Retrô: Final Fantasy - Neo Fusion
Retrô
Final Fantasy
21 de outubro de 2020

Final Fantasy é uma espécie de casa para mim. Não é algo que me define, pois o tempo me deu a oportunidade de herdar não apenas o cinismo, mas também de acessar alguma sabedoria e não me enxergar enquanto pessoa a partir de obras que gosto. Mas é, sim, uma parada que me é familiar no sentido de encontrar um lugar para visitar com frequência.

Para organizar e refletir melhor sobre a coisa toda, resolvi passear por 40 dos títulos da franquia e registrar meus pensamentos em texto. Começamos, tanto eu quanto a série, em oitenta e sete.

O começo de tudo em 1987

Publicado originalmente para Famicom em dezembro de 1987 no Japão, e posteriormente em 1990 no mercado norte-americano para o ocidental NES, Final Fantasy é um RPG desenvolvido para console. Viria, ao longo do tempo, a ser reconhecido como aquilo que chamamos de JRPG. E não apenas como um exemplo, mas sobretudo como um dos definidores.

O grifo na expressão “RPG desenvolvido para console” acima não é por acaso. Minha ideia é justamente sublinhar o quanto ser “para console” direcionou e até mesmo definiu boa parte das características possíveis do jogo. A comparação aqui, evidentemente, é com RPGs criados para computadores.

Um primeiro ponto essencial nessa diferenciação é olharmos para a quantidade de teclas em cada hardware. O teclado do Apple II, por exemplo, possui um número maior de botões do que o controle de Nintendinho. O primeiro Ultima possibilita 21 ações mapeadas ao longo do teclado. Fosse a intenção de Final Fantasy ou Dragon Quest fazerem isso, seria possível apenas a partir da utilização de menus e submenus.

Não é só isso que separa Ultima e Wizardry de Final Fantasy, visto que o título japonês se distancia deles principalmente pelo tipo de videogame que é. Não há um número mais robusto de sistemas de build ou de jogo, customização de atributos, ou mesmo uma aproximação com o aspecto Role-Play (desempenhar um papel) do RPG. Nesse sentido, esses RPGs para console vindos do Japão focaram em um público distinto daquele dos aficionados norte-americanos e dos entusiastas por PCs e RPGs dentro do próprio país.

O público dos consoles era potencialmente infantil. Não foi à toa a escolha dos traços de Akira Toriyama para Dragon Quest. O hardware era menos parrudo e mais direcionado. Os controles eram mais sucintos. A proposta, por fim, também era outra. Houve quem chamasse, em dado momento, esses RPGs japoneses para console de light (ou leves). Com o tempo, o agrupamento deste tipo de videojogos acabou encontrando a alcunha de JRPGs.

A ideia desse primeiro texto é justamente analisar o que o jogador efetivamente fazia (ou faz) no primeiro Final Fantasy e qual mundo, trama e temas estão sendo tocados aqui. Essa será, aliás, a estrutura de cada texto: apontar o que fazemos no jogo, destacando quais são as distinções e novidades do título perante a própria série, discutindo também aspectos narrativos.

Qual é a do jogo Final Fantasy?

De forma similar ao que acontece em Star Wars, Final Fantasy inicia com um pequeno texto contextualizando o ponto em que estamos: o mundo está encoberto pela escuridão, o vento parou, as águas estão revoltas, a terra treme, todos sofrem tendo como a única esperança uma profecia sobre a chegada de quatro heróis da luz.

Após tal texto, podemos apertar o botão para começar a aventura e temos essa como nossa primeira tela:

Imagem da versão de PSP para uma maior resolução.

Cabe ao jogador dividir seis classes entre quatro personagens. Estreiam junto ao título inicial Warrior, Thief, Black Belt (ou Monk), Red Mage, White Mage e Black Mage. Cada uma delas tem maior afinidade com atributos específicos e também acesso a habilidades e magias diferentes. Existem mais seis classes que representam a versão avançada da meia dúzia original.

A mudança, inclusive, acontece mediante um determinado evento. Representa um momento de crescimento dos personagens, quando assumem uma aparência mais adulta (ou mais forte) que considero um momento pioneiro em relação ao arco do Cecil de Final Fantasy IV; notadamente mais focado e desenvolvido nesse sentido, mas não sem precedentes na própria franquia.

Escolhidos os nomes e profissões dos personagens, somos jogados na tela do mundo em uma posição muito próxima da cidade e castelo de Cornelia.

Daqui surge uma das atividades centrais em Final Fantasy: mover seus personagens pelo mapa em busca dos novos objetivos e missões. Parte da experiência é conversar com NPCs para saber mais ou menos para onde ir no mundo e qual o próximo passo do time. Geralmente você ouve alguém dizer que tal lugar é ao norte e é sua movimentação deve se dar a partir dessa informação.

Ao longo do jogo, é necessário ir e voltar, tanto pela forma como estão estruturados os objetivos — eu preciso de um item daqui para poder retornar lá e abrir caminho para chegar acolá — quanto pela necessidade de juntar recursos e conseguir acessar as magias que devem ser compradas nas lojas.

Magias são algumas das habilidades necessárias para batalhar no primeiro Final Fantasy. O título original traz uma batalha por turnos; escolhemos as ações de cada um dos nossos heróis, e elas irão acontecer por ordem do atributo de velocidade considerando tanto nossa equipe quanto os adversários. É distinto de Dragon Quest não apenas pelo fato de termos quatro personagens controláveis, mas sobretudo pela posicionamento da nossa perspectiva.

Vemos, na imagem acima, os quatro heróis na tela. Essa opção, na contramão das referências e pares de Final Fantasy, vai no sentido de criar um apelo visual que acompanhou a série desde então: FF possui uma preocupação “cinematográfica” desde a primeira entrada. A composição da imagem é algo central aqui.

De qualquer forma, a construção dos conceitos visuais de Yoshitaka Amano aparece muito mais na imagem dos inimigos do que a partir de nossos protagonistas. O destaque fica para Chaos e os quatro monstros principais.

Em relação ao ritmo de jogo, há a clara necessidade de grinding — ficar batalhando para conseguir experiência e/ou dinheiro. Isso se dá, entre outros motivos, pela forma como acessamos as magias: é necessário comprar tomos para ensinar um personagem apto. Outro ponto para a repetição de batalhas é a necessidade de evoluir de nível, dado que há progressão por aumentar o level dos personagens através do ganho de pontos de experiência. As dungeons, por sua vez, ainda são razoavelmente simples, trazendo uma proposta também mais leve em relação à exploração dos calabouços.

A batalha é competente, e a possibilidade de ter quatro diferentes origens de habilidades faz com que a coisa seja um pouco mais variada. Os chefes, com raras exceções, aparecem muito mais como sacos de HP do que como desafios variados. Um dos destaques positivos é Astos, pois este pressupõe uma atenção maior no uso de magias e habilidades.

Por fim, é importante também navegar por entre menus, utilizando itens e equipando os protagonistas. Todas essas atividades compõem o núcleo “o que o jogador efetivamente faz”.

Garland, ciclos e o papel do jogador

O arco inicial de Final Fantasy acompanha a chegada dos heróis em Cornelia. Um forte cavaleiro chamado Garland raptou a princesa Sarah e fugiu. Garland e Sarah, inclusive, são nomes recorrentes ao longo da franquia. Cabe aos protagonistas resgatar a filha do rei e provar serem os heróis cantados pela profecia, tendo assim acesso a um novo caminho e podendo encarar a sua jornada de fato.

A partir daqui o texto é composto por spoilers.

Após vencer Garland, o objetivo geral é derrotar os quatro monstros e recuperar o poder de cada um dos cristais (ou orbes na tradução original). Entramos em contato com algumas cidades e locais, e seus problemas em específico oriundos da desgraça geral do mundo, e a partir da resolução desses conflitos menores vamos acessando esses monstros e restaurando os cristais.

Uma melhor realização desses “arcos de cidade” chegaria apenas no terceiro título da série, mas é interessante ver como houve uma preocupação de mostrar o mundo sendo afetado pela escuridão reportada no texto inicial, embora a resolução das crises nunca seja mostrada naqueles lugares.

Chegamos, então, aos momentos derradeiros de Final Fantasy. Ao vencer os quatro monstros, o jogador se depara com um novo problema: Garland, o primeiro chefe do jogo, criou um ciclo temporal no qual os quatro monstros o mandam 2000 anos pro passado quando este perde, e em contrapartida este salva os quatro monstros quando são derrotados, criando um ciclo eterno naquele mundo.

Garland transformou-se em Chaos, o último final da jornada. Assim, terminar Final Fantasy é inserir na própria concepção daquele mundo a mão de quem joga. O texto final do jogo, inclusive, vai no sentido de dizer que apenas a interferência do jogador fez com que fosse possível o fim daquele ciclo.

Parece óbvio e, em princípio, funciona para qualquer coisa, mas a ideia aqui é que, não fosse alguém pegar aquele cartucho, enfiar no console e viver a aventura até o fim, aquele mundo não se concretizaria e seu destino seria de um ciclo eterno. Os quatro heróis, cascas vazias cujo nome e classe de batalha são decididos pelo jogador, não irão se lembrar de nada, pois vencer Chaos é fazer com que o ciclo nunca exista. A memória, entretanto, viverá através de quem joga.

Essa noção metalinguística não é exatamente uma marca da série, mas também não é algo que sumiu por inteiro. A maior contribuição narrativa do primeiro Final Fantasy é nos lembrar que embora o cartucho venha lacrado e igual pra todo mundo, há algo poderoso que acontece entre jogo e jogador.

Este é o primeiro em uma longa série de textos. Na próxima publicação viajaremos para uma estranha, limitada e fascinante entrada: Final Fantasy II.

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Comentários

Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.

O sorteio vai ser ao vivo via live???

Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)

Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.

Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png

cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...

Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público

Agora sim vou ter meu switch o/

Sim!

Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?

Reativei minha conta só pra promoção kkkk

Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte

Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!

Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.

sera que agora ganho o

Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.

Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?

Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!

Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)

Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?

? vou seguir o Renan aqui tbm