Independente da qualidade de um jogo, existe uma sensação que define o momento ao olhar a tela de créditos, deixar o controle de lado e descansar as mãos. Geralmente vem uma satisfação, que às vezes traz uma paz de espírito por cumprir algo legal do início ao fim. Eventualmente há um anseio de desvendar mais coisas, buscar entender as ideias por trás de alguns aspectos, ler e ouvir outras impressões — tanto da crítica quanto de jogadores.
No entanto, tem se tornado comum o sentimento de alívio, de se livrar de uma sobrecarga de tarefas que, durante a jogatina ou após a mesma, permeia um questionamento sobre o que há de significado por trás de repetir apertos de botões naquele determinado jogo. É claro que essas variações de sensações dependem da duração da campanha e da quantidade de conteúdo, que, em teoria, são agregados aos jogos na garantia da imersão, de termos mais possibilidades de nos expressarmos pelo boneco que controlamos.
Boa parte das nossas interações em jogos consistem em uma fantasia de poder. A superação das adversidades que torna o personagem mais forte eleva nossa autoestima, nos sentimos heróis e heroínas em uma jornada. A diversão, por natureza, é o nutriente básico do nosso engajamento em qualquer atividade. Só que cada vez mais me convenço de que não existe um maniqueísmo do jogar, no qual o tédio e a frustração são meros pesos que pendem para o desinteresse do jogador.
Quando termino certos tipos de jogos, existe uma impressão de que acessei uma camada sentimental que não conhecia: comportamentos inesperados e uma nova perspectiva sobre ambientes e contextos. Das tantas coisas que Pathologic 2 faz, uma delas, com certeza, não é ajudar a me sentir poderoso. Nessa experiência, o tédio e a frustração são fundamentais e se somam as nuances de diversão em uma mistura tão incomum quanto é sua atmosfera, uma combinação que é essencial para o jogador ler o que o jogo quer expressar. Esse é um dos jogos que alternou a minha visão sobre videogames e, apesar de tão pesado e desgraçado como experiência, terminei feliz por tê-lo jogado, de ter estar vivo até esse momento e ter tido contato com ele.
Desenvolvido pelo estúdio russo Ice-Pick Lodge e lançado em 2019, Pathologic 2 é, na verdade, uma releitura do primeiro jogo lançado em 2005. Há muitas formas de abordar esse jogo; cada aspecto seu caberia em um texto próprio, pois além de passear em temáticas diferentes, é aberto a interpretações diversas. A tendência é que quanto mais pessoas tiverem contato com o jogo, mais pontos de vistas vão se agregar e ele, inclusive, vamos observar títulos futuros se inspirando em seus sistemas de gameplay e o modo de construir narrativa.
Antes de jogá-lo, tive contato com dois AAA: Shadow of the Tomb Raider, que tem uma estrutura dividida em áreas (algumas mais abertas e outras lineares), e Ghost Of Tsushima, que é um mundo inteiramente aberto. Portanto, esse texto é uma oportunidade conveniente de mostrar como um jogo de menor orçamento apresenta um dos mundos mais ricos e imersivos dos videogames, aproveitando-se inteiramente de seu espaço. O foco aqui será apresentar um contraste em relação a grandes produções, que criam graficamente com tanto cuidado e polidez seus espaços, porém há uma contradição do quão facilmente são descartáveis após sua utilidade formal pelo jogador.
Pathologic 2 é impressionante não só pela sua narrativa e temáticas, mas também ao mesclar o ambiente e sua gameplay: ele nos relembra o quanto o uso inteligente do espaço é algo essencial para os jogos. Na comparação com os títulos que citei, triste é ter a noção de que videogames poderiam usar seus terrenos de forma mais brilhante. Porém, o habitual é observar uma linha de montagem de carcaças artificiais que se distanciam até da própria natureza humana do jogar. O terreno do jogo é respeitado por respeitado, e as atitudes do jogador (enquanto ator das decisões) têm peso e não são meramente adestradas por sistemas de recompensas vazios. Assim como o videogame não cria seus sentidos sem o jogador, a cidade na qual você convive durante os 12 dias que se passam o enredo de Pathologic 2 constrói seus sentidos graças a atuação do jogador em seu terreno.
No Pathologic original de 2005, você podia escolher entre três personagens. No caso desse remake, até então, há apenas uma campanha disponível, a de Artemy Burakh, o arúspice. Ele nasceu na cidade onde se passa o jogo, mas ficou fora para estudar medicina, e retorna após receber uma carta urgente do pai, Isidor Burakh, o único médico do lugar. Quando Artemy chega de trem, é atacado por três homens e acaba os matando tentando se defender. Após essa recepção, dirige-se para a casa do pai e descobre que ele está morto. A questão é que nessa pequena cidade, o conceito de assassinato é algo totalmente fora do padrão.
O jogador percebe que o personagem possui cinco barras que representam necessidades de sobrevivência. Uma representa a quantidade de saúde (ou vida, como conhecemos nos jogos), a qual inicia prejudicada após o ataque na estação. Há um indicador de fome, mas Artemy precisa comer com cautela para ele não encher, pois atingindo o máximo ele começa a retirar aos poucos a vida. Punição parecida ocorre com a barra de exaustão, onde é necessário dormir para diminuí-la. Quando o personagem corre, pula ou golpeia no combate, a barra de estamina é gasta, que também é referente a sede, encurta conforme o tempo passa — Artemy a recupera quando bebe água em locais específicos da cidade. A última barra é a de imunidade, a qual mais adiante explicarei melhor.
Nesse começo, Artemy passa a enfrentar a desconfiança dos habitantes locais tanto pela morte dos três homens que o atacaram quanto por ser acusado de ter matado o próprio pai. Esses boatos se espalham pela cidade e influenciam o sistema de reputação do jogo, onde você passa a ser odiado pelos bairros e até atacado pelos habitantes. No entanto, logo no primeiro dia, essa situação é sanada pela influência de outros personagens.
A parte urbana e industrial da cidade convive com um povo nativo das estepes, os Kin, cujas tradições dão o caráter “mágico” a trama. Tanto Artemy quanto seu pai têm ligações com os Kin. Ele é denominado de menkhu, ou “aquele que conhece as linhas”, pessoas que possuem uma permissão especial para abrir corpos. O personagem também carrega a alcunha de arúspice (no inglês haruspex), que é a forma que a campanha do Artemy é nomeada. Esse termo é uma alusão a sacerdotes do passado que observavam o futuro a partir das entranhas dos corpos. Guardem tanto o termo menkhu quando arúspice que voltarei a usá-los mais a frente.
Conforme informado, o enredo de Pathologic 2 se passa em doze dias, dividido em atos onde ocorrem situações que reconfiguram o modo de vida da cidade. Nos primeiros dias, Artemy está tentando investigar a morte do seu pai e sanar a desconfiança da população, é o período em que o jogador se habitua a cidade e, até então, os bairros aparentam ser iguais. Sabe-se que há três famílias importantes que dominam esferas de poder diferentes, o jogador conhece os amigos de infância do Artemy, além de outros personagens importantes.
Como Pathologic 2 ainda receberá mais duas campanhas, no ponto de vista de outros dois personagens — Daniil (Bachelor) e Clara (Changeling) —, existe um destaque para as crianças na campanha do Artemy, enquanto para esses dois personagens outros núcleos terão mais importância.
Durante o terceiro dia é quando uma epidemia assola a cidade, conhecida como peste da areia, a mesma que Isidor havia impedido cinco anos antes dos eventos do jogo, colocando um dos bairros em quarentena, no qual não houve nenhum sobrevivente. Como um dos poucos médicos no local, Artemy terá de salvar o máximo de pessoas possível, encontrar uma cura e ao mesmo tempo entender o que a morte do seu pai se relaciona com a doença.
Durante o jogo, além de gerenciar as necessidades básicas do seu personagem, você terá que impedir que a doença contamine pessoas que pretende salvar, ao mesmo tempo que progride em seus objetivos principais. Os sistemas de Pathologic 2 não colocam o jogador como centro das atenções: caso você não cumpra um objetivo a tempo, os eventos vão acontecendo independente da sua influência, e com isso alguém importante pode se contaminar ou até morrer. Você escolhe entre fuçar lixo para encontrar algo que dê para trocar por comida, ou ir em um ponto do mapa em busca de uma pista que leve Artemy adiante. A cidade existe por conta própria, os eventos se articulam como se ela fosse um organismo próprio.
Nesse terreno, assim como um cirurgião que é o seu personagem, você está constantemente traçando as linhas de conexão na esperança de uma solução dos problemas, sem nenhuma garantia de terem sido as melhores tomadas de decisão.
A cidade está localizada no meio das estepes russas, na região na divisa com o Cazaquistão e a Mongólia. Pathologic 2 se passa numa transição para a industrialização, mas ao mesmo tempo parece adiantada no tempo; a construção impossível, o Poliedro, é um indício disso. A cidade se desenvolveu a partir da Bull Enterprise, uma indústria de fabricação de carne, propriedade de uma daquelas três famílias poderosas que mencionei, os Olgimskys. Como a cidade é isolada, fornece a carne que produz em troca de bens externos de consumo, sendo a estação ferroviária desativada o único ponto de ligação com o “mundo”.
Havia mencionado que o Artemy possui outras alcunhas: arúspice e menkhu pelo povo Kin. A forma que você vê os objetivos do jogo é através de um esquema de pensamentos do Artemy, que são círculos conectados por linhas, cada um deles como uma espécie de nó — alguns indicando pontos no mapa. Os desenvolvedores da Ice-Pick Lodge enxergaram Artemy como um tecelão, cujo papel é conectar o que foi rasgado. O jogador vai de um ponto a outro da cidade — que, aliás, apresenta nomes dos bairros que fazem referências a partes do corpo. Artemy interage com os personagens e os conecta a essa teia de pensamentos, na qual a própria interface desse menu representa essa ideia.
Essas conexões fazem com que o esquema de pensamentos não seja confuso para o jogador. A designer Alexandra “Alphyna” Golubeva explica que a ideia desse mapa mental veio através de um problema que enxergava em jogos de mundo aberto:
“Eu faço vinte missões e não vou para onde é mais interessante para mim agora, vou para a que está mais perto no mapa. Eu chego lá e não lembro quem diabos me deu essa missão, sobre o que conversamos. Deve ter havido alguma história dramática nisso, claro. Graças ao texto imperativo, posso descobrir que só tenho que matar dez lobisomens, mas não me lembro por quê.”
Portanto, esse esquema atua para dar contexto às ações do jogador — através das conexões expressadas pelo que Artemy pensa, não uma espécie de ordem que o jogo passa (até porque conforme os dias passam, fica mais difícil gerenciar tudo e o jogador precisa estabelecer suas prioridades). A usabilidade desse menu coloca objetivos não cumpridos como oportunidades perdidas ou algo que Artemy não encontrou, utilizando a cor amarela ao invés do vermelho, o qual costuma denotar erro ou fracasso.
Pathologic 2 usa o menu como a consciência do personagem que você controla, uma tela separada que conecta as ações vigentes da jogabilidade e também de forma temática. Andar pela cidade consiste em longas distâncias a pé e que pode ser entediantes, mas representa seu esforço em conectar esses nós, desde manter a sua sobrevivência básica à investigação da solução da praga, o conhecimento dos personagens e sua tentativa de salvá-los quando estão em risco. Algo interessante é como os personagens estão ligados aos lugares que você os encontra, e quando estão em outros locais, de certa forma, ajuda a indicar traços de sua personalidade ou mudanças de comportamento ao longo dos doze dias.
Quem elaborou a arquitetura da cidade foi outra das três famílias importantes: os Kains. Eles buscaram atrair mentes brilhantes para auxiliar a construção, e uma delas é Yulia Lyuricheva, matemática responsável por projetar as ruas e consequentemente o layout da cidade. Em uma conversa opcional, ela diz que os Kains acreditavam que as rotas escolhidas influenciam o humor das pessoas, o seu estado de alma. Em Pathologic 2, o simples trajeto de um ponto a outro é um desafio, quando havia dito que os bairros no começo pareciam iguais, essa impressão muda conforme os dias passam, que, inclusive, ficam mais curtos em duração.
Quando a epidemia surge, bairros contaminados ficam com a cor avermelhada. No dia seguinte, esses bairros passam a estar mais escurecidos, enquanto outros se tornam vermelhos. Funciona como um rodízio: em áreas contaminas, a barra de imunidade do Artemy vai abaixando pois há uma nuvem negra da peste que passeia pelas ruas que, ao encostar em você, prejudica bastante a saúde.
Além desse perigo, há pessoas doentes que andam em sua direção em busca de socorro e que prejudicam sua imunidade ao se aproximar demais. Por outro lado, matá-las prejudica sua reputação no bairro, já que são inocentes. Nas ruas também há pessoas deitadas, agonizando, as quais se pode medicar para aumentar sua imunidade, atitude que eleva sua reputação. No entanto, Artemy gasta recursos que poderiam ser usados em outra pessoa.
Bairros de cor escurecida, onde a praga fez um estrago no dia anterior, consistem em áreas bastante perigosas, pois há bandidos por toda a parte. Normalmente, durante a noite, você pode encontrá-los nas ruas, mas nessas áreas específicas, além de estarem mais presentes, estão com facas, e bloquear uma lâmina não é tão eficaz quanto um soco.
Essas áreas alteradas permitem que o jogador possa entrar nas casas e saquear recursos para sua própria sobrevivência. Em contrapartida, existem enormes riscos: matar bandidos ajuda a elevar a reputação, porém são mais ágeis que pessoas infectadas. Casas contaminadas também possuem recursos nos armários e gavetas, no entanto, todo cuidado é pouco para identificar bem o que você vai interagir, pois há o risco de abaixar a imunidade ao tocar numa superfície contaminada.
Pathologic 2 ressignifica seus ambientes, mesmo que toda a trama seja contida numa pequena cidade. Ao longo dos dias, as áreas contaminadas vão mudando de bairro, e você deve ficar atento se há algum personagem importante no local para dar algum remédio que aumente sua imunidade, pois, à meia-noite, os dados vão rolar e o jogo vai dizer quem está ou não infectado, quem está ou não está morto no fim do dia.
A cada mudança de ato, acontecimentos reconfiguram ainda mais a cidade. Caso você esteja infectado, além de perder vida, outras barras aumentam mais rápido. Há pessoas em bairros contaminados que atacam os doentes que passam e o Artemy está incluso. Num dia pode ser uma pessoa lhe socando, outro pode ser literalmente um militar fortemente protegido com um lança chamas.
Conforme dito na frase da personagem Yulia, as rotas influenciam o humor, e estabelecer o caminho mais seguro para chegar a um local é fundamental para sua sobrevivência no jogo. O jogador não pode depender do combate, tanto pela fragilidade do Artemy, que é um médico e não lutador, quanto por ser uma decisão que influencia o gerenciamento de recursos. Durabilidade de armas e vestes, quantidade de munição e disponibilidade de medicamentos que curam sua saúde ou imunidade são elementos que podem parecer simples em outros jogos, mas nesse jogo a maneira como você lida com seus itens influencia os momentos mais decisivos da trama.
Pathologic 2 é uma constante de decisões importantes. Na citada imunidade, quanto mais você gasta certos itens no Artemy, menos estão disponíveis para auxiliar outros personagens. O que você carrega no inventário também estabelece conexões com o que está em volta. Lockpicks são usados para destrancar a porta, algo que te dá acesso a cômodos em que é possível coletar itens, e nessa ânsia de adquiri-los, esses recursos acabam sendo gastos. Adiante, pode ser que você ouça um barulho de bebê, o qual está em uma casa em um bairro contaminado, e quando o Artemy entra, a porta que dá acesso a essa vida indefesa está trancada. Você não pode fazer nada além de ficar ouvindo gritos e choros.
Suas escolhas, por mais despretensiosas que sejam, acumulam-se e fazem parte da sua história como jogador. Não é uma tomada de decisão em diálogos decisivos que dita os rumos do seu personagem, muito menos um letreiro chamativo que te informa as consequências das suas escolhas.
Todos os espaços nesse jogo têm sua importância e, nesse caso, as idas e vindas, por mais tediosas que sejam, são o que mantém a vida nesses ambientes. Em condições normais, Artemy estará sempre revirando lixos em busca de alguma coisa, bebendo água em uma fonte ou a coletando nas suas garrafas de vidro. Além das lojas de comida, roupa e farmácia que usam moedas, é possível trocar de item com cada habitante. Portanto aquele objeto que pode ser insignificante para você pode ser trocado por uma comida com uma criança.
Os habitantes desse lugar são vitais para esse mundinho de videogame, sobretudo quando você observa as limitações devido ao tamanho do estúdio — é impressionante o quanto o jogador atua em sinergia com eles. Esse sistema de trocas pode elevar sua moral nos bairros e, caso você seja odiado, além daquilo que falei de poderem te perseguir, as pessoas passam a não trocar mais, as lojas também já não te recebem (com a exceção de uma). A todo momento o protagonista vai estabelecendo conexões em seus trajetos, evidenciando que a cidade é um organismo vivo e que cada lugar tem sua importância: aquela residência aleatória, que em outros jogos não passa de um bloco de polígono com textura, pode representar um momento decisivo em sua jogatina. Morrer nesse jogo prejudica muito seu Artemy; voltar para saves anteriores não fará nenhuma diferença, pois as consequências continuarão presentes (diminuição da barra de vida e de outras também).
Nesse ponto é que comparo o uso do espaço em Pathologic 2 a outros jogos. A publicidade de grandes títulos costuma ser voltada à imersão, à exploração de mundos vivos, nos quais se usa a beleza dos visuais como fator determinante nisso. No fim, o valor estético serve apenas de máscara para uma base de carcaça: sistemas de jogo não tão interessantes. Por trás de todas essas camadas de beleza gráfica está uma experiência convencional, e em alguns casos, devido ao tempo de duração e quantidade de conteúdo, tendem a se tornar menos cativantes.
O videogame é artificial, tudo é um “faz de conta”, essas características são intrínsecas a natureza dos jogos. No entanto, o que diferencia a relação jogador-videogame é que estamos dependentes dos sistemas nos entregarem essa realidade, que nossos sentidos sejam envolvidos pelas imagens que nos são transmitidas. Nas brincadeiras, em jogos de tabuleiros ou RPGs de mesa, os jogadores nutrem mais ativamente essa outra realidade. Parando para pensar, até quando os gráficos dos videogames eram mais abstratos, como no Atari, o jogador preenchia aquela incerteza com um sentido próprio. É nesse pensamento, meio irônico, que volto no que disse lá atrás: há um distanciamento do jogador da natureza de jogar.
A artificialidade nos videogames se torna sinônimo de vazio devido a espaços que são construídos apenas para o jogador, como consumidor, sentir o custo benefício do produto. Quando joguei Shadow of the Tomb Raider fiquei impressionado com a criação de atmosfera e direção artística dos cenários, já que o trabalho de diferenciação entre as tumbas, que são opcionais, é bastante competente. Imaginava que se pegasse o conceito de visual de duas delas daria para fazer uma área de Dark Souls e que seriam melhor aproveitadas. Primeiro porque Lara Croft é muito ágil, portanto, nesse sistema de jogo, toda aquela riqueza de atmosfera tende a ser passada despercebida pelo jogador. No fim, as tumbas servem para oferecer uma habilidade para a personagem. A atenção do jogador nesse contexto é voltada a como resolver os quebra-cabeças, estando atento ao uso das mecânicas que resultam na experiência que acaba se dando no automático.
O jogador consegue, com tempo de jogo e pouca dificuldade, desbloquear a árvore de habilidades, mesmo na ausência de boa parte dos colecionáveis do jogo. Portanto, no fim das contas, as tumbas envolvem cumprir uma tarefa sem tanto peso assim, apesar da proposta dessas seções em passar a sensação de adentrar em um local claustrofóbico e cheio de mistérios. Quando comparo com jogos como Dark Souls, por exemplo. é no sentido de que com um personagem mais lento se movimentando nesse mesmo espaço, em outra dinâmica de gameplay em que atenção a perigos envolve mais cautela, o jogador percebe aquele cenário de um modo diferente. Os elementos por si só ajudam a criar uma memória afetiva no jogador, e ele não é dependente recursos como arquivos de longos textos para justificar o valor daquele ambiente.
Agora partindo para outra experiência que tive antes de jogar Pathologic 2. Ghost of Tsushima é um jogo de mundo aberto, inclusive um dos mais bonitos que vi em um videogame, mas que conta com um sentimento que se repetiu: a frustração de ver tanto lugar esteticamente brilhante servindo para propósitos banais. Como uma experiência de caçar ícones em mapa, cada um dos pontos de interesse representa atividades diferentes para o seu personagem, resultando em recompensas diferentes. Há santuários localizados em topos de pequenas montanhas, onde o personagem faz uma trajetória de escalada e se esgueira atravessando passagens apertadas. No término desse caminho, você chega a um altar e a uma composição visual: o santuário debaixo de uma árvore balançando com o vento nos permite ver boa parte da ilha, local onde o personagem faz uma prece e, ao fim da construção dessa cena, você ganha um ícone…
Na verdade, é um amuleto para equipar. Não se trata de um baú aleatório aberto, mas há toda uma sequência de escalada de uma montanha. Esse lugar foi modelado por pessoas com todo zelo e após você adquirir esse amuleto, ele é descartado; não possui mais utilidade, todo esse momento representa um ícone em um menu de equipamentos, que talvez nem combine para o estilo de gameplay que você esteja adotando no jogo. O que esses títulos grandes têm em comum é que os espaços morrem rapidamente, eles não possuem nenhum significado além de mascararem um possível valor em ações do jogador, quando que na verdade é traçar um X em um item de uma incontável lista de tarefas.
Nesses jogos abertos, os conteúdo são opcionais, o jogador é quem decide o que tem como prioridade enquanto joga, no entanto, existe uma proposta por trás de cada título. O tédio e a frustração são elementos considerados negativos de um bom produto, mas, o que dizer da ansiedade perante a um excesso de informação? E a sensação de estar desempenhando tarefas que não tem sinergia com o todo? O que a habilidade “nado do jacaré 2” tem de essencial na aventura da Lara na Amazônia peruana? O quanto um padrão de estampa da bainha da espada é fundamental para impedir a invasão mongol?
Pathologic 2 é uma experiência longe de ser uma fantasia. Trata-se de um simulador de uma situação absurda: a epidemia em uma cidade. O espaço não existe para alargar o tempo, mas para preenchê-lo de sentido. Pathologic 2 me fez pensar em experiências em que fui mais consumidor do que jogador, que mais dependi do que o produto iria me entregar do que as coisas que poderia construir por meio de seus sistemas.
Esse terreno é onde nos comportamos por meio do nosso personagem, somos atores em contextos e temos realizações no jogo — as quais na nossa vida cotidiana não podemos realizar. Videogames consistem em novas perspectivas da realidade: atualizamos a visão de nós mesmos e do que está ao nosso redor, mesmo que sua intenção seja ser puramente escapista e frívolo. Quando jogamos, estamos construindo sentido (por mais “inútil” que seja) e traçamos linhas que conectam nossas capacidades com o contexto que nos cerca.
Assim como Pathologic 2 é esse terreno que mistura a tradição dos Kins e a tecnologia da industrialização da época, onde atuamos como Artemy nesse meio termo, jogos são atividades em que combinamos nossa sensibilidade e racionalidade em tomar decisões estratégicas. Esse texto não foi escrito no intuito de querer que você pare gostar de certos tipos de jogos, mas é uma reflexão para se atentar: até que ponto realmente somos jogadores e não meros cumpridores de tarefas? O terreno do jogo serve mais para me alienar ou é um palco onde posso performar? Sou eu que me divirto ou estou querendo me convencer disso por pagar (caro) por esse produto de entretenimento? O terreno do jogo pode ser agradável ou terrível, podemos ser agentes do caos ou heróis fantásticos, podemos ser o que for, mas é nesse local que costumamos usufruir de sentimentos e capacidades tão reprimidos no cotidiano.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm