Análise: The Callisto Protocol - Neo Fusion
Análise
The Callisto Protocol
7 de dezembro de 2022

Eu gostaria de poder falar de The Callisto Protocol sem falar de Dead Space, mas isso parece impossível. É incomum um novo jogo “AAA” ser tão escancaradamente inspirado em outro. Bom, Callisto foi dirigido por um dos criadores de Dead Space, então as similaridades não são por acaso. Dito isso, não se trata de uma cópia absoluta, para bem e para mal.

Além dessa inevitável comparação, The Callisto Protocol carrega outros pesos. Afinal, é o jogo de estreia de um novo estúdio AAA e representa um certo retorno de jogos de terror sci-fi — tendência que está pronta para continuar com o remake do Dead Space original. O truque, então, é descobrir se o jogo consegue capturar suas influências, inovar sob um estilo de jogos e apresentar tudo isso em um pacote digno do alto preço do título. Ao meu ver, essas missões só foram parcialmente cumpridas.

The Callisto Protocol

Espaço Morto-Vivo

As similaridades estéticas e temáticas entre The Callisto Protocol e Dead Space são inegáveis — jogos de terror que se passam em um ambiente espacial (seja uma nave, ou uma colônia lunar). Dois protagonistas com nomes bíblicos do velho testamento (Isaac e Jacob), com conexões simbólicas a figuras japonesas (a nave USG Ishimura e a coadjuvante Dani Nakamura). A câmera com perspectiva sobre-o-ombro e informações cruciais como vida e munição exibidas de forma diegética naquele mundo. Posso continuar a lista, mas acho que basta.

Porém, por baixo disso tudo encontramos dois jogos bastante diferentes. O suco que compõe Dead Space é uma mistura de Resident Evil e Metroid Prime; uma aventura por vezes claustrofóbica, que nos faz ir e voltar dos mesmos ambientes mas, a cada retorno, temos algum item ou equipamento ou conhecimento que altera nossa relação com o espaço. Tanto RE quanto MP têm combate, mas em nenhum caso é a parte central do jogo — Dead Space puxa mais para o lado da ação, mas explorar a nave para conseguir recursos e melhorias ainda é a base da campanha.

The Callisto Protocol, por sua vez, é inegavelmente um jogo de ação com ambientação de terror. Especialmente quando se trata do desenvolver da campanha, a comparação que me passa pela cabeça não é Dead Space, mas sim Uncharted — uma experiência profundamente linear que acompanha um protagonista numa série de desventuras. Isso inclui, é claro, múltiplos momentos de “parece que vai dar tudo certo, mas acaba dando tudo errado” na história.

A filosofia de apresentar informações de forma diegética é algo que se estende a vários aspectos do jogo. Com “diegético”, me refiro a elementos visuais e sonoros que existem tanto para nós, espectadores, quanto para as personagens daquele mundo fictício. Isso está presente com força em The Callisto Protocol, com barra de vida, barra de energia, contador de munição e até o menu de inventário existindo dentro da ficção.

Exemplo de ambiente em The Callisto Protocol

Um exemplo bacana disso é que o jogo não utiliza de marcadores artificiais na interface para indicar a direção que o jogador deve seguir. O próprio level design nos guia ao progresso e geralmente faz isso bem. Uma luz, uma trilha de sangue, uma porta suspeita… são os tipos de dicas que o jogo usa para nos guiar silenciosamente. Às vezes isso falha e o jogador pode passar uns instantes perdido — mas, se tratando de um jogo linear, uma hora ou outra o caminho é encontrado. Ocasionalmente encontramos bifurcações no caminho, mas é sempre o caso de um caminho secundário curto com alguns recursos para coletar; infelizmente, nunca é completamente claro qual é o caminho secundário e qual é o principal, então complecionistas podem se sentir frustrados ao seguir por uma direção e ser impedido de voltar. Na ausência de um mapa, um senso de direção inato ajuda, mas admito que em alguns momentos acidentalmente voltei por onde vim até me deparar com alguma barreira.

Linearidade por si só não é um grande problema mas, ao meu ver, em uma experiência tão rígida quanto essa o dever dos desenvolvedores é entregar algo que seja minuciosamente polido para ser cativante e emocionante. Não é bem o caso aqui, fora talvez alguns pontos específicos da jornada. Alguns segmentos se estendem mais do que o necessário, enquanto em outros nos encontramos frustrados com o limitado espaço de inventário, pois faz muito tempo que não encontramos uma lojinha e carregamos diversos itens para vender. O ritmo da experiência como um todo não é ruim, e por fim temos um arco razoavelmente satisfatório da progressão do personagem, mas ainda senti que o começo foi um pouco enrolado (leva algumas horas para o combate ficar mais interessante) e o final foi apressado (claramente um cliffhanger para a continuação).

A narrativa é outro aspecto que não se destaca. É um amalgamado de clichês sobre colonização espacial, prisões, experimentos científicos com organismos que causam mutações, uma busca por um soldado perfeito, etcetera etcetera. Os clichês poderiam ser ignorados se os personagens exibissem mais carisma e originalidade, que novamente não é o caso. O protagonista, atuado por Josh Duhamel, é tão genérico ao ponto de parecer uma sátira de protagonistas de videogame do final dos anos 2000. Os personagens coadjuvantes e o vilão são um pouco melhores, pelo menos.

Geração atual com cara de próxima

O que de fato impressiona na obra são os visuais. Ainda se trata de um jogo feito na Unreal Engine 4 e disponível para PS4 e Xbox One mas, no PlayStation 5, é difícil de dizer que não se trata de um jogo “next-gen”. Provavelmente permitida pelos cenários menores, a engine é demonstrada ao máximo aqui, em particular com superfícies e texturas extremamente detalhadas. Os personagens também são cópias impressionantes de seus atores — mas a similaridade aqui faz o jogo ficar na beira do uncanny valley. Só para não deixar o PS4 e o XB1 esquecidos, temos os clássicos “espaços apertados escondendo um carregamento” que provavelmente não seriam necessários no PS5 e Series X|S. Vindo do menu principal, leva apenas cerca de 5 segundos para carregar um cenário e continuar a campanha.

Close em The Callisto Protocol

Nos “consoles grandes” há a opção de jogar a 30fps com ray tracing ou 60fps sem. Para mim não houve dúvidas, 60fps do início ao fim. Experimentei o modo RT em alguns momentos mas a redução na clareza visual me afetou demais. Mesmo a 60fps o jogo é visualmente imponente, apesar de que ocasionalmente ocorrem quedas para uns 40-45fps. Com VRR talvez isso mal fosse notado, mas infelizmente o PS5 não suporta VRR com a minha TV.

Porém, toda essa atenção aos detalhes visuais me deu uma sensação estranha. Parecia mais um caso de um jogo AAA tentando esconder seus aspectos genéricos sob uma superfície de gráficos agradáveis. Certamente não é o primeiro jogo que fez isso, mas talvez tenha sido o exemplo mais óbvio disso que já experimentei. Me encontro imaginando se eu teria gostado menos do jogo se os gráficos fossem piores. Gostaria de acreditar que não sou tão superficial, mas esses aspectos psicológicos podem ser difíceis de quantificar.

Apesar dos visuais rebuscados, ainda encontrei alguns bugs no jogo, envolvendo, por exemplo, o posicionamento de um personagem ou objeto no cenário, mas nada muito grave.

The Callisto Protocol é um jogo de ação primeiro, sobrevivência depois

Talvez o aspecto mais polêmico do título seja o combate. Inicialmente, temos apenas um bastão para combate corpo-a-corpo e, ao decorrer da campanha, liberamos novas armas e, crucialmente, uma luva que nos permite manipular a gravidade. Mesmo com mais opções, é bastante claro que as mecânicas foram afinadas para lutas 1-contra-1; mesmo ao fim do jogo, um grupo de 2 ou 3 inimigos básicos pode ser uma ameaça legítima. Há um foco grande em desviar de ataques e contra-atacar, o que se torna difícil ou até impossível quando se tem um inimigo atrás de você. Como a câmera do jogo é bastante apertada, pode ser difícil ter uma percepção apurada dos entornos e, então, surge um inimigo e te pega de surpresa.

Curiosamente, após todo aquele cuidado para apresentar informações de forma diegética, é no combate que aparecem tutoriais estáticos e repentinos nos explicando as mecânicas. Se eu fosse chutar, parece ser algo que foi adicionado no último minuto para ajudar jogadores empacados.

Informações sobre o combate em The Callisto Protocol

Num confronto direto, basta segurar o analógico para os lados para desviar, ou para trás para bloquear, ataques. Com o inimigo derrubado, precisamos dar um pisão nele para conseguir alguns recursos e impedir que o desgraçado volte para incomodar depois. Mesmo esse processo de finalizar inimigos se torna complicado quando estamos sendo perseguidos por outros.

Aliás, “perseguido” não é uma palavra muito útil, porque dificilmente fugir é uma opção viável. Nosso protagonista corre devagar (e, às vezes, se recusa a correr mesmo com o L1 apertado?) e virar as costas ao inimigo é morte na certa, então mesmo numa situação de aperto a única opção viável é acertar os desvios e contra-ataques.

Na prática isso significa morrer algumas vezes (e assistir algumas animações dignas de Mortal Kombat) para entender a topologia do ambiente e a quantidade e posições dos inimigos. Com um pouco de planejamento é possível eliminar um de cada vez, ou podemos usar o ambiente ao nosso favor. Com a luva anti-gravidade, podemos lançar objetos explosivos nos inimigos, ou jogar os próprios inimigos em espetos ou ventiladores. Esta é a forma mais rápida de reduzir um grupo, que acaba também economizando munição.

Em relação às armas, ao fim do jogo temos 5 delas construídas em cima de duas “bases”, uma para armas leves e outra para pesadas. Podemos trocar entre uma arma leve e uma pesada apertando para a esquerda no D-pad porém, para alternar entre as armas da mesma categoria, devemos apertar para a direita, navegar entre as opções para cima ou baixo, e enfim confirmar a opção pressionando ╳ (A no Xbox). Em meio ao combate, é dificílimo navegar por essa interface enquanto ainda focamos em desviar de ataques; para piorar, se desviarmos ou mirarmos durante a animação de troca de arma, ela é cancelada e devemos repetir a operação. Este é um erro sinceramente amador de game design — formas eficientes de trocar de arma existem… pelo menos desde Dead Space.

De forma geral, o combate não dá opções para se recuperar de erros. Tentar trocar de arma é um risco, pois pode nos deixar vulnerável. Usar um item de cura leva tanto tempo que não é apenas um risco — é uma garantia de que ficaremos abertos a um ataque. De fato, ao longo do jogo inteiro só teve uma vez que consegui me curar durante um combate sem imediatamente ser atacado.

Há muitos detalhes sobre os quais reclamar em The Callisto Protocol mas admito que, apesar de tudo, o jogo funciona e diverte, se as expectativas forem moderadas. Não espere aqui o próximo grande avanço para os jogos de terror AAA, mas sim uma combinação de elementos, em geral familiares, executados com diferentes graus de competência.

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Comentários

Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.

O sorteio vai ser ao vivo via live???

Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)

Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.

Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png

cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...

Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público

Agora sim vou ter meu switch o/

Sim!

Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?

Reativei minha conta só pra promoção kkkk

Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte

Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!

Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.

sera que agora ganho o

Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.

Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?

Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!

Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)

Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?

? vou seguir o Renan aqui tbm