Relato: O teor investigativo em Judgment - Neo Fusion
Relato
O teor investigativo em
Judgment
15 de abril de 2021
Atenção: esse texto contém spoilers sobre side quests e elementos de jogabilidade em Judgment.

Para falar o português claro — pelo menos com os fãs do inesquecível Yakuza 0 —, convencer-me a jogar Judgment foi tão fácil quanto tirar uma cópia de Dragon Quest III de uma criança que esperou por horas na fila. A premissa da obra que combina o emocionante universo criado pelo estúdio Ryu ga Gotoku a mecânicas, temáticas e narrativas detetivescas foi motivo suficiente para eu investir mais algumas dezenas de horas em “joguinho porradeiro oriental”.

Era de se esperar que a trama seguiria o formato narrativo dos outros títulos do estúdio, apresentando personagens bem escritos em uma montanha-russa repleta de ação e emoção. Fico bastante satisfeito com relação ao cumprimento do papel que o jogo buscava entregar enquanto spin-off da série Yakuza. Por outro lado, minhas expectativas para com sua porção envolvendo investigação não foram alcançadas — seja pelo “terreno seguro” no qual o jogo se estabelece ou por eu já ter me aventurado em outros universos fictícios que melhor executam o que faz um bom jogo de detetive.

Dupla dinâmica

A parte boa de trabalhar em sua própria agência é se vestir como achar mais confortável.

A parte boa de trabalhar em sua própria agência é se vestir como achar mais confortável.

Em Judgment, assumimos o papel de Takayuki Yagami, um detetive particular que toca sua própria agência de investigação ao lado de seu amigo e ex-yakuza, Masaharu Kaito. Enquanto Kaito foi rechaçado por negligência após um roubo dentro da sede da família Matsugane, Yagami deixou de advogar após garantir a liberdade do suposto assassino de uma jovem enfermeira. Ao longo dos primeiros capítulos, porém, o jogo revela mais detalhes sobre como os dois se afastaram de suas respectivas carreiras, acabando em um cubículo que serve tanto como escritório quanto como lar.

Ligeiros e experientes como aves de rapina, Kaito e Yagami começam unidos e permanecem assim por (quase) toda a aventura, não esquecendo de transparecer sua compaixão com os menos favorecidos — um traço de personalidade também presente no protagonista de Yakuza: Like a Dragon. No esquema brawl and brain, o inteligente detetive e seu destemido parceiro dividem o palco nas perigosas ruas de Kamurocho. A propósito, o distrito está mais orgânico e aconchegante do que nas entradas anteriores graças à fidelidade gráfica e aos quase inexistentes tempos de carregamento estabelecidos pela Dragon Engine.

Judgment toca em assuntos como lealdade e justiça com bastante respeito — especialmente enquanto revivemos eventos que tomaram forma algum tempo antes do período no qual o jogo está inserido. Além de uma trama instigante, costurada quase inevitavelmente a missões paralelas frequentemente mais descontraídas, há uma porção bem servida de ação presente no combate beat ‘em up. Yagami pode alternar entre dois estilos de luta, podendo focar-se em golpes mais espalhafatosos (contra multidões) ou uma abordagem mais “mano a mano” (contra inimigos individuais).

As ruas de Kamurocho eventualmente são tomadas pela Keihin Gang, mas as ondas de inimigos se tornam cansativas após dezenas da horas investidas no jogo.

As ruas de Kamurocho eventualmente são tomadas pela Keihin Gang, mas as ondas de inimigos se tornam cansativas após dezenas da horas investidas no jogo.

Judgment faz um trabalho bastante memorável quando replica as formas mecânicas e narrativas características dos jogos protagonizados por Kazuma Kiryu. Salvo o gimmick de dano permanente — apenas kits médicos ou uma consulta em uma clínica clandestina podem restaurar a parte comprometida de sua barra vida —, o spin-off tem como seu principal diferencial as mecânicas de investigação. O problema é que essa porção considerável da aventura não é tão inventiva, emergente ou recompensadora quanto eu esperava que fosse.

A espacialidade do mundo

Apesar de se tratarem de jornadas sobre criminosos que vão além do famigerado “8 ou 80”, ambientadas em realidades passadas ou presentes tão similares às nossas próprias, os jogos do estúdio Ryu ga Gotoku e da Rockstar Games são bem diferentes. É possível elencar uma lista de diferenças, desde o orçamento até o desenvolvimento dos personagens, mas prefiro focar nas similaridades no world design de jogos como Judgment e Red Dead Redemption 2.

O distrito de Kamurocho está bem mais vivo e convidativo do que em entradas anteriores da série e, de forma análoga, o mundo aberto de RDR2 é bastante reativo e denso comparado a outros jogos do estúdio, deixando uma marca positiva (e um rombo negativo pela insustentável produção) para a história dos videogames. Dito isso, os dois mundos são ridiculamente mal aproveitados no contexto das missões do jogo, limitando a experimentação e impedindo a resolução de problemas de forma sistêmica.

Por diversas e excessivas vezes, Judgment costura obrigatoriamente a trama principal às missões paralelas, colocando os personagens em situações pouco significativas só para prolongar a jornada de Yagami — ou oferecer mais pontos para serem distribuídos nas três árvores de habilidades. Apesar de achar importante apontar essa questão, pouco me incomodo com essa decisão do estúdio. Sinto-me tão inserido naquele mundo que acabo não medindo esforços para completar todas as tarefas possíveis antes de seguir para o capítulo seguinte.

Que perigo um aspirante à ninja oferece frente à criminalidade de Kamurocho?

Que perigo um aspirante à ninja oferece frente à criminalidade de Kamurocho?

Reclamações à parte, a espacialidade do mundo é vista de outras formas mais simplistas, porém divertidas. Em uma das side quests, um gaijin entusiasta de técnicas shinobi pode ser encontrado apenas quando conduzimos a câmera em direção à parte alta de uma fachada de prédio, pegando Yagami de surpresa. Subir lances de escadas para chegar ao topo do KJ Art ou escorregar por uma escada de metal para acessar galerias subterrâneas têm tanto valor quanto tentar lembrar qual chave abre corretamente a porta a sua frente.

De mãos atadas

Há três ações bastante comuns envolvendo abordagens investigativas em Judgment: espionar, seguir e perseguir.

A espionagem tem como principais características identificar suspeitos, observar eventos e, posteriormente, analisar pistas e vestígios. Para tal, contamos com recursos como um drone de controle remoto, visão em primeira pessoa durante alguns estágios e duas técnicas de arrombamento — que podem ser melhoradas por meio de pontos de habilidade. O que frustra nesse caso é quão invasivas são as sugestões (ou diretivas propriamente ditas) exibidas na tela para aquela situação. Tanto para identificar indivíduos quanto para juntar os fatos, percebe-se que o jogo não deixa o jogador exercitar seu senso investigativo sem ser interrompido.

Contatos na lista telefônica variam de hackers a policiais corruptos, mas pouco importam na hora que investigamos com nossas próprias mãos.

Contatos na lista telefônica variam de hackers a policiais corruptos, mas pouco importam foram do roteiro de missões específicas.

Seguir pessoas de interesse é, talvez, a parte mais monotemática e engessada no gameplay de Judgment. A variedade de alvos é bastante expressiva — desde mafiosos perigosos a côngujes infiéis —, mas a repetição mecânica e a decepcionante inteligência artificial dos suspeitos são verdadeiros obstáculos. Também é estranho como o protagonista parece sempre interpretar um papel fora de contexto, se esgueirando contra paredes ou obtendo registros com uma câmera fotográfica enquanto pessoas ao redor dele vivem uma vida normal. Para ser sincero, não hesitei em adquirir habilidades como chamar menos atenção e continuar focando no inimigo por mais tempo o mais breve possível.

Perseguições se desdobram geralmente quando um suspeito ou inimigo está tentando se safar de uma conversa ou interrogatório, mas também podem envolver causas ridiculamente aleatórias — como recuperar a peruca de uma celebridade nada convencional. Nesse caso, são os quick time events que aparecem para ilustrar a ação envolvida. Apesar de quebrarem o ritmo de jogo durante momentos tensos, são excessivamente empregados tanto na história principal quanto nas missões paralelas. Eu vou soar extremamente polêmico, mas essas partes me recordam o motivo pelo qual ainda nutro um pouco de carinho pelo enfadonho Watch Dogs.

Por fim, embates judiciais também acontecem de forma roteirizada. É impossível não ver um pouco do DNA da série Phoenix Wright enquanto decidimos quem é o culpado por comer um bolo confeitado no Genda Law Office. Opções de diálogo em momentos específicos também podem ser selecionadas de forma ordenada, concedendo bônus ao jogador que se prova atento aos detalhes e astuto na abordagem dos assuntos. O tema central do jogo, sobre justiça ser muito mais do que “julgar um livro pela capa”, cresce e toma para si o holofote narrativo à medida que Yagami se desenvolve rumo a sua própria redenção enquanto profissional.


Para bem ou para mal, eu sou o tipo de pessoa que entra em jogos de investigação com expectativas bem altas. Servido de obras-primas desse tipo em anos mais recentes, como Return of the Obra Dinn e Her Story, é difícil não ficar curioso quando um jogo te coloca para (tentar) reconstruir eventos por meio da lógica e da organização de evidências. De qualquer forma, mesmo falhando em muitos pontos enquanto obra detetivesca, Judgment tem um discurso poderoso em sua essência. Por reunir personagens cativantes em uma história de máfia com reviravoltas inesperadas, tudo isso envolto em um combate bastante sólido, não poderia deixar de recomendá-lo com bastante empolgação.

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Comentários

Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.

O sorteio vai ser ao vivo via live???

Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)

Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.

Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png

cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...

Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público

Agora sim vou ter meu switch o/

Sim!

Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?

Reativei minha conta só pra promoção kkkk

Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte

Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!

Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.

sera que agora ganho o

Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.

Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?

Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!

Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)

Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?

? vou seguir o Renan aqui tbm