Relato: Umurangi Generation - Neo Fusion
Relato
Umurangi Generation
10 de março de 2021

Em Final Fantasy VI existe uma casa de leilões. Do ponto de vista dos sistemas de jogo, é possível encontrar ali equipamentos e itens importantes para customizar e treinar os guerreiros. Enquanto ambientação, a cidade é conhecida como polo de gente da alta roda e de colecionadores de arte. Em dado momento da jornada, o NPC estacionado em frente ao local nos diz o seguinte:

NPC diz a Sabin, de Final Fantasy VI que "arte que evoca o fim do mundo está popular agora"

“Arte que evoca o fim do mundo está popular nos dias de hoje.”

Pouco importa, nesse caso, a definição exata de arte; se imita a vida, se é “um periscópio sobre o oceano do social”, se é espelho da realidade, ou ferramenta para ajudar a quebrar e moldar o real; a evocação do fim dos tempos responde a anseios da prática da vida humana. Seja rebento de profunda reflexão do artista ou de uma percepção quase sensorial, o “fim do mundo” não vem do nada.

Da minha parte, tenho pensando muito no fim dos tempos. Imagino ser uma sensação e uma preocupação dividida por um bom punhado de pessoas. Estamos, afinal, vivendo uma pandemia desde o ano passado, e vendo, ao longo de décadas, os efeitos de uma crise ambiental.

Talvez por isso, Umurangi Generation tenha se tornado rapidamente um dos jogos eletrônicos mais importantes para mim. No título, publicado em 2020 para Windows, assumimos o papel de uma fotógrafa — cujo trabalho é precarizado — e devemos capturar fotos de um mundo em declínio.

Enquanto outros jogos, seguindo a fantasia de poder comum à mídia, colocam o jogador numa posição de super-herói que conquistará e reverterá o apocalipse, Umurangi Generation nos convida a buscar a resistência e a beleza no fim de tudo, e quem sabe no meio disso encontrar sementes de uma nova sociabilidade.

“Umurangi’s Pro Shooting”

Umurangi Generation se desenrola a partir da exploração de alguns estágios. Em cada um deles é necessário tirar todas as fotos de uma lista dentro do tempo de 10 minutos. Existem objetivos extras que, ao serem cumpridos, geram recompensas; a maioria delas em forma de novas lentes, focos ou cores, enfim, de possibilidades de como tirar e editar os retratos.

Há um limite de tempo para a entrega, mas não para a exploração do cenário. Sendo assim, é possível conhecer e reconhecer o ambiente antes de reiniciar e realizar todas as atividades nos dez minutos indicados. Cada lugar é representativo de um mundo em declínio; há um campo da ONU, um trem de refugiados, bairros ocupados, bases militares e até mesmo um fliperama — um belo estágio presente na expansão do jogo.

Mas se em algo como Tony Hawk’s Pro Skater, por exemplo, o tempo existe como sequenciador de objetivos para uns e desafio complecionista para os mais ágeis, em Umurangi Generation o limite de tempo, ao lado do objetivo de conseguir o dinheiro mínimo, suscita reflexão sobre a precarização e “uberização” do trabalho.

O mundo caminha em direção ao fim, sim, mas ainda é necessário colocar comida na mesa. A economia do fim dos tempos é retrato fiel e agudizado da economia que nos trouxe ao fim dos tempos. Tire o máximo de fotos dentro de um tempo reduzido. Tire as fotos pedidas. Não mostre coisas que não devem ser vistas. Demonstre seu “empreendedorismo” e proatividade ao cumprir desafios extra e conseguir equipamentos de trabalho que você já deveria ter desde o começo para realizar o seu ofício.

Mas não seria um problema o jogo colocar essa perspectiva e ainda assim ser… divertido? Primeiro, foda-se a harmonia ludonarrativa. Segundo, as atividades humanas existem enquanto relações múltiplas. O trampo de fotografar pode estar dentro de uma determinada economia de bicos, mas é, ao mesmo tempo e em batalha com a lógica produtiva, uma atividade de expressão humana e um possível ofício. O trabalho é um rolo compressor alienante nessa sociedade em que vivemos, não intrinsecamente.

Ainda há uma questão mais importante: o jogo te pede determinadas fotos, mas é papel de quem joga encontrar a melhor forma de tirá-las, julgar a beleza e pensar em seus significados. Ao fim de uma fase, você passa para o próximo estágio com algum dinheiro no bolso e um monte de foto salva. O ato de checar suas sequência de fotos de um local, como se fosse em uma sala de revelação, também coloca uma proposta narrativa de digestão das imagens; de montagem e edição da nossa compreensão sobre o enxergado.

E o que eu vejo nesse jogo criado a partir da perspectiva de um desenvolvedor vindo dos povos originais da Nova Zelândia, é parecido com o que vejo aqui no meu país; encontrar em qualquer fresta a oportunidade de festejar, amar e resistir, ainda é um dos atos sociais mais importantes.

Resistência no fim de tudo

A imagem do fim do mundo em Umurangi Generation é de extraterrestres e Kaijus atacando as ilhas da Oceania. Fotografando as garrafas de plástico relacionadas aos invasores, perdemos dinheiro ao invés de ganhar. A partir dessas representações, o título coloca as questões ambientais e o fortalecimento do neoliberalismo como seres estranhos e alienígenas, porém ao mesmo tempo íntimos no cotidiano e na cultura, chegando para destruir tudo.

Umurangi Generation foi projetado por Naphtali Faulkner, desenvolvedor vindo da tribo Ngāi Te Rangi iwi. Os pontos centrais da experiência proposta pelo jogo podem ser pensados a partir daquilo que jogadores encontram enquanto possibilidade, ambiente e temática, e também a partir de sua própria ação e olhar naquele mundo.

Em relação ao ambiente encontrado pela jogadora, Faulkner criou um cenário alegórico bastante direto, explicado em entrevista ao site da rádio CBC: “O grande evento de crise que está acontecendo é, digamos, equivalente ao Godzilla agindo todos os dias e destruindo o mundo (…) É uma força tal qual a mudança climática que está (vindo) aí. E você não pode negar que ela existe”. As mudanças e crises climáticas e ambientais, fortalecidas pela forma como se organiza a sociedade a partir do neoliberalismo, colocam a humanidade em face de um problema apocalíptico.

Do ponto de vista da ação de quem joga, a ideia do desenvolvedor pode ser traçada ao respectful design; design respeitoso, em livre tradução. Trata-se de um conceito e de uma filosofia a qual não consegui encontrar se já existe uma tradução prévia e utilizada. Por se tratar, como mencionado, de um conceito e de uma filosofia, Faulkner indica:

Respectful Design vem do Dr. Norm Sheehan. Ele é um Designer Aborígene da Austrália. Eu não consigo explicar de forma sucinta por se tratar de toda uma filosofia de design. Mas onde eu enxergo uma ruptura com o design tradicional é que a agência está com a comunidade, e não com o designer. Em relação a esse jogo, os jogadores (a comunidade) decidem como eles querem tirar a foto e o que é uma boa foto, não o jogo (o design)”.

Cabe a quem joga encontrar o ângulo, o tipo de foto. Cabe às jogadoras decidir o que é belo ali. Cabe aos jogadores revelarem seus filmes e tentarem criar, caso queiram, uma narrativa ou compreensão do que é capturado pelas lentes.

Da minha parte, vi “eles” ditando silêncio e morte, mas corpos obedecendo dança e resistência.

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Comentários

[…] No último sábado, 13 de março, completei um ano de isolamento social. Posso contar nos dedos as vezes que saí para resolver alguma pendência obrigatória presencialmente. Pensar que o mundo mudou tanto em 365 dias me causa ansiedade. Mas, pensar como eu mudei, ou deixei de mudar, nesse período me causa mais angústia. Obviamente, não tem sido fácil para ninguém. O que restou, além das adaptações de rotina, foi reaprender a me comunicar de maneira remota. Uma dessas lições foi aprendida por meio de Stardew Valley. […]

[…] (Texto publicado no Neo Fusion, em 18/02/2021, disponível no link: http://54.237.89.239/materia/previa/valheim/) […]

[…] (Texto publicado no Neo Fusion, em 14/01/2021, disponível no link: http://54.237.89.239/materia/analise/tell-me-why/) […]

[…] a alternativa não é descartada. Até mesmo tivemos uma história inédita do marsupial em Crash Bandicoot 4: It’s About Time. Poderíamos ter uma nova versão futuramente de Crash Bash – o party game da franquia […]

[…] mas também foi possível prestigiar títulos à parte dos cartunescos, como, por exemplo, o novo Tony Hawk’s Pro Skater 1+2, que resgatou a alma de um dos jogos de esporte mais icônicos de sua geração. Embora a origem […]

[…] não sendo tão inovador e debatível quanto Her Story, o título certamente conquista um espaço importante no (já não tão popular) gênero dos […]

Breath of the Wild carater família?

wishlistei

Você sabe me falar se compensa eu comprar esse ou posso jogar o original também, eu tenho o original mas não. Joguei nenhum você pode me ajudar nessa Dúvida de 259 reais kkkk

Incluindo a fonte de meu comentário.: http://www.vgchartz.com/gamedb/games.php?name=just+dance+2018&keyword=&console=&region=All&developer=&publisher=&goty_year=&genre=&boxart=Both&banner=Both&ownership=Both&results=50&order=Sales&showtotalsales=0&showtotalsales=1&showpublisher=0&showpublisher=1&showvgchartzscore=0&showvgchartzscore=1&shownasales=0&showdeveloper=0&showcriticscore=0&showcriticscore=1&showpalsales=0&showreleasedate=0&showreleasedate=1&showuserscore=0&showuserscore=1&showjapansales=0&showlastupdate=0&showlastupdate=1&showothersales=0

O que mais impressiona é que a versão mais vendida deste jogo foi a do Nintendo Switch, seguida da fucking versão de Wii! TEM GENTE COMPRANDO JUSTA DANCE PRA WII EM 218! E vendeu bem mais que no One... Dificilmente um JD 2019 vai ficar de fora do velho de guerra da Nintendo!

<3

Este jogo é fantástico! Muito bom evoluir todos os personagens. Os personagens da 2ª geração ficam ainda mais fortes. Celice, filho de Sigurd, torna-se quase um Deus, o deixei com 80 de HP, o máximo, como outros status que ficaram no seu máximo, mais os itens: Silver Sword, Silver Blade, Power Ring, Speed Ring, Defence Ring, deixando o Celice muito forte e resistente.

Obrigado! Sobre suas dúvidas: 1) Eu não consegui confirmação concreta de quem é o CEO atual da Game Freak. O pouco que descobri apontava para o Satoshi, mas é possível que ele já tenha saído sim. 2) O texto foi escrito em dezembro, antes do anúncio de Bayonetta 3. Como a ideia é lançar um listão assim a cada seis meses, acho que não vale o trabalho ficar atualizando a cada anúncio. Mas se houver demanda, posso fazer.

Belo compendium dos estúdios da Nintendo e afiliados! Só tenho duas dúvidas: 1- O Satoshi ainda é CEO da Game Freak? Pensei que ele já tinha se afastado. 2- A Platinum não está fazendo Bayonetta 3 agora?

Que bacana, o jogo parece bem legal. Só não compro porque larguei rápido o último jogo do tipo que peguei (Animal Crossing: New Leaf)

O Zelda mais zeldoso de todos

Esse é jogo é O Zelda?

Valeu :)

Realmente é algo incrível, parece até informação secreta kkkkkkk, ótimo post.

Analise justíssima, parabéns Renan! Na minha opinião, por mais que Pocket Camp seja inegávelmente a experiência mobile da Nintendo mais próxima que tivemos da “versão console”, é desnecessariamente repetitivo, incompleto e enjoativo. Além do gameplay lento (como citado na análise), não existem grandes recompensas pela progressão no jogo além de novos personagens e móveis pra construir. No fim, Pocket Camp é apenas (o pior de) New Leaf adaptado para smartphones, com 10% das funcionalidades e mecânicas free-to-play. Talvez uma atualização dê alguma tapeada na repetitividade excessiva, mas teriam que mudar tanto o jogo que nem sei se vale a pena.

Não joguei esse Zelda ainda, por isso não posso fazer comentários sobre o jogo mas sei que a Nintendo sempre capricha nos seus jogos e usa artificios muito elaborados até para as coisas mais simples, certa vez na internet achei um vídeo relacionando o construtivismo de Vygotsky com o jogo super Mario...por fim estou gostando dessa abordagem mais técnica dos jogos, sai um pouco do padrão da internet

É um openworld, no dois vc começa adolescente e vai envelhecendo, as cicatrizes permanecem, vc pode comprar casa e casar nas diferentes cidades... no terceiro muda mas as decisões são fodas, por exemplo vc procura apoio da população de uma vila pra dar o golpe no seu irmão, então vc promete uma ponte pra cidade, depois do golpe vc tem escolher entre construir a ponte e aumentar o exército da sua nação contra o inimigo do jogo ..daí sua escolha muda tudo

Eu ouvi muito de Fable na época pré-lançamento dele, mas não cheguei a jogar. Tinham muitas promessas nesse sentido mesmo, que você ia passar anos na pele do mesmo aventureiro. Ele chega a ser um openworld? E as escolhas geravam caminhos e quests diferentes?

Um jogo bem interessante mas que muita gente não gosta é Fable, vc ter uma vida, fazer escolhas que vão afetar a história é bem interessante, seria bem legal se em Zelda você pudesse desenvolver uma cidade e se tornar herói/prefeito

Rapaz, que texto. A crítica que você fez à premiação do Uncharted bate no ponto certo. As narrativas mais envolventes do universo dos games, pra mim, foram aquelas que exploraram todo o potencial de interatividade que a mídia propõe. Nada contra Uncharted e eu acho que o jogo é brilhante em vários outros aspectos, mas os exemplos citados no texto falam por si só. Enfim, gostei muito. E o site tá lindo, isso aqui é qualidade pura.

Excelente lista! O Switch é uma awesome little indie machine :)

Faltam 2 horas e estou que nem criança imaginando minha reação se eu ganhar.

Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.

O sorteio vai ser ao vivo via live???

Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)

Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.

Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png

cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...

Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público

Agora sim vou ter meu switch o/

Sim!

Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?

Reativei minha conta só pra promoção kkkk

Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte

Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!

Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.

sera que agora ganho o

Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.

Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?

Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!

Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)

Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?

? vou seguir o Renan aqui tbm