Na definição do The Bagpipe, hype é “essencialmente um termo usado para descrever uma geração obcecada em descobrir a próxima grande coisa. É uma cultura definida pela animação e adrenalina — quase ao posto da exaustão própria”. Ele pode aparecer em qualquer lugar: no campo médico, no mercado literário e, mais comumente à minha vivência, no universo dos games.
Nesse segmento, o hype muitas vezes “é o Rei” e envolve uma boa dose de marketing e antecipação. Cada anúncio é pensado milimetricamente para despertar o máximo possível de atenção, com a intenção de empolgar consumidores e torná-los dispostos a votar com a carteira — antes mesmo do lançamento, de preferência.
Essa excitação pode ser construída de várias maneiras. Com franquias ou empresas já conhecidas, a coisa é mais fácil. Sei como é: mesmo depois de ter meu coração destruído pela BioWare — não uma, mas duas vezes seguidas —, ver esse nome associado a um novo projeto ainda me dá esperanças.
E isso não é exatamente algo racional. Ao vermos um nome que nos remete a boas lembranças, automaticamente somos levados a crer que seu novo projeto causará o mesmo efeito. O mesmo ocorre com uma série pré-estabelecida: personagens, estilos de gameplay e narrativas conhecidas ajudam a dar um voto de confiança na hora de investir em um novo game.
Outros caminhos “fáceis” são investir em ambientações e inspirações narrativas consagradas, gráficos belos, promessas de novos sistemas de gameplay ou uma animação super bem produzida. Todos eles cumprem bem a tarefa que, em essência, tem o objetivo de criar expectativas — nem que, para isso, seja preciso “embelezar” um pouco as coisas.
A construção do hype envolve saber mexer com as emoções. A teoria clássica da economia pressupõe que os consumidores sempre vão tomar decisões de forma racional baseado nas informações disponíveis. Partindo desse pressuposto, gastar R$ 400 em um jogo para ter acesso a uma única missão extra não faz muito sentido, especialmente quando ainda não pudemos ver muitos detalhes sobre ela. Na prática, as coisas não funcionam bem assim, como bem sabemos.
Por isso tendo a concordar mais com a pesquisa de Richard Thaler, economista norte-americano que recebeu o Nobel de Economia em 2017. Ele afirma que seres humanos nem sempre são racionais em suas escolhas — para ele, elas são baseadas em questões subjetivas e culturais que, muitas vezes, pesam muito mais que a própria racionalidade.
É justamente nessa parte subjetiva (e impulsiva) que a “indústria do hype” mira. E isso não se limita ao mundo dos games. Há hype para edições limitadas de tênis Air Jordan, lançamentos de quadrinhos, filmes de Hollywood e outros produtos culturais. Há inclusive marcas de roupa baseadas em reduzir ao máximo a oferta de novas peças para gerar uma sensação de escassez e aumentar a busca para seus produtos — e, consequentemente, suas vendas.
Não vou entrar em questões sobre a ética do capitalismo (até porque ela não existe), tampouco questionar qual a moralidade da publicidade ao usar o emocional para nos convencer a consumir um produto. Até porque, em essência, eu não tenho problema se você está “hypado” com alguma coisa. Sério, nenhum mesmo.
“Se você quiser soltar um foguete porque sua franquia favorita vai ganhar um novo capítulo, vá em frente.”
Se você quiser soltar um foguete porque sua franquia favorita vai ganhar um novo capítulo, vá em frente — só tente não incomodar os vizinhos. Se comprar um jogo em pré-venda te faz feliz e você tem dinheiro para isso, vá em frente. Até porque, se eu dissesse que “tá proibido se empolgar”, estaria sendo no mínimo hipócrita.
Chegou uma parada aqui pic.twitter.com/SXlYZjJHyN
— Felipe 'Guguelmin' Gugelmin (@kyobr) June 13, 2020
Não fosse o hype, nunca teria comprado edições de colecionador de Metal Gear Solid V: The Phantom Pain ou duas versões de Persona 5, por exemplo. Também cedo ao hype e tenho meus momentos de consumidor que se empolga com as coisas, mesmo quando isso não faz muito sentido racional. Por favor, não me pergunte quantos games comprei em pré-venda e ainda não joguei — fico constrangido só de pensar em ter que responder.
Meu problema com o hype — e com todas as ferramentas de marketing e comércio associadas a ele — acontece quando jornalistas passam a acreditar que isso não é somente algo natural da indústria, mas que devem “abraçá-lo com força”. E fazer isso é algo bastante fácil e confortável: há uma seleção rica de press releases, vídeos de divulgação e materiais pré-produzidos para gerar conteúdos altamente “hypáveis” que ajudam a alimentar expectativas.
Alimentar expectativas não é o papel do jornalismo. Isso é algo que deveria ser reservado a departamentos de marketing, que tem obrigação de vender um produto da melhor maneira possível. Também é algo para assessorias, que devem passar mensagens de maneira “redonda” e não deixar vazar nada que fuja da narrativa desejada. Mas, repito, não é o trabalho do jornalismo.
Se para você essa informação é óbvia, sinto que ainda assim é importante reforçá-la pela impressão de que, para muitas pessoas, não é tanto assim. Na universidade, a primeira coisa que aprendi é que não existe a tal “imparcialidade”: a ordem que escolhemos para uma frase e a hierarquização de assuntos já quebra esse mito. Tudo é essencialmente subjetivo e dar mais ou menos importância a uma informação já é ser parcial.
A lição que veio logo em seguida foi: se não é possível ser imparcial, é preciso ao menos tentar ser isento. Isso significa seguir regras como sempre ouvir os dois (ou mais lados) e oferecer contextualização suficiente para que, ao chegar ao fim de um texto, o leitor consiga entender o que aconteceu e tudo o que se relaciona ao assunto.
Por mais que “ouvir os dois lados” seja algo questionável — especialmente quando são dois lados muito desiguais —, a intenção final é a mesma: apelar para o lado racional. Isso muitas vezes é algo complicado e que se baseia em pretensões científicas que nem sempre são fáceis de seguir. Ainda assim, isso ainda continua sendo a base do jornalismo.
Criar um conteúdo com características isentas não é exatamente fácil, especialmente no mundo dos games. Em um meio tão protegido por departamentos de relações públicas é difícil cultivar boas fontes — especialmente se você está no Brasil, longe dos grandes centros da indústria. E nada representa melhor isso do que uma mesa recheada de Doritos e Mountain Dew.
Em um texto publicado em 2012 pela Eurogamer (que se mantém atual apesar da idade), Rab Florence expôs bem a relação promíscua entre o jornalismo gamer e o assunto que deveria cobrir. Segundo ele, é sintomático que Geoff Keighley, conhecido como um dos “líderes da indústria” e um “expert”, não veja problemas em estar rodeado de junk food e propagandas.
Como Florence explica, esse não é um comportamento comum somente a Keighley, e muitos jornalistas estão dispostos a sentar na mesma mesa como forma de pertencer a um grupo. Quem questiona a relação de proximidade entre produtores de conteúdo e profissionais de relações públicas geralmente é visto como “amargo” e fica de fora do grupo.
“Não há nada de errado em querer pertencer, ou querer ser reconhecido por seus pares. Mas é importante perguntar quem são seus pares, e a que exatamente você sente que deve pertencer”, afirma Florence. “Tenho uma lista mental de jornalistas de games que são os piores do grupo. Aqueles que estão em todos os almoços de RP, aqueles que tweetam sobre todos os itens gratuitos que recebem. Sou fascinado por eles”, continua.
“Sou fascinado por essas criaturas porque elas estão vivendo uma das existências mais estranhas — eles estão brincando de ser algo que não entendem. E, se não entendem, como podem amá-la? E se não a amam, por que estão brincando de ser isso?”, questiona o jornalista. Segundo ele, esse grupo forma a maior parte do que conhecemos como “jornalismo de games” — e é difícil não concordar.
Para fazer o trabalho jornalístico de maneira adequada e obter uma informação que vá além do “oficial”, muitas vezes é preciso ser o popular “chato do rolê” — e confie em mim, não é legal nem fácil assumir esse papel. Quando você está num ambiente marcado pela descontração e no qual é super bem tratado, não quer ser “o chato” que pergunta sobre acusações de trabalho excessivo ou os motivos pelos quais um jogo que trata de guerra se diz como “apolítico”.
Fazer essas e outras perguntas é incômodo e poder causar mal-estar, além de resultar em muitas portas fechadas. Enquanto a Game Informer, que faz o “arroz com feijão” do jornalismo, consegue capas exclusivas — muito por sua ligação com a rede varejista GameStop —, cabem a sites como o Kotaku ou ao Destructoid reportar o lado mais sórdido da indústria, o que já os fez entrar para a “lista de excluídos” de muitas empresas.
Be curious, be persistent, ask people to explain things to you like you're five years old, don't be afraid to piss off powerful people, protect your sources, follow stories where they actually lead and not where you hope they'll lead https://t.co/9vDss7nsLZ
— Jason Schreier (@jasonschreier) June 22, 2020
É até chocante pensar que, dentre todos os nomes da indústria, é difícil listar alguém além de Jason Schreier como o de uma figura que expõe “os podres” de estúdios com culturas abusivas. Em um universo em que revelações do tipo surgem em ritmo constante, Schreier teria de tudo para ser “mais um” e não uma das poucas referências.
O que acontece é que falar de coisas sérias fecha muitas portas. Não somente com empresas — que, estão adotando medidas mais responsáveis —, mas também entre seus pares. Ser o “chato do rolê” faz pessoas questionarem seus motivos para estar no meio e as estimula a taxá-las como o “amargo que gosta de estragar a alegria dos outros”. Porém, isso precisa ser feito. Caso contrário, corremos o risco de viver eternamente em um meio onde dizer que “games são arte” vai parecer somente uma tentativa falha de obter uma validação externa.
Se queremos que jogos sejam levados como uma mídia respeitada, temos que assumir também o “lado ruim” de algo ser considerado arte. É preciso assumir que o meio também pode — e deve — ser alvo de críticas. Não somente dos conteúdos que chegam aos consumidores, mas também da maneira como eles são produzidos e cobertos pela mídia especializada.
Sinto que, em épocas de internet, exigir que a produção de conteúdos jornalísticos “puxe o freio” é uma batalha perdida. Isso porque, no fim das contas, hype vende e chama muito mais a atenção do que uma tentativa de expor assuntos de forma mais ponderada ou de uma forma que apele ao racional. Entre a razão e o entretenimento, o que é puramente “divertido e empolgante”, o segundo ganha de lavada.
Não sou eu quem está falando isso: são cientistas. Um artigo publicado pela Nature mostra que o hype afeta mesmo até o segmento da divulgação científica e tem muito a ver com visibilidade e consumo. É muito mais fácil “vender” um trabalho científico dizendo que “um estudo com ratos mostrou que comer bacon pode evitar o câncer”. Só não é tão interessante entrar nos pormenores de que essa foi uma teoria que se provou em poucos casos — e que os efeitos adversos envolvem aumento da pressão arterial e do risco de infarto.
“Veículos de mídia estão competindo por leitores e há pressão para conquistar a atenção dos olhos com grandes declarações e descobertas chamativas”
“Veículos de mídia estão competindo por leitores e há a pressão para conquistar a atenção dos olhos com grandes declarações e descobertas chamativas”, afirma a Nature. “Há muita competição e pressão do tempo”, explica Petroc Sumer, da Universidade do País de Gales, um dos coautores do estudo. “Essas pressões podem significar que exageros ocorrem e não são corrigidos ou modificados”.
Mas você não precisa que eu explique isso: é só lembrar das redes sociais para conseguir reunir em poucos segundos algumas memórias bem frescas dos famosos “clickbaits”. Muitas vezes, do ponto de vista de quem quer acesso, o importante não é exatamente informar. O importante é chamar sua atenção e garantir que você vai ficar no site durante o maior tempo possível.
Este texto mesmo é feito com intenção semelhante: se você leu até esse ponto é porque, em certo ponto, minha intenção foi montar argumentos de forma a aumentar a audiência desta página. Mas reconheço: seria muito mais fácil fazer isso usando uma quantidade generosa de adjetivações ou subtítulos exagerados beirando a desonestidade.
A questão é: se você acredita que, como jornalista, abraçar o hype não é problemático, esteja preparado para encarar as consequências. Se alguém duvidar da integridade de uma análise cujo autor “hypou” o game analisado desde o primeiro anúncio, é preciso entender que esse questionamento não somente é aceitável, mas bastante lógico.
Falo por experiência pessoal: sei que dediquei mais tempo do que deveria a Anthem, em busca de algo que pudesse “redimir” o jogo, porque minha ligação emocional com os criadores entrou em jogo. Fazer a distinção entre nossas expectativas e experiências passadas daquilo que acabamos de experimentar não é fácil e, ouso dizer, nem totalmente possível. Mas, se quisermos algum dia atingir a tão sonhada “isenção”, é um esforço válido.
Da mesma forma, produzir matérias que não questionam e só alimentam as expectativas preparadas por desenvolvedores também é algo que provoca consequências pelas quais devemos responder. O choque causado pela qualidade final de títulos como The Order: 1886 e No Man’s Sky não é algo que deve “ficar na conta” somente de seus criadores.
Se a “mídia gamer” não tivesse abraçado tanto o material de marketing e feito as perguntas certas, se alguém tivesse agido um pouco como o “chato do rolê”, quem sabe teríamos uma ideia melhor desses jogos antes do lançamento e os consumidores também estariam mais informados na hora de fazer suas compras.
Quando alguém vai nos comentários de um site e fala “eu não teria comprado se vocês não tivessem feito tanto hype, vocês mentiram para mim”, não dá para tirar o corpo fora. Se você agiu como uma ferramenta de marketing e traiu a confiança de alguém que estava ali para se informar, não “participar da festa”, é preciso assumir as consequências e repensar se vale a pena continuar nesse caminho porque “ficar questionando toda hora é chato demais, eu só queria curtir meus joguinhos em paz”.
“Padrões são importantes. Eles são difíceis de cumprir, claro, mas esse é o ponto deles. O problema com o jornalismo de games é que não há padrões. Esperamos ver Geoff Keighley sentado ao lado de uma mesa de m****”, explica Florence. “Esperamos ver jornalistas de games falhando em entender o que a integridade jornalística significa”, complementa. E até hoje, 8 anos depois da publicação de seu texto, é difícil não concordar com ele.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm