantir que o jogo rodasse de maneira estável, já que Forgotten Fields roda constantemente mal e está frequentemente tendo quedas na taxa de quadros quando qualquer tipo de vegetação ou mais de um personagem é colocado na tela, algo que acontece desde o primeiro minuto do jogo e se estende até os créditos finais. Em algumas situações, parecia um jogo do 3DO ou do Sega CD – e não acho que essa foi a intenção.

Para piorar essa situação, os ângulos de câmera são confusos e muitas vezes obstruem a visão de quem joga – é como se você estivesse sempre vendo a situação como uma espécie de diorama que não levou em consideração que várias vezes objetos vão ficar no seu caminho ou te impedir de ver com o que você tem que interagir, onde é impossível aproximar ou afastar a câmera para ver melhor. Existem algumas situações com ações que pedem QTEs (o famoso efeito Heavy Rain de “aperte esse botão na hora certa”) ou interações como arremessar uma pedra para tirar uma bola de futebol da árvore, e até mesmo alguns básicos elementos de jogo de aventura (leve a chave para abrir a porta ou entregue as roupas do varal à sua tia) mas elas são no mínimo simples demais e no máximo confusas e cheias de bugs.

Sid e sua mãe em sua casa, onde os camarões são mais detalhados visualmente do que eles dois.
Enquanto ajudei minha mãe a pôr a mesa, notei que os camarões eram mais detalhados que ela.

 

Claro, o que são esses jogos pouco-finalizados sem os seus bugs, não é mesmo? No caso de Forgotten Fields, encontrei algumas situações como no fim do jogo onde apertar o botão para trocar a roupa do personagem me deixou preso na tela de troca de roupa, o que me fez reiniciar o jogo, em certas situações como pular entre as pedras na praia Sid completamente afundou dentro de uma das pedras (que era pra ser sólida) e entre uma das cinemáticas o jogo travou completamente. Além disso, em algumas situações o meu inventário simplesmente não abria, o que era necessário para seguir em frente, e bizarramente, certos momentos do jogo não permitiam que eu tirasse capturas de tela, e se eu tentasse de novo dali a alguns segundos o jogo aleatoriamente permitia as capturas de tela de novo. São bugs que variam entre levemente engraçados e que te forçam a reiniciar o jogo, e eu estaria reclamando mais, se Forgotten Fields não fosse um jogo bem curto, tendo em torno de 2 a 3 horas.

Como sempre digo, não acho que um jogo curto é uma ideia ruim, especialmente se estamos falando de uma história interativa como é o caso de Forgotten Fields, e com certeza prefiro um jogo curto que vou jogar mais algumas vezes logo em seguida ou no futuro do que um jogo de 70 horas que vou encostar uma vez e nunca mais, mas sinto que com a qualidade base que temos aqui (o que parece um jogo em estado Alpha, antes mesmo do Beta) essas 2 a 3 horas não são exatamente de qualidade.

Momento do jogo mostrando a câmera não sabendo o momento importante para mostrar,
A câmera às vezes simplesmente não sabe o que esconder e o que mostrar.

 

É trágico, como mencionei no começo – consigo ver a ambição de paixão de contar uma história carregada de emoção que muito provavelmente tem a ver com a vivência do desenvolvedor, e entendo perfeitamente que um jogo custa muito tempo e muito dinheiro até pelo que parece mais básico, especialmente se estamos falando de desenvolver um jogo por si só sem ajuda de outras pessoas ou publicadoras de grande nome, mas como consumidor, simplesmente sinto que no estado atual, Forgotten Fields simplesmente não vale a pena, e parece muito mais uma demo bem inicial de um produto futuro do que um produto finalizado. Dados alguns anos a mais de trabalho, talvez tivéssemos uma história agradável com um pouco de reflexão por trás com uma parte interativa razoavelmente divertida, mas do jeito que está, infelizmente acho impossível de recomendar. Só posso esperar que o desenvolvedor tenha mais sucesso em projetos futuros.

Forgotten Fields é uma aventura interativa que claramente quer trazer reflexão e te fazer pensar sobre alguns aspectos importantes da vida humana, o significado das memórias e a relação com o passado e o futuro, e sinto que essa mensagem foi passada, mas ela precisava estar em um jogo melhor. Com performance constantemente ruim, visuais mal-acabados que dão a impressão que o jogo ainda está em versão Alpha e uma série de bugs que variam de irritantes a que impedem seu progresso, é impossível recomendar Forgotten Fields nesse estado - A mensagem está lá e isso é o ponto principal de uma narrativa interativa, mas do ponto de vista de um consumidor, sinto que Forgotten Fields simplesmente não foi terminado e não atende ao mínimo de controle de qualidade, e creio que seu tempo será melhor gasto com outro "walking simulator".

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Comentários

Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.

O sorteio vai ser ao vivo via live???

Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)

Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.

Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png

cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...

Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público

Agora sim vou ter meu switch o/

Sim!

Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?

Reativei minha conta só pra promoção kkkk

Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte

Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!

Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.

sera que agora ganho o

Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.

Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?

Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!

Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)

Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?

? vou seguir o Renan aqui tbm