Relato: Minhas duas semanas de "Conquistador" - Neo Fusion
Relato
Minhas duas semanas de
"Conquistador"
1 de fevereiro de 2021

Nunca liguei muito para troféus ou conquistas. Na verdade, eu liguei sim, uma vez, jogando Assassin’s Creed II, nos primórdios do meu tempo com o PlayStation 3. De acordo com o PSNProfiles, ao longo de 2011 eu revisitei o jogo algumas vezes e, em outubro, finalmente adquiri meu primeiro troféu de platina. E percebi que… Todo o esforço de coletar as penas e cumprir tarefas sinceramente aleatórias não valeu nada a pena.

A partir daí, sim, deixei de ligar para troféus e conquistas. Conquistei uma platina ou um 1000G aqui e ali, particularmente com alguns jogos menores que gostei o suficiente para completar 100% — pela própria métrica do jogo — e as conquistas vinham por consequência, sem eu dar muita atenção1.

Não sou contra a ideia de conquistas (usarei este termo daqui em diante, mas o mesmo sempre vale para troféus) e não posso negar que é uma sensação agradável vê-las pipocando na tela, especialmente quando é um jogo que eu particularmente gosto. Em muitos momentos elas também servem um papel cômico, indicando que sim, os desenvolvedores sabiam que alguém tentaria fazer aquela coisa específica daquela forma inesperada, e é tudo uma brincadeira coletiva, e podemos dar umas risadas juntos. Mas, certamente, não dei mais atenção à vontade de adquirir todas as conquistas de qualquer jogo… Até alguns dias atrás.

Para celebrar a chegada de 2021, a Microsoft lançou um desafio: jogadores que conquistassem até 10.000 gamerscore entre 6 e 26 de janeiro receberiam o mesmo número de pontos no programa de recompensas da empresa. Dez mil pontos equivalem a mais ou menos dez dólares (ou equivalente), uma recompensa pequena, mas não irrisória. Acabei descobrindo esse desafio um pouco tarde, no dia 12, mas resolvi aceitá-lo e ver quantos pontos eu conseguiria em apenas 14 dias.

Primeiramente pensei em jogar normalmente e simplesmente ficar feliz com qualquer que fosse o meu gamerscore ao fim do período, mas logo percebi que isso não resultaria em um ótimo retorno. Para conseguir o famigerado cupom de desconto, eu precisaria entrar no mindset de um verdadeiro conquistador. Comecei lendo posts no Reddit e notícias em sites, erm, “caixistas” indicando alguns jogos (muitos disponíveis no Game Pass) que servem como infladores de gamerscore. E assim começou a minha aventura. Dali em diante, valia tudo: guias, trapaças e comandos ocultos. Só não me permitiria comprar um jogo  pelas conquistas, mesmo que fosse muito barato.

O resultado foi o seguinte: entre os dias 12 e 26 de janeiro, 22 jogos de Xbox contribuíram ao meu objetivo e consegui um bom tanto a mais do que 10 mil gamerscore.

Os jogos

Nem todos esses foram jogados com a intenção de obter conquistas. Final Fantasy XV, Sea Salt e Indivisible são jogos que estão de saída do Game Pass este mês, então quis experimentá-los enquanto possível. Já Crash 4Unravel Two Battletoads são o que estou jogando atualmente (sozinho, com minha namorada e com dois amigos, respectivamente). E, claro, era impossível imaginar que The Medium seria também um ótimo inflador de gamerscore. Star Wars Racer foi comprado nesse período, não pelas conquistas, mas acabou sendo o único jogo que joguei “normalmente” e contribuiu substancialmente para a pontuação.

As conquistas mais fáceis e óbvias foram com jogos que permitem mods ou comandos que ativam as situações que levam às conquistas. Nesta categoria estão Planet CoasterARK: Survival Evolved, e Don’t Starve: Giant Edition. O processo automatizado foi particularmente chato e sem-graça, porque mal é possível chamar isto de “jogar”. Nos guias que li, outros jogos poderiam ser explorados de forma similar, mas os deixei para trás e, se fosse necessário, usaria um deles para dar a última inflada na pontuação.

Em alguns casos, o desafio serviu de motivação para terminar alguns jogos que eu havia iniciado. Rayman Legends é um favorito pessoal que já estava sendo revisitado antes do início do desafio; decidi pegar 100% dos colecionáveis e isso rendeu um bom tanto de pontos. The Gardens BetweenPneuma: Breath of Life são jogos de puzzle que comecei anos atrás, mas larguei por um ou outro motivo. Terminá-los foi uma experiência agradável, mas tive que usar guias para pegar algumas conquistas que são fáceis de passar em branco.

Doom 64 rendeu rápidas conquistas com um guia, enquanto HyperDot Unto the End não estavam rendendo bem pelo tempo que os joguei, então deixei para depois. Fractured Minds foi o primeiro jogo que joguei com a intenção de pegar mil pontos, mas o jogo é tão ruim que a única parte boa dele é durar apenas 40 minutos. The Little AcreDonut County serviram para dar aquela completada no tanque, apesar do segundo já ter sido jogado no iPad em 2018.

O caso mais curioso é o de Full Throttle Remastered; este é um jogo que tenho procrastinado há anos (junto com outros da Double Fine) e usei essa oportunidade para finalmente jogá-lo. Porém, como grande parte das conquistas são liberadas apenas em situações bastante específicas, tive que usar um guia para ter certeza que eu estava pegando tudo que era possível de uma vez só. A vantagem é que finalmente pude experimentar esse clássico, mas o guia muitas vezes entregava soluções ou estragava alguma surpresa (por mais que eu tentasse evitar ler essas partes). Assim, senti que não aproveitei o jogo tanto quanto poderia. Como o jogo é razoavelmente curto (o processo todo me levou menos de 3 horas), acho que o ideal seria jogar uma vez “às cegas” e uma segunda vez usando o guia para pegar tudo — mas meu tempo parecia limitado demais para fazer isso.

Essa experiência me fez abandonar a ideia de repetir o processo com Day of the TentacleGrim Fandango. Hei de jogá-los um dia, mas sem guia e sem obsessão por conquistas.

O aprendizado

Levou pouco tempo para perceber que essa obsessão por conquistas estava se tornando desagradável não só para mim, como para pessoas ao meu redor. Mas o desafio durava apenas mais alguns dias,  então decidi que usaria a experiência para entender melhor as tais conquistas — para as quais nunca dei bola antes — e também entender melhor como é consumir videogames com essa preocupação.

Então tentei responder algumas perguntas: Quais as diferenças nas formas que desenvolvedores abordam conquistas? Como conquistas podem ser ligadas de forma orgânica ao game design? O que se ganha — e o que se perde — prestando atenção a conquistas? O gamerscore pode servir de métrica para julgar a competência ou o conhecimento sobre videogames de alguém?

A resposta da primeira pergunta ficou bastante clara assim que comecei a prestar mais atenção às conquistas. Alguns jogos as usam de forma mais ou menos análoga às medidas internas de progresso do jogo, usando, por exemplo: coleção de itens, exploração do mapa, eventos ligados à narrativa, etc. Outros jogos têm poucas (ou nenhuma!) conquistas que são adquiridas organicamente durante uma campanha, e recompensam atividades fora do comum, às vezes como um tipo de comédia, outras como um desafio adicional à habilidade do jogador.

A maioria dos jogos está no meio-termo. Não por acaso, na maioria dos jogos que joguei até o fim, obtive cerca de 30% a 80% das conquistas de forma natural durante minha campanha. Acho razoável que jogos tenham mais da metade das conquistas desbloqueadas ao final de suas narrativas, para então recompensar adicionalmente os jogadores que decidirem voltar para ir além, seja na forma de colecionismo, ou abordando dificuldades mais altas. Mas, quando a maioria das conquistas são obtidas através de objetivos aleatórios e que ninguém teria a ideia de fazer sem olhar para a lista, elas deixam de ser uma recompensa legal e uma forma de medir seu progresso em múltiplos jogos e passam a ser uma tarefa — quase um trabalho2.

Enquanto eu estava caçando conquistas, cada jogo que joguei teve o progresso medido rigorosamente, pois cada campanha era naturalmente pontuada a cada poucos minutos por um som que, apesar de tudo, não perdeu seu charme. Mesmo alguns dias após atingir os tais 10 mil pontos, ainda me encontrei estranhamente satisfeito a cada conquista desbloqueada — sensação que só passou quando finalmente aceitei que não havia mais benefício tangível em colecioná-las. Agora, como antes, pouco me importo de ter um gamerscore baixo em algum jogo, mas isso só me deixa com a impressão de que o gamerscore não representa nada sobre a minha experiência com videogames.

Tenho 1000G em alguns jogos que me levaram menos de 2 horas, mas apenas 720G em Halo: The Master Chief Collection, do qual joguei quatro das seis campanhas disponíveis (a coletânea oferece um total de 7000G). Sekiro: Shadows Die Twice foi um dos meus jogos favoritos dos últimos anos, mas desisti inteiramente da ideia de atingir 1000G nele quando percebi que os 390G restantes exigiriam jogar a campanha outras três ou quatro vezes (que eu conseguiria fazer, mas levaria bastante tempo), então gamerscore não representa nem o tempo que dediquei a um jogo, nem a minha maestria nas suas mecânicas. A possibilidade de rapidamente inflar gamerscore com truques só deixa tudo ainda mais leviano do que já é.

Isso tudo, é claro, sem considerar o fato que, ao longo da minha vida, joguei em Xboxes, PlayStations, Nintendos, PCs, celulares, arcades, e 99-in-1 Brick Games. Nem se eu quisesse seria possível agregar a minha experiência com videogames em um só número e isso também não beneficiaria ninguém. O fascínio por gamerscore e platinas é frequentemente usado de forma tóxica na Internet, por jogadores que procuram maneiras fáceis e sujas de desmerecer a opinião alheia. Não desmereço aqueles que atingiram uma quantidade astronômica de conquistas e fizeram uma carreira ao redor disso, mas a maioria dos jogadores nunca vai chegar lá, e tudo bem.

No fim do dia, se adquirir uma conquista te fez sorrir, ou deu alguma satisfação, ótimo. É para isso que elas devem servir. Se você gostou muito de um jogo e quer demonstrar isso para o mundo obtendo tudo que é possível dentro dele, tudo bem também. Só nunca deixe isso ser o principal (ou único) motivo pelo qual você decide comprar ou jogar algo. Videogames são feitos para diversão e passatempo, e estressar sobre um numerozinho virtual (que sinceramente não importa para ninguém além de você mesmo) não fará nenhum benefício à sua saúde mental.

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Comentários

Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.

O sorteio vai ser ao vivo via live???

Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)

Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.

Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png

cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...

Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público

Agora sim vou ter meu switch o/

Sim!

Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?

Reativei minha conta só pra promoção kkkk

Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte

Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!

Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.

sera que agora ganho o

Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.

Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?

Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!

Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)

Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?

? vou seguir o Renan aqui tbm