Hideki Kamiya é uma figura um tanto peculiar e altamente polêmica, devido à sua imagem pública no Twitter de alguém prepotente e arrogante. Relatos de pessoas que o conhecem pessoalmente — como seu mentor Shinji Mikami (Resident Evil, Vanquish) e Yoko Taro (Drakengard, NieR) — indicam que se trata apenas de uma personagem para lidar com a galera na Internet, e que ele é na verdade uma pessoa carinhosa, mas nem todo mundo acredita nisso.
Prepotente ou não, Kamiya tem um currículo de desenvolvimento que fala por si só. Seu primeiro trabalho de direção foi Resident Evil 2 (o original), após ter sido diretor auxiliar do primeiro jogo da série. Após isso, ele foi uma das figuras mais importantes da Capcom na era PlayStation 2/GameCube, comandando Devil May Cry, Viewtiful Joe e Okami. Em 2007, Kamiya e outros ex-membros da Capcom fundaram um estúdio independente especializado em títulos de ação. Nascia a PlatinumGames.
Nenhum título representa melhor a Platinum do que Bayonetta. Lançado pela Sega para PlayStation 3 e Xbox 360 em 2009, foi o primeiro jogo liderado por Kamiya após sua saída da Capcom. O título causou um grande impacto em uma certa comunidade de jogadores: aqueles que buscavam um novo jogo que seguisse os princípios de Devil May Cry e Ninja Gaiden. Já em 2009, esse subgênero específico de jogo dava sinais de fraqueza e não parecia que as grandes publicadoras tinham muito interesse em continuá-lo.
Impossível não parar para notar sua protagonista: em um cenário dominado por homens brancos de meia-idade, Bayonetta se destaca como uma mulher sensual e poderosa. Vou evitar entrar nos méritos da sexualização da personagem — isso é um tópico que não me sinto preparado para desenvolver. Mas é inegável que Bayonetta figura entre as personagens femininas mais icônicas dos videogames.
Não havia indícios de uma continuação de Bayonetta até que uma notícia surpreendente em 2012 mudou tudo: a Nintendo estaria financiando Bayonetta 2 como exclusivo para seu próximo console, Wii U. Era uma situação vantajosa para todos os envolvidos: a Nintendo teria um título “maduro” no console, a Platinum teria uma nova chance com a personagem, a Sega só precisou assinar os papéis, e os fãs teriam mais um jogo. Houve bastante polêmica ao redor disso, pois alguns seguidores mais fervorosos da bruxa se sentiram traídos por serem obrigados a comprar o console da Nintendo.
Bayonetta 2 também não se destacou nas vendas, mas manteve uma legião legal de seguidores. A protagonista ganharia um boost de popularidade com sua inclusão em Super Smash Bros. em 2016. Em 2017, a Nintendo anunciou que mais um título seria desenvolvido sob as mesmas condições do segundo jogo, para Nintendo Switch. Cinco anos depois, Bayonetta 3 está finalmente prestes a ser lançado, novamente em meio a situações polêmicas e tumultuadas. Mas não deixou de ser uma oportunidade perfeita para revisitar as entradas anteriores da série.
Ao longo de agosto e setembro, joguei várias coisas que não são bem meu perfil. Pasmem, zerei dois JRPGs e joguei um monte de Yakuza. Foram jogos bons e não me arrependo do tempo que passei com eles, mas também são jogos um pouco “travados”. Jogos que priorizam uma narrativa e a jogabilidade acaba sendo refém disso. Yakuza conta com cutscenes longuíssimas, enquanto os JRPGs têm seus combates por turno que não são tão empolgantes para mim.
Com o Steam Deck em mãos, resolvi instalar o primeiro Bayonetta, que joguei originalmente no Wii U lá em 2014. Havia comprado a versão de PC como apoio à franquia, mas nunca tinha jogado mais do que uma ou duas fases dela. Finalmente, chegou o momento perfeito para voltar àquele mundo.
Eu gosto de dizer que um jogo não deve levar mais do que alguns segundos para deixar… bem, o jogador jogá-lo. O jeito mais fácil de perder meu interesse é começar com minutos e minutos de cutscenes antes de eu sequer saber como o jogo controla de fato. Bayonetta tem uma cutscene inicial de alguns minutos, sim, mas faz algo sábio: há um trecho jogável antes da cutscene. É basicamente um playground para experimentarmos os controles sem um tutorial e sem punições, enquanto uma voz explica alguns conceitos básicos da lore daquele mundo.
Quando Bayonetta — a personagem — de fato é introduzida, faz-se com muito estilo. As coisas não são muito bem explicadas, mas logo na primeira cena já temos uma boa noção das personalidades de Enzo, Rodin e Bayonetta, cada um memorável por si só. Apenas depois disso temos um tutorial de fato, nos ensinando os controles básicos para lidar com um enxame de anjos que veio buscar almas antes da hora.
Este primeiro combate me marcou muito lá em 2014. Lembro de uma reação imediata — “este é uma das melhores coisas que já joguei”. E eu não estava errado. A introdução do jogo é fortíssima e ilustra bem o quanto é dinâmico o combate, apesar de ainda não termos todas as ferramentas que serão disponibilizadas depois.
Uma das primeiras coisas que aprendemos no jogo é que desviar é tão importante quanto atacar. Especialmente porque, ao desviar no último instante, ativamos o Witch Time. Por um breve momento, o mundo entra em câmera-lenta e permite que Bayonetta libere combos poderosos com mais liberdade. Essa sensação de risco e recompensa carrega a empolgação do jogo todo. Nunca deixa de ser satisfatório ativar Witch Time.
E então, após eliminar todos os inimigos, acontece algo que se tornaria marca registrada da Platinum: recebemos uma nota dependendo do desempenho na luta. Isso dá ao jogo uma característica muito peculiar: para quem quer apenas chegar ao final, é fácil passar das fases usando itens e continuando após cada morte. Mas o jogo fará questão de lembrar que o jogador não aprendeu a jogá-lo bem. Em grande parte, a graça não está apenas em “sobreviver” a um combate, mas em realmente dominá-lo, mantendo um combo fluido e tomando pouco dano.
Isso não funciona com todo mundo, claramente. É sempre um ponto delicado quando o jogo faz suas mecânicas mais engajadoras opcionais, e com certeza há quem jogue Bayonetta sem ligar para as pontuações e ache o combate frustrante e insatisfatório. E as próprias notas podem ser um ponto de frustração para aqueles que querem uma pontuação boa mas continuam recebendo troféus de pedra. Eu mesmo dificilmente consigo um troféu melhor que ouro (acima disso há platina e pura platina) e, na média, terminei o primeiro jogo com prata. Aí houve uma decisão da minha parte: quis conseguir uma pontuação razoável, mas não me estressaria se não conseguisse platinas em todo canto.
Ao prosseguir para Bayonetta 2, há uma notável diminuição na dificuldade de obter os troféus mais brilhantes. Acho isso válido, para deixar a experiência de quem joga na dificuldade padrão mais agradável. Afinal, continua sendo bem difícil atingir platina pura (pois isso exige uma perfeição na execução do combate) e os jogadores que realmente querem se desafiar jogarão no modo hard.
O primeiro Bayonetta é marcado por frequentes quebras no loop de gameplay principal, com cenas espetaculares e relativamente longas cenas de motoca e de navinha (com direito a trilha sonora de Space Harrier). São divertidas intermissões, apesar de ser estranho o jogo exigir competência em um estilo de gameplay que é introduzido e abandonado em poucos minutos. A cena do míssil, em particular, me deu um pouco de tontura pois a tela inteira gira ao desviar de tiros.
Bayonetta 2 leva tudo isso ao quadrado, com setpiece atrás de setpiece, especialmente no começo. Há de novo uma fase de nave, desta vez inspirado em Star Fox (Star Fox Zero estava em desenvolvimento pela Platinum em paralelo a Bayo 2). O combate como um todo é um tico mais fluido, sendo mais generoso com a ativação do Witch Time e introduzindo o Umbran Climax, uma nova forma de aproveitar a barra de magia do jogo.
Jogando os dois um após o outro, é às vezes difícil de distinguir mentalmente o que acontece em qual. A primeira metade de Bayonetta 2 é bem distinta, trazendo uma paleta de cores mais vibrante e uma nova variedade e inimigos — enquanto o primeiro jogo nos coloca apenas contra os anjos de Paradiso, Bayonetta 2 traz também os demônios do Inferno. Porém os capítulos tardios trazem também várias referências a locais, inimigos e personagens do primeiro jogo. É algo que causaria nostalgia a quem não jogava o primeiro há anos, mas fica meio engraçado o tendo tão fresco na memória.
E de qualquer maneira isso serve um pouco para provar que o jogo é de fato mais fácil, pois os mesmos inimigos que me faziam suar em Bayonetta (Grace and Glory, como esquecê-los?) são mais tranquilos no segundo. Pode ser também que eu estava jogando melhor após já ter apanhado bastante, e com certeza isso faz parte do efeito, mas não é só isso.
A história da Platinum e de Bayonetta são repletas de trancos e barrancos, e agora não é exceção. Após um longuíssimo período de desenvolvimento, Bayonetta 3 se depara com uma grande polêmica logo na reta final. Hellena Taylor, dubladora de Bayonetta nos dois primeiros jogos (e no filme animado, e em Super Smash Bros.) publicou um vídeo pedindo o boicote do jogo porque a Platinum teria oferecido apenas 4 mil dólares pelo trabalho de dublagem.
Uma investigação da Bloomberg, porém, indica que a oferta seria de 4 mil dólares por sessão de dublagem, totalizando entre 15 e 20 mil. A alegação causou um forte atrito entre Kamiya e Taylor, que são as pessoas responsáveis pela história e personalidade originais de Bayonetta. A personagem segue, dublada por Jennifer Hale, que tem uma longuíssima carreira como dubladora de videogames.
Já Kamiya deixou a direção da série para outros integrantes do estúdio, mas permanece como roteirista e supervisor. Como diretor, Kamiya não lança um jogo desde The Wonderful 101, em 2013. Sua obra seguinte, Scalebound, estava em desenvolvimento junto à Microsoft e foi cancelada em 2017. Nos últimos anos, têm trabalhado em um misterioso projeto entitulado Project G.G., que foi anunciado em 2020 mas continua sem previsão para lançamento.
Independentemente das polêmicas, Bayonetta 3 está prestes a lançar e, se a qualidade dos jogos anteriores for qualquer indício, tem tudo para ser um dos grandes jogos de 2022.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm