Se você já explorou um museu de arte moderna, sabe que pode ser uma experiência como poucas outras. Nas vezes que eu visitei algum, sempre me marcou como as obras são expressões abstratas de sujeitos concretos. Não são obras que tentam apenas capturar uma cena, tampouco são obras abstratas que conversam apenas com cores e formatos. As obras que me pareceram mais interessantes foram sempre aquelas que usam alguma imagem ou material que podem até ser do quotidiano, mas no arranjo ficam repletos de simbolismo, muitas vezes sobre uma temática que, aí sim, diz algo sobre o mundo em que vivemos.

Não estudei arte e sinceramente sou meio burro para entender todos esses simbolismos mas, quando um clica, é uma sensação similar à de resolver um quebra-cabeças. Genesis Noir é, tecnicamente, um videogame com quebra-cabeças, mas seus aspectos mais interessantes não estão ali. Mais do que um jogo, trata-se de uma experiência audiovisual com forte apelo artístico e, sim, cheia de simbolismos.

Como o título talvez indique, a história principal é sobre música jazz, um homicídio e a origem do universo. São conceitos que podem parecer completamente distintos, mas são unidos de formas inesperadas pela inventiva imaginação dos desenvolvedores e pela incrível direção artística. A estética parece uma versão noir do filme mais recente da Disney/Pixar, Soul, com pessoas 2D caricatas convivendo em um mundo 3D, tudo em preto-e-branco com raros detalhes em dourado. E, é claro, a trilha sonora é composta de freestyle jazz que, em diversos momentos, se mescla com o que ocorre em tela.

A jogabilidade, no fim, é o ponto mais fraco do jogo. Não que seja realmente ruim, mas acaba sendo um point-and-click relativamente simples e convencional na maior parte do tempo. Nenhum puzzle se destaca como particularmente criativo e alguns deles duram um tanto a mais do que precisavam. Porém, devo dar crédito aos criadores por sempre criarem novas formas de interação em cada fase, apesar dos controles extremamente simples. Também tive alguns problemas técnicos — nada muito grave, mas ocasionalmente irritantes, como o cursor “resetando” para o meio da tela enquanto eu o movia — que talvez tenham sido resolvidos numa atualização que foi lançada no dia seguinte após eu ter terminado o jogo.

O último trecho do texto discute alguns spoilers, então concluo aqui meus pensamentos sobre o jogo.

Os spoilers são meio subjetivos, porque a interpretação do jogo pode variar de pessoa para pessoa. A minha — que foi combinada à da minha namorada que assistiu trechos do jogo — é que nosso protagonista (“No Man”) representa Tempo, do início ao fim do universo. O tal homicídio é o ponto central da trama: um saxofonista (“Golden Boy”) atirando em uma cantora de jazz (“Miss Mass”) com uma pistola. Esses personagens representam, respectivamente, Energia e Massa. Quando Energia atinge Massa, ocorre o Big Bang e, portanto, a origem de um novo universo. Ao tentar impedir esse acontecimento, Tempo está impedindo que o universo se recicle e dê origem a novas formas de vida.

Ao longo de sua aventura, Tempo encontra diversos seres que são amalgamados em uma outra entidade, que eu interpretei como Vida. Tempo pode ver todas as possibilidades alternativas do universo, e talvez por isso seja obcecado em encontrar a melhor saída para cada situação, enquanto Vida sabe que mortes e fracassos fazem parte da estrutura do universo e são inevitáveis. O final do jogo nos apresenta uma escolha: uma opção em que Tempo e Massa ficam juntos, mas são separados pela morte dela, e outra em que seu relacionamento nunca acontece, salvando a vida de Massa mas deixando Tempo solitário. Eventos aleatórios — como o homicídio parece ser — podem ser determinísticos em alguma variação da realidade, porém o evento mais importante para Tempo, passar o resto da eternidade com Massa, é demonstrado com probabilidade 0 de ocorrência quando Tempo explora possíveis galhos da linha temporal.

No fim, independentemente de quais versões ou quantas repetições do universo existem, esse é um evento que nunca poderá acontecer.