Videogames são uma mídia artística única quando se trata de preservação. Um quadro pintado séculos atrás ainda pode ser apreciado da mesma forma para quem quer que o veja. Músicas podem ser gravadas em formatos largamente compatíveis ou escritas com uma notação para que qualquer músico a interprete. Filmes são um pouco mais complicados, mas, contando que alguém ainda possua o rolo ou arquivo original, é possível distribuir suas cópias.
Por estarem no limiar entre arte e tecnologia, videogames são mais delicados. Qualquer músico pode interpretar uma partitura escrita por Mozart há 250 anos, mas nenhum computador fabricado em 2018 é capaz de interpretar nativamente código escrito em 1988. De fato, mesmo entre computadores fabricados em 2018, há uma enorme variedade de arquiteturas de hardware, sistemas operacionais e linguagens de programação que impedem a fácil transposição de software para dispositivos diferentes. Um Nintendo Switch, um PlayStation 4, um PC Windows 10, um iPad e um celular Android têm muitas características em comum, mas nenhum roda software escrito para outro sem algum processo de adaptação.
Como, então, podemos garantir que a mídia seja armazenada de forma que gerações futuras possam ainda jogar e experienciar a sua história? Afinal, é sensato esperar que novos desenvolvedores e críticos de jogos tenham familiaridade com essa história, assim como estudantes de artes visuais, música e cinema estudam suas respectivas histórias para continuar desenvolvendo sua área.
A primeira coisa que devemos fazer é cobrar dos autores originais dos jogos que eles sejam armazenados de forma que possam ser jogados e estudados no futuro. Há diversas formas de fazer isso, seja de forma gratuita ou paga — e é ainda mais fácil hoje em dia com o advento da distribuição de conteúdo digital.
Ao meu ver, lançar jogos clássicos de NES e SNES em plataformas atuais não é apenas uma fonte de renda para a Nintendo, mas sim um dever moral que a empresa tem perante a mídia. O mesmo vale para a Sega, a Sony e a Microsoft, assim como para todas as outras empresas de games que permanecem ativas hoje.
Como, pelo menos até agora, cada nova geração de consoles apresentou uma mudança notável de arquitetura de hardware, isso significa que as empresas precisam dedicar equipes para portar ou emular seus jogos a cada tantos anos. Seria isto pedir demais? Creio que não. Na melhor das hipóteses, abre uma nova fonte de renda para a empresa. Na pior, é um pequeno custo que pode ser justificado pelo valor educacional e cultural (que, infelizmente, não é de grande importância para muitas empresas).
Infelizmente, nosso acesso legítimo e legal a jogos clássicos é bastante limitado hoje. Em parte porque cada empresa adotou uma estratégia diferente — a Microsoft implementou uma retrocompatibilidade funcional, mas com notáveis ausências de títulos; a Nintendo nos vende jogos de NES como parte de uma assinatura ou em um miniconsole físico, em ambos casos com pouquíssimos jogos; a Sony, que fez um trabalho respeitável no PS3 e no Vita, desconsiderou os clássicos no PS4 e agora segue o caminho do miniconsole; enquanto a Sega, a Capcom e diversas outras publicadoras lançam coleções de qualidade variável por preços relativamente altos e nem sempre para todas as plataformas.
Outra parte do problema é que, mesmo quando as empresas se dedicam para lançar jogos clássicos com qualidade, elas ainda buscam principalmente o lucro e, devido a isso, geralmente enfatizam os jogos mais populares. Infelizmente, há uma grande quantidade de títulos obscuros que, pela falta de interesse de seus donos, permanecerão obscuros pelo resto do tempo.
Finalmente, o problema mais delicado é o de licenciamento. Alguns jogos são frutos de alguma parceria que envolve uma publicadora, uma desenvolvedora e uma detentora de propriedade intelectual. Basta pensar nos diversos jogos baseados em filmes ou desenhos animados. Alien vs. Predator, por exemplo, foi desenvolvido pela Capcom usando propriedades da Fox. Mas hoje, a Sega detém os direitos de produzir videogames baseados nessas propriedades — que em breve pertencerão à Disney. Então quem fica responsável pela preservação do título?
Essa questão toda nos mostra como o mecanismo atual de propriedade intelectual e direitos autorais é feito para proteger principalmente empresas, não suas obras e muito menos as pessoas que trabalharam diretamente nessas obras. É uma via de mão única: a empresa não tem obrigação nenhuma de manter seu acervo retrô acessível de alguma forma, mas ao mesmo tempo tem poder absoluto para impedir que outras entidades mantenham esse acervo de forma independente.
Atualmente, a forma mais confiável de preservação de videogames antigos é, sim, a pirataria. Bom, não toda pirataria. Hoje em dia é menos comum, mas alguns anos atrás a pirataria era um método de obter jogos por preços muito mais baixos e, no processo, dar lucros a entidades que não possuem nenhum mérito sobre a obra distribuída. Mas nem toda pirataria é fruto de uma fábrica de DVDs queimados com o objetivo de lucrar em cima de produtos alheios.
Hoje, é possível jogar quase qualquer videogame lançado antes do ano 2000 em seu computador. Basta encontrar um arquivo que contenha uma cópia perfeita do que outrora foi distribuído em cartuchos ou CDs e, caso o jogo não seja nativo para PCs, um emulador do hardware original. Esses jogos estão disponíveis hoje porque uma comunidade entusiasta dedica tempo e dinheiro, além de arriscar seu próprio bem estar, para garantir a preservação da mídia que ama. Pirataria e emulação são, de fato, uma forma de obter jogos gratuitamente, mas também são a única maneira existente de conseguir jogar algo que não é vendido pela detentora dos direitos.
Então surge um debate que discute o limiar entre o que é permitido por lei e o que, talvez, devesse ser permitido por uma questão moral. Para a indústria de videogames e para a sociedade como um todo, é vantajoso que jogos antigos sejam facilmente acessíveis por quem quer que os queira. Para a Nintendo, que ainda pode cobrar dinheiro pelo direito de conhecer esses jogos, essa vantagem não é relevante, ou pelo menos não é relevante em um prazo curto o suficiente para seus acionistas se importarem. Usarei a Nintendo como exemplo nos próximos parágrafos, mas isso vale para quase todas as empresas do ramo (há algumas exceções, especialmente quando se trata de jogos de PC).
Nos últimos meses, a Nintendo derrubou diversos sites de ROMs da internet. Segundo a lei, não há nada de errado nisso, pois os sites estavam claramente infringindo o copyright da Nintendo. Mas, ao mesmo tempo, ao fazer isso, a Nintendo apagou parte de sua própria história. A Nintendo, que é uma das empresas há mais tempo nos videogames, perde oportunidades de valorizar os jogos (e as pessoas) que a levaram a esta posição — que vão muito além de Super Mario Bros., The Legend of Zelda e Metroid, que já foram relançados incontáveis vezes.
Não quero dizer que copyright não deveria existir e que tudo deveria ser de domínio público. Pelo contrário, acho completamente válido que empresas, na condição de autoras de software, tenham o controle do que publicam. Mas como diz o ditado, “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. Como detentora de copyright, a Nintendo tem a responsabilidade de prezar pelas suas propriedades intelectuais; se ela permitir qualquer pessoa a lançar jogos com suas marcas, a marca perde valor e a empresa pode perder o controle sobre o nome. De maneira similar, deveria haver um complemento a isso: se os produtos lançados por uma empresa têm valor cultural, educacional ou histórico agregado, deveria ser um crime impedir a disseminação desses produtos, seja essa disseminação pela própria empresa ou por terceiros.
Em casos mais extremos, jogos nem chegam a envelhecer antes de ser indisponibilizados. O caso mais infame é, naturalmente, P.T., a demonstração de terror de um projeto que viria a ser cancelado pela Konami. Apesar de ser sido apenas uma demonstração gratuita, P.T. é influente por si só no gênero de terror — mas está cada vez mais difícil jogá-lo, pois a Konami chegou a lançar uma atualização para o jogo impedindo sua execução. Nenhum de seus jogadores foi particularmente afetado por isso, mas imagine a reação de um jovem game designer, estudando a história dos jogos de terror, ao ler sobre P.T. e descobrir que é impossível conhecer a obra em primeira mão. É apenas questão de tempo para isso acontecer. E o mesmo pode acontecer em qualquer gênero — já é difícil jogar todos os jogos das séries Gran Turismo e Forza Motorsport, apesar de serem pilares fundamentais do gênero de corrida.
Este e outros casos demonstram uma coisa: não podemos depender que a indústria se preserve. Lucro sempre está na próxima novidade, não em velharias empoeiradas. Mas o que seriam das novidades sem as velharias como base?
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm