A indústria de videogames é uma das maiores no campo de entretenimento, movimentando cerca de 100 bilhões de dólares ao ano1. Porém, apesar de todo esse dinheiro envolvido, cada vez ouvimos mais e mais publicadoras de videogames dizendo que não conseguiram atingir as expectativas financeiras de um ou outro título.
A principal consequência disso é a adição de outras formas de monetização a jogos: DLCs, passes de temporada, microtransações, lootboxes e edições deluxe/premium/gold são alguns dos principais exemplos. Por um bom tempo, eu acreditei que essas coisas fossem apenas uma demonstração de ganância. Afinal, como poderia um jogo que vendeu milhões de cópias a 60 dólares americanos não ser financeiramente satisfatório?
Relatórios recentes sobre a indústria mudaram um pouco a minha perspectiva. Com certeza há um quê de ganância, mas o problema parece ser mais sério do que isso. A indústria, ou, pelo menos a parte dela que desenvolve títulos “AAA”, está com problemas.
Ao investigar a situação financeira da indústria, rapidamente encontramos uma grave carência de informações. Para ter uma ideia de quanto um jogo rendeu, precisaríamos saber de três números: quanto foi o orçamento do título (inclusive marketing), quantas unidades vendeu (de preferência, com a divisão digital/físico) e quanto de cada venda vai à publicadora do jogo. Raramente sabemos o primeiro. Geralmente o segundo é composto de estimativas gerais, que nem toda publicadora divulga. E para o terceiro só podemos ter alguma ideia usando alguns dados divulgados por revendedoras.
Sempre soubemos que alguns jogos são extremamente caros. Grand Theft Auto, Metal Gear Solid e Destiny são alguns nomes que rapidamente vêm à mente quando pensamos em hiperproduções de videogames. Isso faz sentido — esses são jogos grandes em escopo e audiência, e passam vários anos em desenvolvimento. Títulos como Call of Duty e Assassin’s Creed têm produções mais padronizadas, mas seus enormes públicos compensam os custos.
Mas nunca pensamos muito sobre o orçamento do “AAA médio”. Os jogos que compuseram grande parte da mídia durante a 7ª geração de consoles, com uma combinação de novas IPs (como Mass Effect, BioShock, Dark Souls) e evoluções de séries antigas (como Far Cry, Halo ou Killzone). A quantidade de jogos nessa categoria é enorme, mas o aumento dos custos de desenvolvimento da 6ª para a 7ª geração causaram o fechamento de dezenas de estúdios desde 2006.
Analisemos o caso de Dead Space 2, desenvolvido pela Visceral e publicado pela Electronic Arts em 2008. O exemplo é pertinente porque, semana passada, a EA anunciou o fechamento do estúdio, que estava produzindo um novo jogo de Star Wars (mais sobre isso abaixo).
Quanto custaria um jogo single-player de terror com uma campanha relativamente curta e contida, desenvolvido por cerca de três anos? Zach Wilson, que trabalhou na Visceral, revela que o orçamento do jogo foi de aproximadamente 60 milhões de dólares2. Ele também estima que outros 60 milhões foram gastos em publicidade para o título. O número pode parecer surpreendente, mas, considerando a estimativa de 10 mil dólares por funcionário por mês3 (multiplique centenas de funcionários por dezenas de meses), não é difícil de acreditar.
Um orçamento tão grande para um jogo de terror é algo perigoso. Afinal, o gênero sempre foi algo de nicho, e mesmo a série de maior sucesso, Resident Evil, não vende dezenas de milhões de unidades. Segundo Wilson, Dead Space 2 vendeu 4 milhões de unidades, que foi abaixo das expectativas da EA. Mas como? 60 dólares vezes 4 milhões de cópias rende 240 milhões de dólares, o dobro dos estimados 120 milhões de desenvolvimento+marketing.
Porém, a EA nunca recebe os 60 dólares em sua totalidade. Em lojas digitais, a Sony, Microsoft, Nintendo, Valve, Apple ou Google fica com 30% da venda, deixando cerca de 40 dólares para a publicadora. Em lojas físicas, o valor é ainda menor, estimado em 27 dólares em 2010 (mas provavelmente ainda menos hoje)4. Isso sem contar promoções, que reduzem o valor para todos os envolvidos, e jogos emprestados/usados, que não entram em nenhuma conta (mas trocas e vendas de jogos sempre existiram). É por isso que há discussões sobre aumentar o preço de jogos, que de certa forma já acontece com as versões “premium” de cada lançamento5.
Vamos chutar então que cada venda de Dead Space 2 resultou em $30 para a EA (um chute bem generoso). Imediatamente, o rendimento total passou a ser $120 milhões, exatamente o custo de produção e divulgação.
Ao continuar a série, a mudança de foco foi clara. Dead Space 3 é mais um jogo de tiro cooperativo do que de terror (soa familiar?) e foi um dos primeiros exemplos de microtransações em um título “AAA”6.
Apesar de todos os esforços da EA, eles não conseguiram fazer de Dead Space 3 um sucesso comercial. Não-tão-ironicamente, o terceiro jogo da série foi o menos vendido, e nem as microtransações foram suficientes para valer o investimento, resultando no fim da série. Eu diria que teria sido mais esperto focar nos fãs dos dois primeiros jogos, ao invés de aliená-los ao transformar completamente a obra para tentar atingir um público enorme (que claramente não se interessou tanto assim). Mas quem sou eu para discutir com testes de mercado que indicam que shooters cooperativos estão na moda?
Após Dead Space 3, a Visceral produziu Battlefield: Hardline (que também foi um fracasso pelos padrões da série, e não alavancou nenhum dos pontos fortes da Visceral) e, até poucos dias atrás, estava criando um jogo single-player de Star Wars com o roteiro de Amy Hennig, ex-Naughty Dog. No dia 17 de outubro de 2017, a EA anunciou o fechamento do estúdio, dizendo que o foco do jogo foi alterado e que a produção continuará sob outras equipes da publisher.
O fator mais preocupante dessa história toda é a aparente desconexão da EA com o mercado. Em primeiro lugar, eles não souberam medir o tamanho do nicho interessado em um jogo de terror. E, segundo, ao invés de alavancar a tecnologia e os fãs do primeiro jogo para fazer dois outros mais baratos e lucrativos, tentaram levar a série para uma direção completamente diferente que não agradou a ninguém.
A nota da EA em relação ao fechamento da Visceral deixa claro que ela não aprendeu nenhuma das duas lições. “Seria um jogo de aventura linear com foco em narrativa”, disse Patrick Söderlund na nota, “temos testado o conceito com jogadores, ouvindo o que eles querem jogar e analisando mudanças no mercado [e] ficou claro que precisamos mudar o design”7. Ou seja, a Visceral estava desenvolvendo um jogo baseado em uma das maiores franquias de entretenimento da história, mas mesmo assim a EA não estava confiante nas possíveis vendas do título.
Isso implica que o custo de desenvolvimento do jogo estava altíssimo e que, aparentemente, a EA não acredita mais em títulos single-player lineares. Segundo as convenções atuais da indústria, o jogo tem que ser gigante e em mundo aberto ou multiplayer para fazer sentido. O curioso é que esses tipos de jogos tendem a ser mais custosos; mas são eles que as publicadoras podem encher de microtransações.
O grande risco aí é que, em 2020, quando esse jogo for finalmente revelado, as convenções da indústria podem ser completamente diferente. Em 2013 eram shooters co-op. Quem garante o que será daqui a três anos?
A indústria de jogos hoje está seguindo o mesmo caminho da indústria de cinema. Não basta um jogo ou filme ser lucrativo. Ele tem que ser extremamente lucrativo. E então produções ficam cada vez maiores e, com orçamentos gigantescos, os retornos precisam ser cada vez mais certos. O resultado é uma quantidade enorme de obras tentando capturar o mesmo público (esse público sendo descrito como todo mundo).
A Warner busca o público gigantesco da Marvel com seus filmes da DC assim como a EA busca o público de Destiny 2 ao produzir Anthem. Porém, enquanto um fã da Marvel pode ter a infelicidade de assistir Batman v Superman sem gastar muito tempo nem dinheiro, não é bem assim que funciona para jogos que envolvem dúzias de horas, evolução de personagem, habilidade e uma comunidade de amigos. Diversos jogos tentaram replicar o sucesso de Call of Duty na década passada, mas nenhum deles chegou perto das vendas de Call of Duty.
A história da EA e da Visceral é um exemplo fresco, mas há histórias similares com a Activision, a Microsoft, a Ubisoft, a Warner, a 2K, a Capcom, a Konami e a Square Enix (mas talvez nenhuma delas tem tantas histórias assim quanto a EA). Porém, há algumas empresas que sobreviveram até agora sem apelar para práticas tão hostis aos consumidores e continuam produzindo novos grandes títulos. Uma delas é a Nintendo.
The Legend of Zelda: Breath of the Wild foi desenvolvido por cerca de cinco anos e pela maior equipe já montada pela Nintendo8. Porém, Miyamoto disse ano passado que a Nintendo precisava vender “apenas” 2 milhões de cópias para pagar o desenvolvimento 9. Um ano atrás, esse número parecia absurdo, mas, agora, nem tanto. Podemos usar a mesma estimativa que usamos com Dead Space 2 para supor que o orçamento do jogo foi, também, de 60 milhões de dólares (não sabemos se isso conta publicidade ou não). Mas a Nintendo não corta lucro das próprias vendas digitais, então podemos assumir que foi mais que isso.
Independentemente do valor exato do orçamento, o jogo vendeu 3,8 milhões de unidades no primeiro mês10, quase dobrando a expectativa de Miyamoto e provavelmente pagando o custo de desenvolvimento, mais publicidade.
Em 2006, quando a Nintendo não acompanhou a onda HD com o pequeno Wii, parecia que sua justificativa sobre custos de desenvolvimento fosse exagerada. Em retrospecto, havia bastante sabedoria nisso: durante os três primeiros anos da geração, o Wii foi um sucesso muito maior que seus rivais, enquanto seus custos para a Nintendo, tanto em hardware quanto em software, eram menores.
Com o Wii U e o Switch, novamente a Nintendo apostou em um poder bruto bem abaixo dos outros consoles. Por uma série de motivos, isso não deu certo com o Wii U, mas o Switch, que tem poder muito mais próximo do PS3 do que do PS4, está sendo um sucesso. Mas, mesmo com as baixas vendas do Wii U, a Nintendo não precisou apelar para outras táticas de monetização para fazer seus jogos serem financeiramente viáveis.
Em 2017, mais do que nunca, temos uma ideia clara da estratégia da empresa. Breath of the Wild e Super Mario Odyssey não são jogos tecnologicamente de ponta — mas também são algumas das obras mais criativas dentro do contexto “AAA”. E, mesmo sem vender dezenas de milhões de unidades nem extorquir seus jogadores, são satisfatórios para a Nintendo. Zelda tem DLC e é possível que Mario também tenha, mas esses conteúdos não se comparam ao desespero que algumas publicadoras demonstram.
Claro que há outros motivos pela aparentemente enorme diferença de orçamento entre jogos da Nintendo e outros. Um deles é a localização no Japão, que por diversos motivos econômicos e culturais, pode resultar em custos de desenvolvimento mais baixos. A Visceral era baseada em San Francisco, uma das cidades mais caras dos EUA. Outros motivos podem ser o apoio em marcas fortes pré-existentes, um conhecimento claro do próprio público e um domínio do hardware que apenas uma first-party poderia ter.
Mas o fator tecnológico é realmente bastante importante. Outros jogos de 2017 também entram nessa categoria ao preocuparem-se menos em tecnologia pura e mais em inovação em jogabilidade, estética ou narrativa. Com isso, tornaram-se alguns dos jogos mais marcantes do ano. Exemplos são NieR:Automata, Persona 5 e PlayerUnknown’s Battlegrounds.
Há também o caso de Hellblade: Senua’s Sacrifice, um auto-denominado “indie AAA”, demonstrando que é possível existir jogos com valor de produção similar aos “AAA” sem a necessidade de publicadoras. Ao financiar seu próprio jogo, a Ninja Theory conseguiu controlar de perto o orçamento e assegurar a visão artística da obra. Pode não ter sido um gigantesco sucesso comercial, mas, considerando seu preço de $30, tenho certeza de que a Ninja Theory confia que o jogo consegue se pagar.
O mercado de indies, naturalmente, está em forte sintonia com essa filosofia. Sem nem poder imaginar nos orçamentos de grandes estúdios, jogos independentes frequentemente se pagam com apenas algumas dezenas de milhares de vendas. Não por acaso, a Nintendo está sendo esperta ao abraçar esse mercado e tentar fazer dele um dos pilares da biblioteca do Switch. Enquanto isso, a Microsoft aposta ferozmente no Xbox One X, enfatizando seu poder e seus visuais em 4K, mas aparentemente esquecendo completamente de preencher sua biblioteca, e até mesmo matando projetos (como Scalebound) graças a decisões similares às da EA.
Não quero dizer aqui que jogos single-player de grande orçamento vão deixar de existir. Afinal, a Nintendo, a Bethesda e a Rockstar claramente têm sucesso nessa categoria. Ao mesmo tempo, jogos como Resident Evil 7 e Tomb Raider foram insatisfatórios para suas respectivas publicadoras. A luz no fim do túnel é que o sucesso do Switch e o fortalecimento dos indies mostrem às publishers que há outras formas de abordar suas produções.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm