The Last of Us é um dos meus jogos favoritos de todos os tempos. Ele não só foi uma experiência marcante para mim como também é um dos jogos pelos quais mais tenho apego emocional. Em outras palavras, é um daqueles casos em que uma obra transcende o mero fato de ser um produto de entretenimento e passa a ter algum significado mais importante na vida de alguém. E, claro, também é um jogo muito competente e sólido.
Sua história pode parecer clichê na superfície: mundo destruído por uma pandemia de Cordyceps, fungo que transforma as pessoas em uma espécie de zumbi, e você no papel de um sobrevivente com a tarefa de levar uma garotinha imune até o outro lado dos EUA a fim de entregá-la a um hospital em que supostamente podem produzir uma vacina e salvar a humanidade. Entretanto, o game brilha na dinâmica de desenvolvimento entre Joel e Ellie. Além do mais, The Last of Us tem um dos finais mais interessantes e discutidos já feitos em um jogo.
Após esse final tão bom, por muitos anos eu simplesmente não queria uma sequência. Mas cá estamos e eu não poderia estar mais contente por The Last of Us Part II existir — título mais do que apropriado, diga-se de passagem.
Esse texto irá discutir a sequência de duas maneiras: primeiramente, de modo mais geral, focando em seu lado técnico, suas mecânicas e brevemente sobre sua estrutura, com uma quantidade mínima de spoilers apenas para fins de contextualização. Em seguida, comentarei sobre sua história, personagens e temas. Caso você ainda não o tenha jogado, recomendo que leia só a primeira metade do texto. Part II é uma experiência melhor se você jogá-lo sabendo o mínimo de informações narrativas possível.
Um fato curioso (e óbvio) liga The Last of Us Part II ao título original: ambos são jogos lançados para fechar o ciclo de gerações dos consoles da Sony. Da mesma maneira, tanto TLoU quanto sua sequência são tão bem executados e forçam tanto as capacidades de suas respectivas plataformas que é comum pensar “como diabos eles conseguiram fazer isso?”. Colocando de maneira simples, Part II é uma obra-prima no departamento técnico e uma evolução do que a Naughty Dog vem fazendo arduamente pelo menos desde 2007.
Que os jogos do estúdio são visualmente lindos não é segredo para ninguém. Isso continua valendo por aqui: Part II tem alguns dos cenários mais belos dessa geração — rivalizando com Uncharted 4 (da própria Naughty Dog) e Red Dead Redemption 2 —, com destaque para a forma como a iluminação natural em ambientes fechados é emulada (algo extremamente desafiador de ser executado artisticamente falando).
O mesmo vale para os personagens, animais, armas, qualidade de texturas, reflexos, cores… enfim, basta observar as fotos escolhidas para ilustrar esse texto que fica fácil concluir se tratar de um jogo extremamente bonito (e com material de sobra pra quem adora usar Modo Foto). E, além de bonito, Part II é um dos jogos de melhor desempenho no PlayStation 4.
Em minhas cerca de 40 horas com o jogo (duas campanhas completas, sendo a segunda NG+ focando em obter o troféu de platina), foram raríssimos os momentos em que notei algum engasgo por parte do jogo no PS4 base. Temos aqui um game responsivo, praticamente sem quedas de frame rate (por incrível que pareça, estas são mais comuns no PS4 Pro, como é mostrado em um vídeo do Digital Foundry) e de carregamento bastante rápido caso o jogador morra. Claro, isso não quer dizer que ele seja livre de bugs — e alguns até bem engraçados —, mas não é nada que atrapalhe nem de longe a experiência.
Com esse papo técnico fora do caminho, vamos ao que interessa: Part II também é uma evolução dos sistemas que formam o primeiro jogo. Todo o seu ciclo de gameplay, em sua essência, continua aqui: você avança pela história em sequências quebradas por encontros contra inimigos, seguidos de mais sequências que se ocupam em avançar a história — coisa bem básica em jogos lineares e narrativos.
A diferença é que enquanto o primeiro jogo se divide num período de 1 ano em que cada estação meteorológica funciona como um grande capítulo, Part II conta sua história majoritariamente na cidade de Seattle num período de 3 dias. E em questão de harmonizar beats de história e seções de combate, ele faz um trabalho melhor do que o título original, onde alguns desses encontros interrompiam, sem motivo algum, momentos narrativos só porque alguém da equipe de desenvolvimento achou que era uma boa hora para dar uns tiros.
E o que você faz exatamente nessas horas de dar uns tiros? Bem, basicamente o jogo apresenta uma maior ênfase em sobrevivência. Você tem poucos recursos — balas para as armas, materiais para fabricar itens de cura, silenciadores, bombas de fumaça, explosivos, coquetéis molotov, etc. — e frequentemente está rodeado de grupos de inimigos (sejam eles humanos ou infectados) com vantagem numérica sobre você. Cabe ao jogador saber utilizar esses recursos de maneira inteligente e sobreviver a esses combates, sorrateiramente ou não.
Na hora de enfrentar essas situações, no entanto, Part II traz novidades muito bem-vindas. Para começar, Ellie é uma personagem menor e mais ágil do que Joel era no primeiro jogo. Ela é capaz de se esgueirar por lugares fechados e está sempre com uma faca à sua disposição (no primeiro jogo, eram itens consumíveis), imprescindível para derrotar estaladores silenciosamente. A protagonista é capaz de esquivar de investidas com o toque do botão L1 e também pode pular, ação utilizada tanto para solução de quebra-cabeças dos cenários quanto para se jogar em cima de um inimigo (como um elemento surpresa). Também é possível deitar no chão e rastejar, ganhando vantagem quando os combates esquentarem e você precisar se esconder.
Assim como no primeiro jogo, Part II é extremamente brutal e violento. O primeiro TLoU vendia bem a ideia de que você está ali como um sobrevivente e todo o combate tem um peso na hora que você soca um inimigo, por exemplo. A sensação de cada murro é “seca” e dura, como se você estivesse realmente batendo em alguém. Part II leva essa sensação além. Golpes de faca, socos, gritos quando alguém é ferido ou morto, a respiração ofegante e cheia de adrenalina de Ellie ao executar um inimigo ou correr… tudo passa uma sensação de urgência, raiva (justificada na narrativa) e dor. Falando em dor, uma nova mecânica bem legal é que, ao ser atingida por flecha, Ellie ficará ferida e você precisará retirar a flecha da parte afetada, caso contrário perderá sangue continuamente.
Inimigos agora têm nomes específicos (o que tenta passar a ideia de que todos ali são sobreviventes, pessoas “de verdade”) e se comunicam chamando uns aos outros pelo nome, gritando coisas como “Oh! Alguém pegou o David!”. Além disso, a inteligência artificial, tanto de inimigos quanto de aliados, está mais refinada — embora ainda apresente falhas.
Também não é uma boa ideia ficar escondido num mesmo lugar por tempo demais, especialmente nos cenários com cachorros. Estes, além de novidade da Part II, são capazes de farejar Ellie e levar seus donos até ela, revelando sua posição. Um detalhe bacana — e o game é tão recheado deles que eu poderia ficar um tempão aqui citando cada um — é que, ao matar o dono do cachorro, o animal ficará próximo dele tentando reanimá-lo e soltando grunhidos tristes.
Enfim, The Last of Us Part II traz diversas melhorias de gameplay, facilitando dizer que essa é uma experiência superior à do primeiro game nesse departamento. É incrível como algumas diferenças sucintas de mobilidade do jogador já são suficientes para dar uma dinâmica bem mais rica ao combate. Aliam-se a esse ponto arenas mais interessantes do que as do primeiro jogo, com espaços muito mais amplos, maior verticalidade, mais lugares para se esconder quando o combate ficar intenso e também mais encontros misturando tipos diferentes de inimigos. Ah, e ainda sobre os cenários: palmas para as pessoas que trabalharam na simulação de vidro quebrando. É até engraçado o quão satisfatório quebrar vidro é neste jogo, da forma como estilhaços se espalham realisticamente pelo chão até o som do material quebrando. Caprichado.
E capricho é também a palavra que vou usar para descrever uma das áreas que mais gostei no jogo, que é o centro de Seattle, no Dia 1. Trata-se de uma região que compartilha do DNA de Uncharted 4 e Uncharted: The Lost Legacy nas suas partes de “mini-mundo aberto”.
Por aqui você tem o objetivo de encontrar gasolina para ligar um gerador que permite a abertura de um portão bloqueando seu progresso. Para achar o combustível, você precisará visitar certos pontos de interesse no centro da cidade, sendo auxiliado por um mapa onde Ellie faz anotações tal qual o protagonista de Silent Hill 2 fazia (além de haver um certo paralelo de design com os dois primeiro jogos da franquia Silent Hill aqui, já que você também será guiado pela curiosidade e pelo medo do que se esconde em cada prédio visitado). O que mais me atrai nessa parte do jogo é como a exploração se dá de maneira bastante orgânica e como uma das cenas mais agradáveis e bonitas do jogo está nela, de maneira totalmente opcional. Aqui fica claro como a qualidade dos diálogos opcionais, já esperada por parte do elogiado estúdio, se mantém — você não tem tanta sensação de estar na companhia de um robô “scriptado”.
Por fim, há outras mecânicas familiares para quem já jogou The Last of Us: é possível fazer upgrade em suas armas (e eu sou grande fã da qualidade das animações quando você as modifica nas bancadas), melhorar as habilidades do personagem por meio de comprimidos encontrados nos cenários e também desbloquear novas “árvores de habilidade” (por assim dizer) ao ler certos livros e revistas. Há colecionáveis na forma de cartinhas, moedas e documentos espalhados pelos cenários que ajudam a expandir a lore desse mundo pós-pandêmico. E o famoso “modo escuta” também retorna, auxiliando a localizar a posição dos inimigos e também “enxergar” a linha de odor que os cães farejam para encontrar Ellie.
Outro aspecto que não pode deixar de ser comentado é a qualidade do sistema de acessibilidade que trouxeram aqui. É possível mexer em opções de dificuldade para moldar a experiência da forma que você achar melhor, editando a quantidade de recursos oferecidos ao jogador, agressividade e inteligência dos inimigos e dos aliados, quantidade de dano recebido pela Ellie, etc. Também há inúmeras opções para pessoas com dificuldades motoras, de visão e de percepção aproveitarem o jogo. É algo ímpar e que muitos outros games deveriam implementar.
The Last of Us Part II é um jogo brilhante também quando o assunto é direção de cenas e atuação de vozes. Eu joguei o game inteiro em inglês porque é minha preferência pessoal e foram inúmeras as vezes que fiquei impressionado com a dublagem, em especial as da Ashley Johnson e da Laura Bailey. A forma como as duas transmitem emoções nas falas é digna de nota, bem como as partes nas quais Ashley e Troy Baker cantam. As expressões faciais, animações, enquadramentos, trilha sonora e falas são basicamente o padrão Naughty Dog e estou extremamente satisfeito com isso tudo. Sobre a versão brasileira, não posso falar com propriedade porque não joguei assim, mas ouço que muita gente ficou satisfeita, portanto jogue da maneira que preferir.
O jogo é dividido em duas metades e leva cerca de 25 horas para ser finalizado. Gosto da maneira como conduzem cada um dos dias em Seattle, acho a abertura do game bacana, com um tutorial melhor integrado ao ritmo do jogo do que no título original e só tenho uma ressalva quanto à lentidão do início da segunda metade da campanha. De resto, acho uma experiência excelente. Se você já gostava do primeiro jogo, diria que as chances de gostar desse são altas, pelo menos no que diz respeito estritamente a gameplay. Se você não era fã, ainda acho que é capaz de ter ideias aqui que podem te dar algumas boas horas de diversão e eu encorajo a jogar o game para tirar suas próprias conclusões.
E assim como o jogo é dividido em duas metades, chegou a hora de comentar sua história, com spoilers. Deixo quem não vai ler o resto do texto com a seguinte nota: The Last of Us Part II é um dos jogos mais densos, amargos, tristes, corajosos, emocionalmente extenuantes e dolorosos que eu já joguei. Divirta-se!
Estamos falando de um jogo sobre ódio. Também de um jogo sobre ciclo de violência, sobre consequências de atos do passado e, acima de tudo, sobre perspectivas. The Last of Us Part II é uma obra que não se resume ao simples preto no branco, mas sim a uma área cinzenta onde não existem meros heróis e vilões e sim humanos tentando sobreviver numa realidade macabra, difícil, perigosa e rude.
Mais cedo eu disse que chamar esse jogo de Part II era apropriado e realmente é, não só pela familiaridade dos sistemas de gameplay, mas principalmente porque é continuação totalmente direta do fim do jogo original.
Part II abre com a figura de Joel limpando um violão enquanto conta seus atos após chegar ao hospital dos Vagalumes para seu irmão, Tommy. Ele diz que criar uma vacina a partir do fungo incrustado no cérebro de Ellie causaria a sua morte e que ele a salvou desse destino.Também conta que ela não sabe da verdade, de que ele matou as pessoas envolvidas nesse evento e mentiu dizendo que a imunidade dela não servia.
É claramente um ato de amor paternal. Tommy entende a motivação de Joel, sabe que ele não aceitaria perder mais uma filha como aconteceu mais de vinte anos antes e justamente por isso diz que não tomaria uma atitude diferente da dele. Eles então cavalgam de volta para Jackson, uma cidade segura em meio ao caos instaurado no mundo, onde é possível ter um mínimo do que nós costumamos chamar de “vida normal”, e Joel entrega o violão a Ellie, cumprindo sua promessa de um dia ensiná-la a tocar o instrumento.
Quatro anos se passam e assumimos o controle de Ellie, agora com 19 anos e uma pessoa claramente mudada. Era para ser mais um dia de ronda pelos arredores de Jackson fazendo a limpa em infectados para proteger a comunidade da cidade, mas um grupo de viajantes altera drasticamente a vida da jovem.
Uma garota desse grupo, Abby, é salva de um ataque de infectados por Joel enquanto ele fazia sua ronda junto de Tommy. Eles escapam e correm para uma mansão onde os amigos de Abby estavam descansando e se escondendo. É lá que a garota revela o motivo de ter ido até a região de Jackson: matar Joel.
Abby atira na perna dele e o tortura com um taco de golfe, ainda sem nos dizer o porquê de querer matar o velho. Em seguida, após saber que Joel e Tommy sumiram, Ellie vai atrás dos dois e encontra a mansão onde os irmãos foram atacados. Ela é então imobilizada ao tentar salvá-los e obrigada a assistir Abby matar brutalmente Joel. É assim que o jogo dá sua premissa e também nos faz sentir um ódio profundo da atitude de Abby. “Como assim eles matam Joel desse jeito? Que desrespeito com o personagem!” é o tipo de coisas que você ouviu ou ouvirá por aí.
Depois desse evento, Ellie viaja para Seattle com sua amiga/namorada Dina a fim de encontrar Abby e o resto de seu grupo para se vingar do assassinato de Joel (e vai atrás de Tommy, que também resolveu viajar para se vingar da morte do irmão). O tal grupo é conhecido como WLF — Washington Liberation Front — e compõe um dos dois tipos principais de inimigos não-infectados do jogo. São numerosos, bem equipados e se provam mais organizados e competentes do que os Vagalumes jamais foram no primeiro jogo.
A jornada de três dias de Ellie se transforma numa busca raivosa por Abby e a garota é cada vez mais afetada pela obsessão de perseguir os membros da WLF. É notório como Ellie sofre de estresse pós-traumático e parece perder lentamente sua humanidade, sendo guiada apenas pelo ódio e pela sede de vingança.
No fim do terceiro dia em Seattle, ocorre um ponto de virada no jogo: Abby encontra o esconderijo de Ellie e seus amigos — Dina, Jesse e Tommy — e aí o jogo volta no tempo e nos conta novamente esses 3 dias, mas sob a perspectiva de Abby e nos fornece uma informação crucial: um dos médicos que Joel mata no final do primeiro game ao resgatar Ellie e suposta “única pessoa capaz de produzir uma vacina” é, na verdade, o pai de Abby. Sim, Abby também foi tomada pela sede de vingança e a morte de Joel é consequência de seus atos ao fim do primeiro jogo.
Aí Part II nos desafia a jogar na pele de uma personagem que odiamos por ter matado um personagem pelo qual sentíamos um enorme carinho. Mais do que isso, ele nos pede para termos paciência e ver “o outro lado”, lentamente tentando nos fazer simpatizar com Abby. Afinal, suas motivações para ter assassinado Joel são tão válidas quanto as que fazem Ellie ir atrás dos Lobos (em inglês wolf, “WLF”).
Na pele de Abby, somos apresentados ao seu grupo de amigos — os mesmos que atacaram Joel e Tommy no começo da história. Descobrimos que ela não é uma mulher exatamente ruim. É alguém que se importa com as pessoas que ama, se esforça para ajudar sua comunidade, gosta de animais e de colecionar moedas (uma característica que a liga ao seu falecido pai) e que também tem fraquezas, como medo de altura — algo que o jogo constrói aos poucos até chegar num ponto no meio do segundo dia de Seattle em que Abby é obrigada a enfrentar essa fobia. Além disso, ela literalmente se torna amiga de duas crianças pertencentes aos Serafitas — o outro grupo de inimigos do jogo — após estas salvarem sua vida quando ela é atacada por esse mesmo grupo.
Os Serafitas são uma espécie de culto religioso cujos membros se caracterizam por terem uma cicatriz no rosto (e por isso são chamados pejorativamente de Cicatrizes pelos Lobos). As duas crianças, os irmãos Lev e Yara, são perseguidos pelo resto de seu grupo após Lev questionar as tradições do culto. Lev nasceu como uma menina chamada Lily e recusou a obrigação de ter de se casar com um dos Anciãos de sua vila e ter tido seu desejo de se tornar uma guerreira como Yara negado. Por conta disso, Lily passou a se identificar como menino, mudando de nome e raspando a cabeça, o que é totalmente inaceitável para os Serafitas.
Quando Abby é salva pelos irmãos, Yara também estava sendo atacada e tem seu braço violentamente quebrado. Por conta disso, Abby decide ajudar a garota, levando-a até um esconderijo num aquário onde ela pode ser tratada por Mel, uma médica amiga de Abby, mas a situação não estava nada boa e era necessário amputar o braço da menina. Então Abby e Lev viajam até um hospital dos WLFs para encontrar os instrumentos necessários para a cirurgia.
Acompanhamos outros acontecimentos envolvendo Abby e Lev por esses três dias até chegarmos novamente ao teatro onde encontramos Ellie e seus amigos e então o jogo nos obriga a confrontar a garota. Não é nada agradável, mas no fim Abby termina por poupar Ellie e Dina a pedido de Lev.
Nas horas finais do jogo, novamente na pele de Ellie, vemos a garota ainda sem paz e inquieta, mesmo agora morando numa fazenda com Dina e seu filho (Dina estava grávida de Jesse, com quem já teve relacionamento). Ela resolve ir atrás de Abby mais uma vez após saber de seu paradeiro em Santa Barbara. Lá, encontramos Abby e Lev novamente, mas feridos e maltratados após terem sido aprisionados pela facção dos Cascavéis, que habitam a região.
Ellie solta a dupla, mas insiste em lutar contra Abby, por mais que esta recuse o confronto. Temos mais uma vez uma batalha desagradável e das mais difíceis de jogar que eu já vi. Difícil não pelas mecânicas de luta, mas sim porque a essa altura eu já estava tão apegado às duas mulheres que simplesmente não queria vê-las insistindo nisso. É uma luta tensa, amarga e infeliz. E termina com Ellie poupando Abby após se lembrar de Joel. Ellie finalmente percebe que matar Abby não traria seu velho companheiro e figura paterna de volta, mas só continuaria um ciclo de violência sem fim e que não levaria a nada.
A Naughty Dog foi corajosa em querer contar essa história. Não é uma narrativa bonita e tampouco agradável, mesmo que existam vários momentos de ternura e paz (a grande maioria aparecendo na forma de flashbacks tanto de Ellie quanto de Abby). Part II procura explorar a fundo os temas de vingança, ódio e perspectivas, mas também de amor, perdão e aceitação. É bastante denso e eu mesmo só fui digerir muita coisa na segunda vez que joguei a campanha.
Alguns dizem que o jogo não soube respeitar seus personagens, em especial Joel, argumentando que ele era um veterano nesse mundo agressivo e injusto, mas eu discordo disso. Vejo, na verdade, que Part II se esforça bastante para humanizar todos os seus personagens. E Joel é figura crucial na história.
No caso do velho contrabandista mesmo: acho fácil perceber que, no momento que acolheu Abby, ele simplesmente não a via como uma ameaça, diferente de outras vezes no passado onde ele perceberia uma emboscada. Além do mais, já são cerca de cinco anos vivendo numa comunidade pacífica e que inclusive recebe viajantes que costumam fazer negociações com a cidade.
Da mesma forma, não acho que Ellie esteja errada em poupar Abby. Aliás, ela mesma poupou a Ellie quando teve a chance de vingar os amigos que a garota matou. Não são questões simples e eu sei que não é todo mundo que vai aceitar o que o jogo quer passar aqui. Mas é uma aposta arriscada, corajosa e nada fácil.
Também acho impossível não traçar paralelos entre Part II e Metal Gear Solid 2: Sons of Liberty. Ambos os jogos tiveram campanhas de marketing que notadamente enganaram seu público (em MGS2 mostrando cenas que não existiam e escondendo totalmente a existência de Raiden como verdadeiro protagonista e em Part II trocando o modelo de Joel e o inserindo em cenas do meio do jogo em que ele jamais estaria, também mostrando sua versão mais velha em cenas de flashback onde ele era mais novo), além de esconder a Abby como segunda protagonista do jogo, mostrando em trailers apenas a primeira metade da campanha. Os dois jogos também foram inicialmente mal recebidos por uma parte barulhenta dos jogadores. No caso de The Last of Us Part II, eu até entendo quem tenha jogado e não gostado da história, o que é bem diferente das pessoas que simplesmente resolveram gritar contra o jogo sem tê-lo jogado por ele pela representatividade LGBTQ+.
Por fim, eu posso até achar que o início da segunda metade do jogo seja mais lento do que eu gostaria e também entender quem ache que a campanha toda é longa demais. Mas acredito que seja extremamente difícil contar essa história e também dar tempo de nos fazer simpatizar com Abby sem nos fazer jogar na pele dela por pelo menos 10 horas. Part II executa bem as suas principais ideias e de uma forma que é muito desafiadora e até rara no espaço AAA.
A principal conclusão que chego depois de ter passado todo esse tempo com The Last of Us Part II e de digeri-lo com calma e reflexão é que ele também se tornou um dos meus jogos favoritos de todos os tempos. Pessoalmente, o coloco à frente do jogo original não só por considerar que ele tem uma experiência mais refinada de gameplay, mas como um todo mesmo.
The Last of Us Part II é um jogo ousado e que me fez sentir certas emoções que nenhuma outra obra — seja jogo, filme, livro — me fez sentir antes, pelo menos não nesse nível. Eu fiquei vários minutos olhando para o nada enquanto seus créditos rolavam, pensando no que diabos eu havia acabado de jogar. E isso de forma alguma é no sentido negativo. Era uma sensação de ter jogado algo extremamente singular e que será um jogo que me acompanhará por toda a minha vida.
Existe uma entrevista em que Neil Druckmann, diretor criativo, co-criador de TLoU e vice-presidente da Naughty Dog, diz que seu maior medo com essa sequência não era que as pessoas a odiassem. De fato, que as pessoas o amem ou o odeiem é ótimo e é necessário que haja diálogo (respeitoso e razoável) sobre o jogo. Seu maior medo era de que Part II fosse um jogo que as pessoas vissem como insignificante, que não causasse algum impacto e apenas vissem como… “meh”.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm