Tal qual o ex-jogador Bebeto aproveitava para emendar um voleio mediante uma bola acima do solo, meio centímetro que fosse, resolvi também aproveitar o lançamento recente de Death Stranding no PC para enfim comentar alguma coisa sobre o título. Como joguei ano passado no PS4, esse exercício de comentário será perpassado também por um exercício de memória.
A situação se complica, pois além da mediação da memória há também a do gosto pessoal. Em geral, eu gosto do trabalho de Hideo Kojima e sua equipe. Vejo nos jogos dessa galera um bom punhado de qualidades, embora minha leitura da obra do agora Kojimindie provavelmente seja minoritária.
Em termos chulos, demandando pouca explicação: vejo Kojima como um excepcional game designer, um roteirista de altos e baixos, e um cineasta pior que isso. Ou seja, raramente foram história e cutscenes meus pontos de empolgação com esses games. Os temas propostos são relevantes, claro, e não estou apontando para ausência de qualidade nesse aspecto, porém meu foco de preferência mudou faz um tempo. Seus diálogos, por exemplo, podem ser interessantes e pautar conversas com boas possibilidades de reflexão do jogador e construção dos personagens, como também ir por um caminho de galhofada da pior estirpe, com frases e momentos esdrúxulos e vergonhosos.
Death Stranding não é, absolutamente, exceção. Essa capacidade tanto de acertar, às vezes de forma poética e sintética, quanto de errar, feio e rude, me levou à conclusão de que seria Cazuza o Hideo Kojima do cancioneiro nacional, fosse necessária uma comparação. Felizmente não é, e já peço desculpas. Tal percepção também me ajudou a considerar essa posição como algo mais humano dentro do possível nesse meio, é claro. Principalmente se considerarmos tantas obras escritas de forma alinhada ao que se espera de séries e moldadas a partir da apresentação a grupos de teste.
Mas viajemos com meu olhar novamente para o campo mais profícuo desses videogames: as atividades propostas aos jogadores. É notável, por exemplo, uma preocupação em usar os aparatos físicos e corpóreos do videogame; a leitura de cartões de memória, a troca de controles, um código de codec na contra-capa, etc. O videogame possui fisicalidade, e a possibilidade de trabalhar com isso é um caminho bem interessante. Deixo aqui a promessa, mesmo mediante 0 (zero) pedidos, de voltar a esse assunto de forma mais focada no futuro.
Há também um histórico de brincar com sistemas de jogo, conectando ou não às possibilidades da jogabilidade com os temas e narrativa geral; é possível mudar a data do console pra vencer o The End, o Vamp só é vencível ao usarmos as “nanoparadas” nele, uma revista distrai os guardas, existem maneiras diversas de se esconder, um chefe em chamas pode ser vencido pela variação de clima, entre outros exemplos. De maneira geral, os títulos Metal Gear Solid são razoavelmente sistêmicos e dotados de possibilidades na jogabilidade.
Entretanto, durante a época do hype pré-lançamento, fui pegando preguiça do culto ao Kojima. A preguiça foi transformando-se em má vontade prévia com Death Stranding. De qualquer forma, pude jogá-lo na ocasião do lançamento. Essa volta toda foi pra deixar claro minhas predileções e de onde cheguei para o primeiro jogo da Kojima Productions: preguiça com as fanfarronices e desconfiança de que o foco em trazer atores “foderengos” tiraria esse cuidado com a parte jogável da coisa.
Pois bem. Eu gostei pra cacete de Death Stranding.
Não pela verborragia Kojimeana, não pelos monólogos de personagens de nomes estúpidos (embora nesse momento nomes desse tipo já serem esperados, ao ponto de ter se transformando em uma espécie de linguagem comum), não pelas cenas de corte (embora tenham algumas bem boas). Eu gostei pra cacete de jogar Death Stranding. De andar mesmo. De usar itens e veículos. De construir. De conectar espaços. De se proteger da chuva. De perceber a conexão entre meu ambiente e o das pessoas do meu servidor. De construí-la, depois precisar dela, finalmente só poder contar com ela.
Vamos dar o primeiro passo e caminhar, por ser essa a primeira atividade do jogo. O mapa e o cenário do título trazem uma proposta de análise do ambiente, suas pequenas diferenças, trajetos e caminhos. Seu espaço é feito para o jogador percorrer, é um campo que está lá e se molda quando traçamos nosso caminho, ou pelo menos a projeção dele, de um ponto ao outro.
Embora existam quinquilharias, objetos e entregas perdidas no caminho, ele existe não para encontrarmos pontos de interesse a cada centena de metros. Essa perspectiva, inclusive presente em parte da experiência de Breath of the Wild (especialmente na hora de escalar), é algo agradável para mim.
E andar em Death Stranding não é só traçar o melhor caminho, a melhor disposição da carga e se equilibrar no movimento (embora seja isso também). É, sobretudo, se relacionar com uma série de outras pressões do ambiente. É necessário levar em consideração os perigos, seja a bizarra chuva que cai naquele mundo (timefall), nociva aos objetos a serem entregues, sejam os malandrões prontos para roubar seu carregamento.
O principal destes perigos são os BTs, ou fantasmas popularmente falando. Atravessar suas áreas é uma tarefa perigosa e demorada. E aí entra a parte mais sistêmica dos jogos do Kojima e companhia: é possível lidar com essas áreas a partir da construção de equipamentos e abrigos, mas sobretudo através da criação de “caminhos”.
Na primeira grande área, esses caminhos se formam a partir de objetos simples como cordas e escadas, seja ela posicionada na vertical ou utilizada como ponte. Um NPC, emulando um possível jogador, deixa isso pronto no primeiro trecho, mas depois cabe à você e ao pessoal do seu servidor resolver essa parada aí.
Essa relação mútua é o principal aqui. Uma corda deixada por alguém pode ser essencial para sua entrega, assim como algum caminho criado por ti pode trazer um sorriso ao rosto do entregador virtual em algum outro canto do continente (real). A segunda grande área leva essa relação além a partir de dois atos: construção das estradas e depois das tirolesas.
A construção de estradas se dá a partir de uma cooperação no sentido de coletar recursos e utilizá-los para finalizar uma rodovia previamente desenhada pelo próprio jogo. Com elas prontas, é possível realizar uma série de entregas com uma moto ou van, passando de forma mais fácil tanto pelos ladrões quanto pelos fantasmas. Construí-las, entretanto, custa um bom punhado de itens, fazendo com que seja a cooperação entre o pessoal o melhor caminho para tocar o negócio. Eu fiz um pouco, o outro ali também, e assim por diante, e agora nós podemos passar aqui de uma maneira mais adequada.
O segundo ato de interação mecânica com esse mapa se dá através das ziplines. E um ponto essencial nessa relação se dá a partir do limite de construções impostos a cada jogador. Veja, fosse esse limite inexistente, eu poderia cebeçudar e construir toda uma rede de tirolesas para facilitar as viagens futuras. Não é o caso, cada sub região limita o tanto de construções de um único jogador. A solução é a cooperação através de um diálogo espacial entre os jogadores.
Eu vejo uma torre de zipline em um determinado ponto, outra em outro. Posso, então, achar um espaço no meio que possibilite essas três torres se conectarem, formando um caminho de tirolesas. Para tal, é necessário chegar nesse ponto e encontrar a posição correta. É coisa fina, e eu realmente fiquei bastante feliz de poder traçar esse tipo de conversa espacial com outros jogadores.
Cabe ressaltar a composição da imagem nos trechos jogáveis. Vendo a forma como tudo conversa, deixando claro os espaços de cooperação e construção, bem como a apresentação do terreno e seus perigos, sinto aqui um campo muito mais interessante de cinematografia que as próprias cutscenes. A turma da Kojima Productions também sabe disso, e os momentos nos quais encontramos um objetivo novo lá na frente, depois de se foder em um espaço perigoso percorrido pela primeira vez, geralmente são acompanhados de um sonzinho bacana e um enquadramento mais amplo.
Eu gosto como alguns inimigos, dentre os quais temos chefes, propõem uma relação de fuga. De mudar a cadência do andar anterior para um desespero de dar o pé o mais rápido possível. Não gosto quando os chefes nos obrigam ao confronto, e inclusive vejo que essas seções e mesmo a utilização de armas letais deveriam ter sido relegadas apenas aos capítulos do Clint. Entendo e simpatizo com a proposta de matar ser uma escolha com a possível consequência da explosão em uma determinada área, inutilizando aquele trecho da rota. Não se transformou, para mim, em uma experiência de jogo agradável.
As atividades de jogo em Death Stranding ainda se conectaram com uma série de imagens e temáticas interessantes. Há a ideia do entregador, a imagem do trabalhador conectando espaços (sem bobagem de Kojima previu isso ou aquilo, por favor). A figura da nova geração, na forma do bebê, aparece tanto como algo a ser protegido e acalmado, quanto sendo um porto seguro em relação aos erros e fantasmas do passado. Há de se construir pontes para o futuro, afinal.
Ao fim, também gostei de como o jogo te faz percorrer os locais para fazer um grande retorno ao ponto de partida. Mais que isso, fazendo você contar apenas com as construções feitas por outras pessoas, se apoiando nelas. Há, obviamente, toda uma miríade de cutscenes e diálogos e personagens, mas no fim das contas é a jornada mecânica que eu vou levar dessa obra. A partir do que fiz com Clint, depois com Sam e seu bebê, pensar quais pontes e caminhos podemos ter em um futuro saído de um presente quase tão ruim quanto o deles.
Pra ser sincero, adaptaria a canção dizendo que isto é apenas um videogame, ao vivo é muito pior. As soluções e reflexões, portanto, precisam ser muito melhores também.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm