Matéria: Desafios e conquistas em Celeste - Neo Fusion
Matéria
Desafios e conquistas em
Celeste
6 de fevereiro de 2018
Código do jogo fornecido pela MiniBoss. Para evitar possíveis conflitos de interesse, nós do Nintendo Fusion evitamos fazer análises tradicionais de jogos brasileiros, mas ainda desejamos criar conteúdo sobre aqueles se destacam por sua qualidade, abordando algum aspecto que nos chamou a atenção.

Quando comecei a jogar Celeste, minhas primeiras impressões foram que este é um jogo incrivelmente polido e divertido, porém sem depender de mecânicas particularmente inovadoras dentro do contexto de jogos de plataforma. Afinal, sua mecânica central é um dash, algo que vemos no gênero desde Mega Man X vinte e tantos anos atrás.

Ao continuar o jogo, essa sensação nunca foi completamente embora. Olhando estritamente pela jogabilidade, o fato permanece que o título não traz muito que eu nunca vi em outros jogos, apesar de saber usar essas características de formas muito criativas e com um level design de alta qualidade. Mas essa minha percepção é, em parte, culpa do meu perfil como jogador, que quase sempre favorece jogabilidade acima de narrativa.

Nesse tempo todo, era com a narrativa que Celeste estava inovando dentro do contexto do gênero.

Influências, homenagens e progresso

Muitos jogos independentes prestam homenagem direta a grandes clássicos da indústria, em particular àqueles que começaram com 8 ou 16 bits, como Metroid, Mega Man ou Castlevania. Apesar de haver em Celeste uma clara influência da série Mega Man, ele pertence a um subgênero muito mais recente, fortalecido principalmente por Super Meat Boy, um indie que, por sua vez, já é considerado um clássico.

Super Meat Boy, é claro, presta diversas homenagens aos jogos de antigamente, mas inova no gênero de plataforma em 2D com sua estrutura de fases curtas e desafiadoras, feitas para o jogador morrer diversas vezes sem desistir (curiosamente, o primeiro jogo de Matt Thorson chamava-se Jumper e apresentava essa característica alguns anos antes de Meat Boy). Porém, o jogo do garoto de carne mantém uma característica tradicional do gênero, que é a narrativa extremamente simplista.

Desde que Super Mario Bros. definiu seu objetivo como apenas resgatar a princesa, personagens superficiais e objetivos genéricos têm sido a norma para jogos de plataforma. Às vezes precisamos resgatar bananas e às vezes temos que salvar o mundo de algum inimigo maléfico, mas esse nunca é o foco do jogo. E Super Meat Boy não é diferente disso — no fim das contas, o objetivo é apenas resgatar a garota atadura.

Em Celeste, também, o objetivo principal é simples. Nossa protagonista, Madeline, deseja escalar a misteriosa montanha Celeste, localizada no Canadá. Parece até um análogo ao nosso propósito como jogador: queremos chegar ao fim do jogo apenas porque ele existe e está nos propondo esse desafio. Não temos obrigação nenhuma de jogá-lo, assim como Madeline não tem obrigação de escalar Celeste. O desafio é algo pessoal.

E são nessas sutilezas narrativas que Celeste se destaca. Além da jogabilidade desafiadora, precisa e empolgante, há diversos análogos que podem ser feitos entre a história de Madeline e nosso papel como jogador.

Uma luta que vem de dentro

Essa relação entre a história e a jogabilidade se torna cada vez mais aparente à medida em que progredimos no jogo. Em particular, ela é demonstrada pela presença de uma versão “sombria” de Madeline, uma representação dos conflitos que Madeline guarda dentro de si. Todos os pontos de depressão, as dúvidas e incertezas, a raiva e a angústia de Madeline são incorporadas nessa personagem misteriosa.

Nossa primeira interação com essa sombra é fugir dela. Encostar nessa criatura leva à morte, demonstrando o tamanho do poder que a sombra tem sobre Madeline. Não sabemos exatamente se a criatura existe dentro da ficção do jogo ou é apenas fruto da cabeça da protagonista, mas, como jogador, isso é indiferente. Para chegar ao fim da fase e progredir no jogo, precisamos evitar o contato.

A narrativa de Celeste não funcionaria se fosse um jogo fácil. Apesar de existir um modo de assistência feito para torná-lo mais acessível a qualquer jogador, é fortemente encorajado evitá-lo se possível. Para entender o pavor que Madeline tem por sua versão sombria, é necessário que nós, jogadores, também tenhamos medo daquele ser que nos persegue. E, para entender o tamanho do desafio que Madeline propõe a si mesma ao decidir escalar Celeste, além da sensação de vitória passada ao atingir o cume da montanha, precisamos saber que cada passo daquela jornada é árduo.

É isso que faz a jogabilidade de Celeste ser tão empolgante e satisfatória. Por mais que jogos como Super Meat Boy e The End is Nigh sejam até mais desafiadores que Celeste, cada fase daqueles jogos parece ser apenas mais um passo em direção a um objetivo qualquer estabelecido pelo próprio jogo. Celeste mostra que não é preciso resgatar alguém amado ou salvar o mundo para criar uma narrativa poderosa. Ao criar um objetivo que origina da própria personagem, é gerada uma conexão pessoal com a posição do jogador. Cada fase que passamos é um passo em direção a um objetivo que nós mesmos estabelecemos, sem a pressão de algum clichê para nos manter na linha.

O problema de objetivos estabelecidos por conta própria é que pode ser fácil querer desistir quando os desafios tornam-se maiores do que o esperado, e o jogo também reflete isso em determinados momentos. É bom tomar pausas de um jogo muito difícil, mas nada nos impede de desistir completamente e jogar algo mais relaxante. Nenhum personagem fictício vai morrer se fizermos isso.

O jogo mesmo nos diz para nos orgulharmos das centenas de vezes que morremos durante suas fases. Esse número não representa quantas vezes fracassamos, mas sim quantas vezes não desistimos.


Celeste é criação do canadense Matt Thorson, com roteiro de Noel Berry, música de Lena Raine e arte do estúdio brasileiro MiniBoss (composto por Pedro Medeiros, Amora B. e Heidy Motta).

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Comentários

Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.

O sorteio vai ser ao vivo via live???

Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)

Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.

Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png

cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...

Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público

Agora sim vou ter meu switch o/

Sim!

Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?

Reativei minha conta só pra promoção kkkk

Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte

Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!

Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.

sera que agora ganho o

Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.

Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?

Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!

Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)

Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?

? vou seguir o Renan aqui tbm