O cinema japonês dos anos 50 e 60 é recheado de filmes de samurai extremamente bem feitos e visualmente marcantes. Obras de Akira Kurosawa, como Os Sete Samurais (1954), Trono Manchado de Sangue (1957), Yojimbo (1961), ou de Masaki Kobayashi, como Harakiri (1962), não só envelheceram feito os melhores vinhos, como também permanecem influentes até hoje, indo além da sétima arte nesse aspecto.
É dessa fonte nipônica que muito bebe Leonard Menchiari, desenvolvedor indie responsável pelo platformer cinemático The Eternal Castle, pelo curta interativo Neo Dusk e, agora, pelo épico samurai Trek to Yomi, desenvolvido em conjunto com os poloneses da Flying Wild Hog e publicado pela Devolver Digital.
Trek to Yomi é visualmente impressionante e captura muito bem a estética dos melhores planos e cenas daqueles clássicos cinematográficos – um grande mérito, considerando que foi feito por um time pequeno – e também traz um espetáculo no departamento sonoro, com atuações japonesas de primeira linha e ótima mixagem de som. Da mesma forma, é fácil identificar diversas influências de clássicos dos videogames em seu pedigree, indo dos títulos da Playdead (Limbo e Inside) até os clássicos Ico, Another World e Prince of Persia (1989). Mas a pergunta que realmente importa é a seguinte: em termos puramente gamísticos, Trek to Yomi se prova tão inspirado quanto o é esteticamente falando?
A primeira coisa que encontramos ao passar pela tela de título de Trek to Yomi é seu seletor de dificuldades: fácil, médio e difícil – ou Kabuki, Bushido e Ronin, respectivamente. Há também o Kensei, liberado após atingirmos os créditos e se trata de um modo em que todo mundo morre com apenas um golpe, incluindo você. Após selecionarmos a dificuldade desejada, somos levados a uma breve introdução nos apresentando ao protagonista, o jovem Hiroki, e ao seu sensei, o samurai Sanjuro (aliás, Sanjuro é curiosamente o nome da sequência do filme Yojimbo, ambos dirigidos por Akira Kurosawa).
Nessa apresentação-tutorial, o jogo nos ensina o básico do seu combate – ele se desenrola em telas fixas, onde temos quase sempre movimentação de sidescroller – introduz um sistema de parry, que é familiar caso você tenha jogado Sekiro ou Ghost of Tsushima, e ensina a combar com sequências de ataques fracos ou fortes, administrando stamina. Conforme avançamos, esse combate se desenvolve junto da própria habilidade de Hiroki, nos dá armas como arco e flecha e mais movimentos, mas nunca foge muito dessa descrição básica, o que pode ser visto tanto positiva quanto negativamente (mais sobre isso adiante).
É muito bacana que já de cara Trek to Yomi busca impressionar com a composição de cada uma de suas telas. Todas elas feitas com elegância, atenção a detalhes e cuidado. A própria vila do início do jogo – onde Hiroki vive com Sanjuro e sua filha, Aiko, grande amiga, confidente e interesse amoroso do protagonista – já prova quanto tempo os desenvolvedores passaram pensando na posição de cada objeto, cada morador e na própria arquitetura daquele lugar, bem como na forma que a câmera se comporta e onde fica parada, enquadrando cada “cena”.
Em muitos dos melhores filmes de samurai, em particular de Kurosawa, é notório como os planos enfatizam o movimento, seja da natureza, seja de grupos de pessoas, seja de indivíduos (muitas das vezes se comportando até mesmo de maneira exagerada para transmitir sentimentos), seja o da própria câmera ou dos cortes na edição. Trek to Yomi entende muito bem isso na hora de posicionar a câmera do jogo nos cenários, enquadrar as arenas de combate e boss fights, demonstrar a força da natureza agindo quando um raio atinge uma árvore ou a forma que um prédio desaba em chamas durante uma fuga urgente. Há grande beleza e maravilhamento visual nisso e é certamente o maior mérito do jogo.
Trek to Yomi tem uma história bastante simples: numa certa época da infância de Hiroki, a paz de sua vila é abalada com a invasão de bandidos, o que não era incomum nos tempos do Japão feudal. Felizmente, graças a Sanjuro e ao próprio Hiroki, o ataque é interrompido e a tranquilidade é restaurada, persistindo por muitos anos. Já em sua fase adulta, tendo completado seu treinamento samurai, Hiroki é guiado por um forte senso de honra e dever, sempre defendendo os inocentes e matando sem hesitar aqueles que ousarem ameaçá-los, preferindo agir ao invés de discutir.
Ao lado de Hiroki, continua presente Aiko, que se tornou uma verdadeira líder para a vila, respeitada pela sua mente estratégica e sua autoridade natural, mesmo que ainda tão jovem. Juntos, Aiko e Hiroki olham pela vila seguindo os passos de Sanjuro e protegendo os mais fracos. Isso se estende até mesmo para regiões vizinhas quando sofrem mais ataques de bandidos similares ao da infância de Hiroki, e é exatamente durante um desses ataques que vários dos eventos mais importantes da vida de Hiroki se desenrolam, levando-o às profundezas do Yomi (黄泉), terra dos mortos na mitologia japonesa.
Essa trama não é um grande exemplo de originalidade ou complexidade, mas funciona bem dentro da proposta do jogo. É um pano de fundo que casa bem com o gênero e justifica a jornada de Hiroki, ainda que contenha certa dose de previsibilidade. A grande graça de Trek to Yomi está em apreciar todo o esforço posto em sua apresentação e, mesmo que o roteiro não seja inovador, é muito bem guiado pelo talento dos atores e pela excelente entrega dos diálogos em japonês. O espetáculo é deveras audiovisual, aqui.
Trek to Yomi é dividido em capítulos curtos (marcados pelas conquistas e não por cartões dizendo “CAPÍTULO XYZ”) e é uma daquelas experiências de se terminar em uma tarde. Cada uma de suas regiões procura explorar os cenários seguindo aquela perspectiva 2.5D, com seções mais sidescroller e outras um pouco mais livres em movimentação,, mas sempre com a câmera fixa e perspectiva dirigida por Menchiari. Os cenários se resumem a vilas, florestas, templos e à própria região do Yomi. Pela sua curta duração, nunca senti que essa pequena variedade fosse cansativa e o jogo se esforça para colocar coletáveis e outros segredos fora do caminho principal, incentivando a exploração para quem tiver interesse nisso.
As “fases” do jogo têm partes facilmente divididas em “arenas de combate”, “seção de exploração”, “quebra-cabeças” e, claro, “hora de enfrentar o chefe”, encerrando cada capítulo. Em questão de ritmo, principalmente no começo, essa divisão é bastante saudável e o jogo é generoso com seus checkpoints, uma ótima escolha visto que é bem fácil morrer nas dificuldades mais elevadas e até mesmo nas mais baixas se você não for cuidadoso.
Em termos de chefes, o jogo não surpreende muito e não os acho muito memoráveis, mas os encontros em si são bem-vindos e pedem que o jogador prove que aprendeu bem seu sistema de combate. E por falar em combate, sua simplicidade é um ponto… curioso. Em resumo, o jogo começa bastante agradável justamente por ter esse balanço decente entre reatividade do jogador frente os tipos de inimigos (bandidos individuais, bandidos em grupos, bandidos com lanças, entidades sobrenaturais, etc…) e é satisfatório aprender o timing de repelir ataques, contra-atacar, virar rapidamente para direções opostas e punir inimigos que se aproximavam pelas costas, atacar a longa distância com armas diferentes, usar o próprio cenário a seu favor (com armadilhas) e também sempre levar em conta o custo de suas ações, na forma do consumo de stamina. Tudo é bastante familiar e funciona… mas pode ficar cansativo ao longo do tempo, já que Trek to Yomi nunca vai além do básico dos jogos de ação e isso é infelizmente uma pena. Talvez a filosofia aqui pudesse ser de design por subtração, polindo o que era realmente essencial, ou o oposto dela, dando mais robustez à mobilidade de Hiroki e explorando mais a criatividade nos encontros e na variedade de inimigos, especialmente ao longo das 5 ou 7 horas de gameplay.
Outro ponto de simplicidade reside nos quebra-cabeças. Trek to Yomi nunca abusa do uso de puzzles, mas também nunca se prova inspirado na hora de usá-los. São sempre desafios simples e, embora eu os tenha resolvido da maneira que foi planejada pelos desenvolvedores, é muito fácil simplesmente forçar seu sucesso a partir da tentativa e erro. Houvesse um equilíbrio maior entre desafio, variedade e surpresa, talvez esse pudesse ser um dos pontos de maior destaque do jogo, já que os elementos da cultura japonesa são ricos e foram bem utilizados.
Por fim, joguei Trek to Yomi em um PC bem próximo de suas configurações recomendadas e não tive nenhum grande problema (salvo um crash bobo no meio do jogo em que a tela ficou preta e nada voltava ao normal até eu reiniciar o game) para rodá-lo com tudo no máximo em 4K, quase sempre atingindo 60 fps. Realmente penso que a melhor maneira de apreciar Trek to Yomi é mesmo aproveitando a melhor configuração visual que estiver à sua disposição, já que o grande impacto do jogo está em toda a sua construção estética e audiovisual.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm