Vou me permitir escrever este texto em primeira pessoa para compartilhar a minha relação pessoal com The Walking Dead. Na adolescência, acompanhei por um bom tempo a série original da AMC, que perdurou até pouco tempo atrás e já se desdobra em spin-offs de seus personagens. Talvez o que tenha me chamado mais a atenção não foram só os zumbis no contexto apocalíptico, mas a construção dos personagens. Porque me importava com eles de alguma forma.
A relação humana em um universo extremo acaba sendo o fio condutor de tudo o que pode ou deveria acontecer. Por isso, jogos com foco narrativo tendem a cair no meu gosto. Meio que o cenário macabro de criaturas estranhas vem de brinde. Quando a Telltale Games — até então uma das produtoras mais interessantes para mim — resolveu lançar uma história original baseada nos quadrinhos, eu só tinha o YouTube de referência para “jogar” pelos olhos das outras pessoas. Mesmo assim, era formidável.
Ao longo dos anos, várias temporadas saíram e terminaram junto com a reputação da empresa, que declarou falência em 2018. Sobrou para a Skybound Games finalizar o último projeto, que já estava em andamento, e tentar ao menos manter a imagem da saga neutra. Não ironicamente, um dos chefes da Skybound Entertainment é Robert Kirkman, o criador de The Walking Dead. Ao fim de tanta turbulência, o jogo havia retornado para casa. Em 2019, foi anunciado The Walking Dead: The Telltale Definite Series, uma coletânea com os quatro jogos principais, um extra e uma DLC, com mais de 50 horas totais de conteúdo. Só em 2023 que pude relembrar e viver toda essa jornada pela primeira vez, e mesmo após tanto tempo ela continua icônica e irreparável.
Além de reviver toda a experiência, o compilado da Skybound trouxe gráficos melhorados para todos os jogos, especialmente os mais antigos. Porém, a sensação ainda é de uma curva crescente em visuais e jogabilidade: da primeira à última temporada, o jogador acompanha a evolução da tecnologia do game junto com o crescimento de Clementine, a protagonista de quase toda a saga.
Se você não conhece a série de jogos, The Walking Dead da Telltale começa a partir da trama de Lee Everett, um professor universitário que está sendo levado para a delegacia por conta de uma confusão. Na rodovia, o carro do policial acaba atingido uma figura não identificada e perde o controle. Logo em seguida, Lee percebe que terá de lidar com mortos-vivos no que seria o início do fim do mundo. Em uma tentativa de procurar ajuda, ele encontra Clementine, uma criança indefesa em uma casa na árvore que está à espera de seus pais que não retornaram para casa.
Todos os jogos possuem uma variedade de personagens com diferentes nuances, além de uma boa dose de plot twists, testando o jogador em diversas situações que exigem escolhas imediatas. Toda ação desencadeia uma consequência a curto ou longo prazo, o que torna a narrativa mais dinâmica. A seguir, discorro um pouco sobre cada título, do menos favorito ao meu preferido. Mas vale adiantar: nenhum deles é medíocre.
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Michonne sempre será um dos rostos mais icônicos de The Walking Dead. Nada mais justo que criar uma história original adaptada para os videogames. Neste cenário, a personagem acompanha um grupo de amigos que navega procurando sobreviventes e alguma pista de vida útil. Enquanto enfrenta uma ameaça inesperada, ela precisa lidar com os traumas do passado, mais precisamente envolvendo suas duas filhas no início do apocalipse.
Com apenas três capítulos, The Walking Dead: Michonne é uma temporada sólida, com ricos detalhes visuais e uma narrativa que engaja o jogador. No entanto, é também a temporada mais rasa no que diz respeito à construção de personagens. Ainda sim consegue se sustentar com seu conteúdo.
Talvez uma das temporadas mais cruéis com a protagonista, The Walking Dead: Season 2 não mede esforços para levar Clementine ao limite. Desde o início, acompanhamos a jornada dura demais para nossa heroína que, por sua vez, encontra um novo grupo para se instalar. Mas, ao contrário do grupo de Lee, esse é muito mais instável e cheio de mentes duvidosas.
O que a segunda temporada consegue fazer é elevar o drama (já muito presente na primeira temporada) à décima potência. Clementine passa a lidar diretamente com situações muito hostis que eventualmente vão defini-la como pessoa adulta mais para frente. Além disso, sua nova trupe está longe de ser a mais receptiva, mas representa a parte da humanidade que perdeu a esperança da vivência — e, às vezes, da sobrevivência também. Mas a maior lição é que os acontecimentos inesperados são sempre mais impactantes, seja ao lado de rostos novos ou de já conhecidos.
Um clássico é um clássico. Por mais que seus gráficos sejam mais simples e seu gameplay seja mais travado, não há dúvidas que a primeira temporada da série da Telltale entrega uma das narrativas mais marcantes dos jogos modernos.
À beira do apocalipse, Lee Everett está perdido, assim como Clementine, uma criança presa em sua casa na árvore, no quintal. Juntos, eles dependem um do outro para criar laços e sobreviver aos zumbis e aos outros humanos. The Walking Dead: Season 1 traz um grupo diverso de personagens, cada um com suas particularidades, que vão acabar atravessando o caminho de Lee e Clementine de maneiras irreparáveis. O final, por si só, é um show à parte. Completamente avassalador.
Na coletânea que reúne toda a série, a DLC 400 Days está inclusa. Ela apresenta cinco histórias de personagens que aparecerão na Season 2 e como elas se cruzaram até ali. Apesar de sua relevância ser pequena para as consequências da segunda temporada, é interessante ver o outro lado do coadjuvante (da trama do jogo e, talvez, da sua própria trama).
Provavelmente este é o jogo menos querido pela comunidade, e os motivos vão dos mais embasados até os mais suspeitos, como “não dá para jogar com a Clementine”. Apesar desse fato, The Walking Dead: A New Frontier recompensa com uma narrativa cheia de nuances e figuras bem desenvolvidas e com muita personalidade.
No jogo, Javier viaja pelos Estados Unidos em uma van com Kate (esposa de seu irmão David) e seus sobrinhos Gabriel e Mariana — o adolescente e a criança são afilhados de Kate. Por um desastre em sua casa e o início de todo o caos, os quatro acabaram juntos em um mundo de incertezas. Os eventos tomam proporções maiores assim que eles cruzam com uma gangue mal intencionada. A sorte deles é poder contar com uma outra adolescente estranha que também surge no caminho: Clementine.
A New Frontier consegue retratar muito bem os sentimentos dos personagens. Em um jogo que se propõe ser incisivo em suas escolhas, é difícil não se apegar com a maioria deles. Além disso, o que não falta é drama familiar e amoroso, do jeito telenovela que adoramos.
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A última temporada tinha alguns desafios: o primeiro deles era entregar um desfecho à altura de toda a jornada de Clementine. Não só conseguiu como fez os jogadores ficarem com saudade de revisitar a ótima trama. O segundo desafio era sobreviver à falência da Telltale, mencionada anteriormente, que aconteceu entre um lançamento de capítulo e outro. Ou seja, as chances de dar errado ou de até mesmo o fim da história nunca ver a luz do dia eram incrivelmente altas. Por fim, a última temporada precisaria inovar em algum quesito para se destacar perante a quatro jogos já lançados.
The Walking Dead: The Final Season, na verdade, faz milagre com o que lhe foi concedido e no tempo que foi determinado. Com uma equipe muito talentosa, o jogo respira criatividade e emoção através de tantos personagens interessantes, pegos em uma dinâmica diferente de tudo que a protagonista viveu até ali.
Aqui, Clementine não é mais aprendiz, e sim tutora de AJ. Um bebê que adotou como sua segunda vida lá na segunda temporada. Juntos, eles encontram um orfanato abandonado pelos adultos e povoado pelos menores de idade. Os dramas pessoais emergem em meio a uma guerra paralela que um esquadrão passa e quer incluir esses adolescentes.
São tantos triunfos neste jogo. O primeiro deles é a jogabilidade nova e livre da câmera limitada aos comandos de ação. É possível explorar mais o mapa vivo, como se tivesse expandido a gameplay de A New Frontier. Mais um ponto interessante é como as escolhas são feitas. Dessa vez, elas realmente importam ao limite. Além de se preocupar consigo, o jogador tem de tomar cuidado com os outros jovens e ensinar AJ como é viver e crescer em um mundo tão hostil.
Pela primeira vez, personagens são abertos a romance, se for de interesse do jogador. Uma margem grande de situações podem ser vividas ou evitadas, dependendo de com quem você segue. Qual é o lugar da criança nesse mundo? Como reagir em momentos extremos? São lições vitais para o destino de Clementine e AJ.
Mas talvez a maior vitória desta temporada seja na homenagem a tudo que passou e a quem já esteve presente em todos esses anos de lançamentos. A saga The Walking Dead virou referência em como contar histórias em jogos. O nível de criatividade e de talento colocados em cada temporada inspiram muitas pessoas hoje, e devem continuar ainda por um bom tempo. E que sorte a nossa.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm