Eu tenho pensado muito no Sonic. Essa, inclusive, é uma frase que já falei aqui uns anos atrás, na ocasião de um texto sobre Tony Hawk ‘s Pro Skater 1 + 2. O famoso ouriço azul é uma figura fascinante. Ele continua a correr, mesmo quando tudo aponta para o contrário. Ele está aí há um bom tempo e sua infância foi de grande potencial; nasceu para rivalizar com os grandes personagens de videogame dos 1990 e efetivamente o fez. Ora, Sonic 2 é um dos meus jogos favoritos.
Sua adolescência foi estranha e desengonçada. Sua vida adulta é medíocre, mas ele continua seguindo. A figura fascina, pois de uma forma ou outra somos Sonic, vivendo um rotineiro trabalho de Sísifo, porém sem o tempo, o eurocentrismo e nem a capacidade cognitiva Sartriana, a gente encontra felicidade justamente “correndo” disso tudo: tomando uma, flertando com alguém, assistindo ou lendo alguma coisa, jogando jogos.
Também lembro de um vídeo do canal Innuendo Studios sobre o ouriço em que o ponto central é menos sobre a carreira dele em si, e mais pelo fato do Sonic significar coisas diferentes para grupos e faixas etárias diferentes, ainda mais quando ele foi pensado para ser maneiro e descolado, em oposição ao Mario cuja premissa básica era a diversão. O maneiro e descolado muda com o tempo, numa medida e velocidade maiores do que a diversão. Sonic significa um monte de coisa para um monte de gente, e é difícil conciliar esses grupos todos. Isso acontece com séries que estão aí há um bom tempo, e cujas entradas passearam por diferentes décadas, a partir de distintos estilos de jogo.
A franquia Xenoblade está aí faz pouco tempo, embora a série “espiritual” Xeno também venha dos 1990; mais para o fim da década, em 1998. Você ou viveu ou ouviu falar sobre o ano absurdo que foi noventa e oito nos videogames. É uma pedrada atrás da outra e pra ser sincero acho que 2017, 2020 e os outros anos recentes muito fortes só fazem frente pela vasta e diversa oferta de jogos independentes aliados aos lançamentões: se a trocação fosse só nas grandes publicações a surra seria violenta. Xenogears era um desses petardos, mas eu não quero falar dele. Não hoje, não nesse texto.
Xenoblade Chronicles é uma série relativamente recente, e mesmo tendo uma linha clara e um gameplay extremamente similar entre as 3 entradas principais, parecia que Xenoblade Chronicles e Xenoblade Chronicles 2 carregavam e sustentavam lados opostos de uma mesma realidade. Como se um grupo de fãs do original quisessem e pedissem uma coisa, enquanto os novos fãs do segundo, lançado primeiro e originalmente para Switch, quisessem outra.
E aí chegou o Xenoblade Chronicles 3. Um JRPG sobre iterar e combinar elementos constitutivos, e principalmente sobre encontrar algo que une dois lados agredidos por um terceiro. No contexto da trama e mundo de XC 3, Noah, Eunie e Lanz formam o trio vindo da nação de Keves, enquanto Mio, Taion e Sena vêm do território rival chamado Agnus. Eles passam a viajar de forma conjunta nas primeiras horas da jornada, mesmo diante de todo o ódio e ressentimento entre os territórios.
O trio de Noah representa Xenoblade Chronicles do ponto de vista visual e em relação a como os golpes especiais têm seu período de cooldown reduzido. Também a partir dos mesmos pontos, o grupo de Mio se coloca como os representantes de Xenoblade Chronicles 2. A partir daí uma série de diálogos entre os dois jogos e o que um terceiro deve ser passam a acontecer constantemente. Não temos nem um grupo fechado e nem aquela quantidade absurda de Blades, mas sim a possibilidade de um sétimo e importante aliado no meio de um rol de possibilidades. A exploração funciona de forma mais ou menos similar, colocando barreiras a partir das habilidades e itens que temos, sintetizando o primeiro e o segundo jogos.
O próprio trabalho das mecânicas de batalha também funciona em um sentido de dialogar os títulos antecessores. Golpes especiais são essencias, porém mais simples e com mais possibilidades. A utilização de áreas de efeito dá um tom estratégico mais interessante aos combates e as builds da nossa equipe: é importante pensar composição e sinergia para otimizar os confrontos, além de pensar o posicionamento dos guerreiros para além dos bônus de habilidade (se estamos ao lado, atrás, etc). Muito aqui demonstra uma reflexão sobre o que faz cada jogo de forma específica, sobre o (muito) que os une, e sobre o que uma continuação pode ser.
Ora, o mundo em que o jogo se passa é literalmente um de encontro entre os espaços. Os locais se chocaram fisicamente a ponto de gerar novos ambientes a partir dos antigos. Muita coisa acontece e é esse o texto da história que efetivamente tem uma conclusão nos arcos finais. Contrapondo medo, e a necessidade de se agarrar ao conhecido mesmo em face ao fim, e a coragem de seguir em frente. Mas não é essa a história que mais me interessa em Xenoblade Chronicles 3.
Os atos iniciais de Xenoblade Chronicles 3 trazem uma representação poderosa e gráfica sobre como o tempo é parte importante da vida das pessoas, mas também transformado em coisa, em mercadoria, e tomado delas. Nossos protagonistas, mesmo em nações antagônicas, estão sujeitos à mesma realidade: eles batalham para tomar o tempo de seus adversários, “entregando-o” ao robozão mais próximo para ser utilizado pelas forças superiores e ocultas da trama. No limite, para que se mantenha as coisas como estão enquanto poucos aproveitam.
Os jovens brigam entre si, acreditando que essa batalha é essencial, e que é a vida do outro que devem tomar. Não entendem, no início, que o confronto em si é uma ferramenta de tomada e roubo do tempo deles. Tempo, inclusive, de vida. Os heróis têm uma existência curta, no máximo dez anos, sendo reeditados depois novamente como pilhas recarregáveis.
Em um primeiro momento esse tempo é sugerido como um sistema importante do jogo: ao manter os relógios do nosso Ferronis no alto, os guerreiros daquela colônia serão mais fortes, e o inverso também é verdade. Tal esquema vai pra casa do chapéu no início da campanha, e eu acho interessante a apresentação de um sistema como se fosse algo central, para que depois ele seja jogado fora: quando Noah e Mio destroem o primeiro relógio, eles quebram não só um Ferronis no enredo, mas também um Ferronis outrora estabelecido como um sistema de jogo, que simplesmente não vai existir mais. O jogo só seria sobre isso caso nossos personagens não quebrassem esse ciclo.
Atacar os relógios e os Ferronis é ir contra esse sistema, de jogo e estrutura de mundo. É a partir da viagem conjunta, e da utilização do esquema de Ouroboros (a união entre o par de personagens dos dois lados diferentes gerando um “robozão”) que a turma enfrenta a coisa toda. Enfrentam membros da sociedade que roubam seu tempo enquanto os colocam uns contra os outros. Enquanto os mantém, do ponto de vista da realidade material e de suas percepções e compreensão, como crianças.
Enfrentar essa galera é se permitir compreender e conhecer o que há a volta. O sistema de profissões de Xenoblade Chronicles 3 aparece como um espaço de empatia, de se colocar no lugar de tantos personagens que encontramos: os 6 protagonistas e todo o elenco de apoio. Se colocar, de alguma forma, na percepção de pessoas que conheceram essa realidade de guerra ininterrupta como única possibilidade de sociabilização, e agora colocam isso em cheque de formas distintas. É, também, uma proposta de maior liberdade na formação de guerreiros do ponto de vista individual e da composição do time de um ponto de vista coletivo.
Os antagonistas assistem o desenrolar das coisas em um cinema. A repetição de um mundo que lhes assegura a situação eterna não passa de um entretenimento ao qual eles estão completamente dissociados, ainda que sujos até o osso. Quem joga assiste, mas também joga, e por mais óbvia que seja essa constatação, o propósito aqui é buscar o fim desse ciclo. Ele começa com um grupo de jovens dando o primeiro passo de colocar em dúvida uma existência materialmente danosa. Nos primeiros momentos, Noah e Mio já buscam pontos em comum. É essencial que uma das cenas iniciais seja de todos se apresentando e dividindo seus hobbies: sua vida e interesses para além da repetição de um trabalho de violência, exploração e ódio ao outro.
Xenoblade Chronicles 3 procede, então, para tomar cerca de uma centena de horas de quem resolver ver a jornada até o fim.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm