Corre à boca miúda que Final Fantasy II é um jogo bem ruim, um dos pontos baixos da série. Do ponto de vista do que se espera do “bom design”, eu não conseguiria rebater isso. Inclusive, eu nem quero rebater essa perspectiva. Ela é válida, além de construída historicamente. Mas Final Fantasy II não é só um título chato pra cacete — pelo menos na versão original de Famicom — como é também uma parada fascinante.
Se é fascinante como um episódio particularmente esdrúxulo e levemente surreal d’A Fazenda ou fascinante tal qual um filme do Tarkovsky, fica a cargo do leitor. Reitero haver, entretanto, muita coisa entre o céu e a terra. Já dizia um conhecido meu: “o contrário da mais sublime música não é o barulho, mas sim o silêncio”. Silêncio e barulho fazem parte de qualquer obra auditiva, é verdade, e um outro amigo meu, este músico, me lembra que até o silêncio pode ser música, mas vocês entenderam o ponto do camarada.
Para começar, o antagonista de FF II — uma figura livremente inspirada na personagem de David Bowie no filme Labirinto (1986) — não apenas faz um pacto com o diabo para utilizar os demônios e monstros do inferno como exército de dominação imperialista, como após ser vencido pelo grupo de protagonistas aplica um golpe de estado no mochila de criança, tornando-se o imperador do inferno. “Fausto paga comédia”, diria o apresentador do Jornal Jornal.
Além disso, o título propõe dois sistemas de jogo distintos dos vistos no primeiro Final Fantasy, trazendo uma trama mais robusta e definida vista pelos olhos de quatro protagonistas fixos, agora com nomes, e mais um punhadinho de personagens temporários.
Antes de adentrar nos meandros do enredo e das conexões de Final Fantasy II com outras obras audiovisuais, chega o momento de apresentar quais foram as novidades de jogabilidade da segunda entrada da série.
O segundo título funciona de uma forma similar ao primeiro no que diz respeito ao sistema de batalha propriamente dito: escolhemos as ações de cada personagem no começo do turno, dados os comandos heróis e inimigos irão agir de acordo com o atributo de velocidade de cada. Ainda não foi aqui a estreia do alvo automático — o personagem agir em outro inimigo automaticamente mesmo que o inimigo original escolhido para ser seu alvo morra pelas mãos de outro herói. Ao fim do dia, os confrontos do jogo funcionam de forma muito similar ao primeiro.
Há, entretanto, uma diferença central de progressão que dialoga diretamente com uma distinção pivotal no conceito das profissões. Em Final Fantasy II, os personagens não progridem por meio do alcance de níveis mais elevados, mas sim têm seus atributos e habilidades aumentadas individualmente por meio de seu uso em batalhas.
Temos ao lado disso o fato de nossos protagonistas não terem profissões definidas, podendo usar qualquer arma e magia. Cabe ao jogador, então, direcionar algum deles para usar essa ou aquela habilidade. Pode-se criar um guerreiro eclético ou até mesmo um especialista mais focado, por exemplo.
Final Fantasy II implode o sistema de jobs do primeiro. Cada arma ou magia funciona como um fator único e aberto a todos, embora a força delas seja definida não apenas por quanto as usamos, mas também a partir dos atributos relacionados — inteligência para magias, força para armas, etc. Esse movimento de implosão e concentração dos jobs é algo bastante recorrente na série, inclusive.
O problema dessa questão em FF II é que você fica razoavelmente forte pros confrontos decisivos, mas eles simplesmente não param de pipocar no mapa e nas dungeons. Não dá para dar meio passo sem uma batalha aleatória. Essa taxa de encontros é diminuída nas versões de GBA, PS, PSP e dispositivos móveis, mas ainda assim é algo irritante.
Até compreendo alguma visão de tal taxa como um propósito de “fazer o jogo render” ou mesmo de sublinhar a dificuldade de se lutar contra um império com o exército do inferno em suas fileiras, mas existe algo em uma repetição desse patamar muito mais próxima de um trabalho, e dos mais sacais aliás.
Mas voltemos ao videogame Final Fantasy II. O outro sistema diferente desta segunda entrada é o das palavras-chave. Para seguir com os objetivos e interagir com personagens que vão nos indicar caminhos e itens importantes, é necessário aprender e perguntar sobre determinadas palavras. Temos o exemplo inicial: para entrar num local, é preciso aprender a palavra “Wild Rose” com os rebeldes na base e mencioná-la em conversa com um outro rebelde na cidade tomada pelo império.
Eu gostei de tal sistema: creio dar um peso maior para os diálogos e ajuda a guiar o jogador ao seu próximo objetivo, visto que são conceitos e nomes centrais para a campanha. Gostaria, inclusive, de ver o sistema retornar e ser expandido em algum momento, mas sinceramente acho pouco provável.
Não é amplamente usado aqui em termos narrativos mais extensos. Nesse sentido eu penso em como determinados adventures — ou point and clicks ou joguinho que você resolve quebra-cabeças através de diálogos ou itens para prosseguir com a trama e vira e mexe os próprios puzzles já compõem a trama — se utilizam desse tipo de interação com personagens diferentes para desenvolver mais a narrativa através dos comentários surgidos.
Também gosto de como o título traz alguns calabouços mais elaborados em relação ao primeiro: temos em FF II certos espaços que se valem muito bem da câmera de cima nos propondo diferentes caminhos entre os andares. Posso ver um baú ou um objetivo do outro lado da parede, mas para chegar ali devo subir e achar outra escada.
Das outras novidades dessa segunda entrada, destaco a estreia de Cid e dos chocobos. Cid, que seria adicionado nas edições posteriores de Final Fantasy apenas sendo mencionado em um diálogo, faz sua estreia oficial em Final Fantasy II, aparecendo em todas as entradas subsequentes. Não é, assim como os mundos e personagens da franquia, a mesma pessoa em cada título, mas um nome que se repete e na maioria das vezes representa um personagem ligado às invenções.
Os chocobos, diretamente inspirados por Nausicaa no Vale do Vento — aliás, o conceito dos monstros vindo ao mundo também é similar —, aparecem como um meio de transporte em que não somos importunados por encontros de batalha. É bastante útil em um dos arcos em FF II, e se tornou também figura recorrente na série.
O mapa de Final Fantasy II é um negócio à parte: tão confuso quanto o regulamento do campeonato carioca de futebol. Eu até entendo a proposta de ser um único continente gigantesco e de como isso dá um senso de desafio em compreender o mapa. Mas, assim como o sistema de evolução e aliado à alta taxa de batalhas, é mais um aspecto do título que faz ele ser um tanto sacal.
FF II, inclusive, parece se esforçar em querer atrapalhar o jogo. Ou melhor, ao destacar um aspecto do jogo (a batalha), acaba alienando alguns outros. Para padrões atuais, eu chego considerar a versão de Famicom meio injogável. Mas é, inegavelmente, um título que parte do anterior enquanto também tenta se dissociar dele e trazer novas ideias para a balança.
Falar da trama de Final Fantasy II é, também, falar de uma novidade que acompanhou a franquia desde então — embora essa realidade seja uma novela um pouco diferente no Final Fantasy III, mas isso fica pra próxima publicação. Temos em FF II personagens com nomes fixos protagonizando uma trama mais elaborada em termos de eventos e tudo mais.
Controlamos Firion, Maria e Guy ao longo de toda a jornada. Estes são acompanhados por variados personagens que ocupam o quarto espaço da equipe de batalha durante determinados momentos do título. Ao fim da campanha, Leon, irmão de Maria e amigo dos outros dois rapazes, retorna para completar a equipe.
A trama começa, justamente, com uma batalha na qual os quatro amigos tentam enfrentar os cavaleiros do império. Tentam, pois o único resultado possível é sermos jantados pelos adversários. Leon some, e os outros três são salvos por Minwu e a princesa Hilda, líderes da resistência rebelde que se instalou em uma outra cidade.
Se no primeiro Final Fantasy conseguimos dar uma surra em Garland nos primeiros momentos do jogo, no segundo título começamos sendo engolidos pelos guerreiros do Império. Temos, portanto, uma diferença substancial no tipo de jornada: não controlamos os heróis da profecia, mas sim os possíveis rebeldes da realidade.
Os próximos parágrafos contém spoilers.
Os jovens se juntam à resistência chamada de Wild Rose. A partir daí, temos uma sequência de eventos em que tentamos mitigar as armas e avanços do Império de Palamecia — desde se infiltrar na cidade até realizar um arco de missões para destruir a letal nave aérea, passando por aprender uma grande magia e, por fim, enfrentando o temido Imperador Mateus por duas vezes.
As personagens que ocupam o quarto espaço do time de batalha vem e vão. Algumas delas são “descartadas” através da morte — aqui temos alguns sacrifícios reais diferentes das “mortes falsas” de Final Fantasy IV. Ainda não temos, e não teremos até o sexto título, a possibilidade de trocar membros da equipe.
Esses membros temporários são justamente os que carregam um pouco mais os eventos do enredo. Nossos três protagonistas, ainda que possuidores de nome, não são tão explorados. Dificilmente você verá algum fã da série dizendo que o Firion, por exemplo, é seu personagem preferido.
Leon, por sua vez, possui um arco mais significativo, dado que este se tornou o cavaleiro negro do império por algum tempo antes de escapar do controle de Mateus e retornar ao convívio de sua irmã e amigos. Nada muito elaborado, muito longe do centro narrativo que tal premissa ocupa no arco inicial de Cecil em Final Fantasy IV, por exemplo.
A segunda entrada da série sublinha fortemente o diálogo direto da franquia com Star Wars: a rebeldia contra um império — a força dos pequenos contra os opressores — tornou-se, então, um tema recorrente na série. Essa é a força de Final Fantasy II. Nossos heróis não vieram da profecia, não vieram da realeza. Eles, quando possível, se levantaram do chão e fizeram a coisa a certa. Não é isso, no fim das contas, um herói de verdade?
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm