Queria relembrar uma pauta que andou rolando em 2019 sobre os jogos da década. Além das publicações em grandes portais, havia também discussões mais informais. Nas redes sociais, me deparei bastante com várias daquelas listas do melhor jogo de cada ano, na opinião de cada um.
No entanto, o que me estranhava nas publicações de sites grandes, tendo a lista de Polygon como principal referência, era a respeito do critério de escolha. Em alguns momentos, um título era apontado por sua relevância e influência, enquanto outros apareciam ali e acolá porque era a preferência de um redator. No fim das contas, iria de cada leitor, de acordo com sua experiência com os jogos, verificar se os argumentos davam consistência para se ter aquela ordem daquela maneira.
A informalidade de uma lista pessoal permite alguém entrar em contato direto com outra experiência. Você se depara com um jogo, que na sua opinião é “ok”, mas o enaltecimento de outra pessoa cria toda uma perspectiva através dos argumentos, como uma moldura estilizada que permitisse um olhar mais profundo sobre a obra.
Não é questão de você gostar mais ou não de um título, mas se dar conta de que, em um jogo, há mais do fator jogador do que costumamos acreditar. No caso de uma escolha de um site enquanto instituição, ainda mais definindo um número tão grande quanto 100 jogos no caso da Polygon, torna-se mais difícil ter essa identificação por ser tratar, no fim, de um editorial, um registro histórico documental.
Adoro ver listas de coisas que acompanho e, tratando-se das listas pessoais que mencionei, a maior graça é fuçar os jogos mais diferentes e controversos. A forma de se utilizar listas é realmente saturada, mas sempre as vi como possíveis portas de entrada para diversos temas, no caso, diversos jogos ou opiniões nesse meio.
Tendo isso tudo em mente, gosto de ver alguém que consegue extrair informações de jogos medíocres. Uma fala, por vezes, mais apaixonada do que jogos consagrados, até pela pessoa se sentir uma das únicas defensoras de um título não tão falado. Além disso, em um assunto que existe uma unanimidade: o que ainda tem para se falar de um jogo que todo mundo falou?
A palavra medíocre tem a ver com mediano, mas sei que muitas pessoas relacionam a palavra como algo ruim. Por isso mesmo que uso esse termo, valendo para aqueles jogos ruins, mas que, de alguma forma, guardamos com mais memórias que muitos jogos bons — os quais mal nos lembramos em boa parte das vezes. O exemplo que vou utilizar é de uma experiência que tinha tudo para ser esquecível, mas foi um caminho para rever a forma como eu interajo com videogames.
The Way é um jogo do estilo plataforma cinemática. Ele segue a linha de jogos como o Another World e Flashback. Joguei a versão remasterizada de 2018 no Nintendo Switch, no final do ano de seu lançamento. Gastei menos de 10 reais e estava sem muitas pretensões pelo jogo ser de um gênero que não sou muito familiarizado. O fator portabilidade do console, talvez, pudesse ajudar.
The Way, pela opinião da crítica, é um jogo mediano; aliás, foi passado bem despercebido, o que considero algo pior. O seu ponto fraco de mais destaque são os bugs, alguns deles bem graves, e há reclamações também sobre os controles não muito precisos.
O que mais me chamou atenção foi a sua ambientação, The Way utiliza um visual pixel art para compor cenários incríveis, e a trilha sonora acrescenta de forma brilhante à imersão. Com certeza, esses são os pontos fortes que todo mundo pode concordar. Mas o que me encorajou a sentar para jogar de forma dedicada é a forma simples como ele apresenta sua premissa. Parecia ser um jogo que eu precisava, The Way se encaixava com o estado que minha mente estava.
Se não me engano, na época estava jogando títulos mais densos, tanto de dedicar tempo quanto de aprender sistemas e lidar com narrativas mais complexas. The Way parecia uma fuga disso, aliviando um pouco a mente — o que pode parecer contraditório, pois ele é cheio de quebra cabeças e seu enredo é pesado.
Essa sensação, de se aliviar de experiências densas de gameplay, fica clara logo no começo de The Way: o jogo fornece as informações muito fatiadas, como descrições curtas e textos breves com narrações. Existe essa forma de situar o jogador com esses aspectos quase minimalistas, não só no enredo como também nos objetivos de jogo em cada segmento. Pode ser que tudo ali era muito guiado, preso à narrativa até pelo próprio estilo de jogo, mas foi o que me prendeu naquele momento.
O personagem que controlamos perdeu a esposa, e existe um lugar em que ela possa estar viva. Esse caminho é através da exploração de um outro planeta, e The Way faz questão que tudo seja bem direto ao ponto. Cheguei nesse planeta e me deslumbrei com os ambientes vivos. Enquanto seguia pelos cenários, e ouvia uma bela música, parei um pouco para pensar e me toquei de uma coisa interessante: qual era a última vez que havia focado tão rapidamente em um jogo?
Foi quase que uma sensação nova para mim, porque fiquei naquele momento pensando em tantos jogos que exigiam o aprendizado do sistema de mecânicas, de todos os elementos do mundo, da trama construída, do vínculo com os personagens, de toda uma camada a se penetrar para você se sentir incorporado numa experiência.
Pensando bem, lembro que joguei Celeste e Return of the Obra Dinn naquele ano. Porém no caso do The Way, o que me fez naquele momento sentir um frescor, essa coisa diferente, foi o fato desses jogos citados já virem acompanhados de uma expectativa. The Way foi uma aquisição despretensiosa: apenas me sentei com meu Switch e comecei a apertar botões. O objetivo do protagonista, o seu medo de estar em um planeta estranho e de se submeter aos quebra cabeças, são pontos que me foram vendidos facilmente.
Infelizmente existem jogos em que há um questionamento do porquê terem tanto tempo, ou tantos elementos de gameplay, se eles não acompanham o contexto geral de suas propostas. Trata-se de um jogo que causa a impressão de só se arrastar tanto porque quer tomar mais tempo do jogador.
A proposta de jogo é: A = B + C. Porém em certas situações, para completar essa experiência, A tem que comportar não só como B e C, que já seriam essenciais para qualquer jogador, mas também como um resto dispensável de letras do alfabeto. No fim das contas, existe uma série de convenções a serem colocadas em um produto para ser atraente, independente de proposta criativa central da experiência.
The Way tem um objetivo central. Nesse sentido, os quebra-cabeças poderiam ser um fator dispensável? Eles só estão presentes pois estamos tratando de um jogo? Pode ser que sim, mas é no seu encerramento que ele quebra esses questionamentos, aproximando essa jornada de um Ico, Journey, Celeste e até do primeiro Red Dead Redemption em alguns aspectos. Sigamos o raciocínio.
Atenção: seguiremos o texto com spoilers de The Way.
O seu personagem chega ao local que seria onde conseguiria reencontrar sua esposa, mas as coisas não acontecem como planejado. Há um forte desapontamento e tudo faz parecer em vão. Os anos passam, ele fica velho e, por sorte, encontra um caminho secreto que o leva a um local que apresenta uma tecnologia anormal, até o ponto do personagem se encontrar com uma raça ancestral.
Esses seres são os antigos habitantes do planeta: eram aqueles que haviam deixado as pistas que o personagem seguiu ao longo do jogo. Essa raça dá duas escolhas ao jogador: eles podem trazer a esposa do personagem de volta ou ajudar a trazer vida de volta a esse planeta, onde o protagonista auxiliaria sua reconstrução.
Eu fiz a segunda escolha e foi “ok”, estava bem satisfeito com a resolução, tal qual o semblante do personagem na cena final.
Tive dúvidas da minha escolha? Não tive. Tive curiosidade em saber o que aconteceria na outra? Tive. Então fui ver o outro final…e é amargo, de um jeito que não imaginava, mas fiquei satisfeito por ele ser dessa maneira. No cenário em que há jogos que oferecem escolhas decisivas de forma mais criativa, o final de The Way parece ser clichê. Porém, para o que eu estava investido, foi tudo bem, não foi apenas uma consequência positiva e outra negativa.
Essas duas soluções de enredo podem ser avaliadas como de simples execução, mas aí entra o impacto para cada jogador e seu estado de mente durante aquela experiência. Para mim, aquelas simples cenas, quase estáticas, trouxeram uma grande carga da minha vida pessoal. Na hora de fazer esse comparativo entre os dois finais, parecia de fato ser o jogo que eu precisava naquele momento.
Há quase cinco anos tive uma crise mental, mas não posso afirmar que foi uma depressão por falta de um diagnóstico de um especialista. Ao longo desses últimos anos, fui me recuperando, tendo outras pequenas crises que felizmente não me empurraram de volta a esse buraco. Sempre fui muito de tentar racionalizar o que sentia, tentava analisar quais os tipos de pensamentos que me faziam afundar tanto, seja o que me deixava mal em algum dia, ou em épocas específicas.
The Way foi um jeito jogável de refletir alguns desses pensamentos que me prejudicavam. Em um primeiro momento, refletir o fato de nos submetermos a desafios. Os quebra-cabeças que, por muitas vezes, nem sabemos o sentido ou para onde nos levam, mas que fazemos. Desfrutamos quando encontramos a solução e partimos para o próximo na esperança de mais à frente termos recompensas, vislumbrarmos melhores caminhos.
A parte que o personagem está morno com a vida, perante todo o esforço em vão, faz questionar o trabalho que realizamos para recuperar algumas coisas perdidas ao invés de seguir em frente. Essa busca seria a essência negativa do significado da palavra nostalgia, uma perspectiva ilusória do passado, uma algema que vai além de uma simples saudade.
A escolha final de The Way, na minha perspectiva, envolve voltar para um passado idealizado (o momento em que se era alguém verdadeiramente feliz) ou fazer algo novo. Nessas decisões, apesar de haver uma certeza de que nada vai ser tão bom quanto aquilo que já viveu algum dia, seguir sem pretensões nos ajuda a plantar sementes. O que nasce em seguida é imprevisível, mas algo vai nascer, sobretudo a ideia de que planeta é devastado para sempre.
É incrível como foi fácil para eu fazer a segunda opção, enquanto há quase cinco anos, se não fosse a primeira, minha vida não seria nada. O quão interessante é tomar decisões em um jogo, saber os melhores passos quando nos desprendemos de nós mesmos. No caso do The Way, fiz a escolha, tive uma consequência e ainda tinha a chance de ver qual seria o outro caminho em algum vídeo. Isso é algo que vida não permite, mas as experiências com jogos e outras mídias nos colocam nesse ensaio sobre nós mesmos.
A experiência de The Way durou poucas horas. Tive sim problemas com algumas partes do jogo, nada de grave envolvendo bugs. Achei os quebra-cabeças competentes e não frustrantes. Em alguns momentos, cheguei a pensar que estava se arrastando um pouco demais? Pensei sim, mas no final pude perceber que o jogo tinha algo para dizer, mesmo que seja algo que só eu tenha visto.
Mas…está tudo bem, era o que eu estava precisando naquele momento.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm