Originalidade é a palavra do dia. Em um mundo vasto da indústria de jogos como nos dias atuais, é difícil que algo se categorize como “original” – muitas vezes os desenvolvedores estão se inspirando em algo que gostaram, e é difícil caminhar bem a linha entre “original” e “derivativo”, é difícil fazer algo inteiramente único, apesar de eu não achar que isso é um problema, necessariamente. Como seres humanos, somos naturalmente enviesados por nossas experiências, opiniões e gostos, e não é ruim que coisas feitas por seres humanos tenham inspirações em outras coisas, contanto que não sejam cópias exatas: Como já falei várias vezes em outras resenhas e análises, o importante é que você pegue suas inspirações e dê seu próprio “sabor” a elas, fazendo uma ideia única sua.
Por outro lado, entendo que sempre fazer algo derivativo acaba causando uma sensação de “mesmice”, e por isso é sempre importante que tenhamos tentativas de quebrar essa sensação – pode ser que isso funcione ou não, e só há um jeito de saber: Fazendo essa tentativa virar realidade. É com uma ideia similar que sinto que tivemos o jogo de hoje, Great God Grove.
Criado pela dupla de desenvolvedores independentes LimboLane, Great God Grove é o segundo projeto oficial da dupla, na forma de um jogo de aventura quase-point-&-click onde você precisa reunir os deuses de um bosque usando um megafone. Como assim? Bom, não garanto que vá fazer sentido, mas vamos discutir um pouco da história.
Great God Grove começa com nosso protagonista com estilo de caubói sem nome indo para o titular bosque (Grove) em um barco, onde, em meio a conversas com o capitão, um megafone desconhecido cai no navio. Experimentando o novo aparato ao chegar no bosque, você descobre que o tal ‘megafone’ é um instrumento descartado por King, algo como um mensageiro dos deuses daquele universo – ou pelo menos é o que ele era, antes de ele sumir e deixar cartas para cada um dos deuses do bosque, causando confusão e intriga que afeta todas as regiões do bosque. O que aconteceu? Por que King sumiu? Qual o motivo de sua aparente mudança sem motivo? Para descobrir, você precisa viajar a cada uma das regiões do bosque, supervisionadas cada uma por um deus diferente, e resolver os seus problemas para tentar descobrir mais informações sobre o paradeiro de King.
Com seu objetivo em mente, você conhece um dos primeiros deuses, a senhora Mitternacht – que não para de chorar, sentindo saudades de King, o que inunda a primeira parte do bosque – e o aparente deus que está tentando resolver os problemas, Inspekta, que conta com os seus próprios capangas claramente incompetentes (chamados de Bizzyboys) para tentar resolver os problemas enquanto King não volta. Se alistando como um novo braço-direito-potencialmente-mais-competente de Inspekta, você está então apto a resolver problemas e trazer alegria ao bosque usando sua cabeça e aquele megafone que você encontrou. Entrar em mais detalhes chegaria em território de spoilers, e em um jogo de aventura point & click sinto que a história e narrativa são pontos chave que formam a graça da aventura. Lembre dessa frase, porque ela vai reaparecer em breve.
Como um jogo de aventura quase-point-&-click, você guia nosso caubói protagonista com megafone em mãos pelas áreas do bosque procurando novos personagens para conversar e conseguir eventuais pistas sobre como resolver o problema com o deus daquela área. Menciono que é um “quase” point & click porque você não exatamente aponta e clica, mas controla o protagonista diretamente – imagine um Broken Sword onde você se move livremente e as opções de interação aparecem quando você chega próximo a um dos personagens, algo próximo do que foi feito na saga Deponia. Os diálogos são a parte principal do jogo, sendo que em Great God Grove, nosso protagonista é silencioso – e sua maneira de se comunicar é usando o megafone para aspirar os balões de fala dos personagens ao seu redor e atirá-los quando a situação pede.
Essa é a principal mecânica que define Great God Grove: Durante os diálogos (mais monólogos, na verdade) de personagens, certos balões de fala vão aparecer com uma linha pontilhada ao seu redor, o que significa que aquela fala pode ser relevante para uso em outras situações. Usando um dos gatilhos, você pode aspirar aquela fala para usar em outro momento, e a resolução dos problemas e quebra-cabeças está no uso das falas certas no momento certo, atiradas como um projétil usando o outro gatilho. Por exemplo, tem um guarda na sua frente que não quer sair do seu posto – para fazer ele sair, você precisa encontrar algum personagem que está vendo alguém cansado e diz “vá descansar, isso é uma ordem”, você aspira o balão de fala dele e atira esse balão no guarda, o que faz o guarda sair para descansar. Além de balões de fala, você também pode aspirar certos itens ao redor do cenário para entregar ou apresentar a certos personagens e situações, como uma melancia gigante para arrombar uma porta ou tábuas de madeira para fazer uma ponte. É uma mecânica interessante e bastante única que dá uma nova camada de criatividade à resolução de problemas que geralmente vemos em um jogo de aventura point & click.
Primeiramente, gostei muito da trilha sonora, feita por Louie Zong, um compositor que faz músicas meio esquisitas e pitorescas algumas vezes ligadas a jogos que conheci por recomendações do YouTube (olha só, elas funcionaram alguma vez!), e o estilo musical de Zong é uma combinação perfeita à identidade visual de Great God Grove – que por sua vez é feita de várias ilustrações cartunescas cheias de pontas agudas, traços e contornos grossos e muitas coisas agradavelmente bizarras que dão uma impressão de que os personagens são recortes feitos de papel ou papelão, levemente similar a um Paper Mario mais recente. Cada personagem tem uma mistura de tons de agradável, bizarro e, ocasionalmente, levemente medonho em sua composição, e isso traz uma sensação única de “mundo bizarro” que o jogo todo veste muito bem e que é incrivelmente favorecido pelos vários meios artísticos juntos em um mesmo jogo – incluindo estilos de arte diferentes e até coisas como fantoches ou marionetes. Com certeza o visual é o melhor e mais marcante aspecto do jogo, e se você é alguém que acha que vale a pena experimentar um jogo puramente pela sua estética, Great God Grove vai ser um prato cheio – se você curtir o que ele mostra.
Essa última frase chega no meu ponto principal dessa análise: SE você curtir o que ele mostra. Nem todo jogo precisa apelar para todos os gostos, como já falei várias vezes em outros textos, e creio que Great God Grove é um claro exemplo de um jogo que está nadando suas próprias águas – ao ponto de ter um capítulo centrado (quase sem sutileza) em volta disso, e consigo aplaudir a ideia. É uma pena que eu simplesmente não tenha gostado do jogo, e o motivo mais forte disso está exatamente nos personagens, seus trejeitos e suas falas.
Great God Grove está imerso profundamente em um roteiro cheio de bizarrice e extravagância – Você não vai encontrar um único personagem “comum” nesse jogo, e se encontrar, provavelmente ele vai ser motivo de piada. Desde o início, todos os personagens são extravagantes em seu diálogo, falas, trejeitos e todo tipo de loucura que eles possam ter – os Bizzyboys são incompetentes, bobos e convencidos, você ajuda um carteiro com uma carta colada em seu rosto a se juntar a uma lenhadora durona que maltrata ele (e ele gosta), Inspekta fala o tempo todo em um inglês completamente quebrado (por isso o nome “Inspector” escrito dessa forma), tem um ator de circo com uma língua extremamente grande que está o tempo todo tropeçando nos próprios pés, e a lista segue crescendo durante o jogo inteiro. Esses personagens estão frequentemente te lembrando pelo seu diálogo que essas são suas personalidades e características, a ponto que o diálogo do jogo é essencialmente uma série de personagens bizarros se apresentando e falando ocasionalmente sobre o que o deus da área que vivem está fazendo, e a bizarrice foi tanta desde os primeiros minutos que isso simplesmente me afastou do jogo.
Tenho noção que isso parece contraditório ao que falei há algumas linhas atrás aplaudindo a originalidade, mas sinto que tem um ponto pessoal a cada pessoa que é um pouco demais, e se você não está na mesma vibe que o jogo, não tem muito o que fazer. Por exemplo: Se você já jogou Devil May Cry 3, sabe que o jogo é altamente explosivo e brincalhão, e quando Dante encontra um cérbero guardião infernal 3 metros maior que ele, sua reação é chamar ele pra brincar como um cachorrinho, completo com apelidar ele de “Fido” – e eu pessoalmente gosto dessa interação, mostrando o tom jocoso do jogo, mas se você é uma pessoa que quer ver algo mais sério, mais realista ou menos absurdo, você não vai curtir Devil May Cry – E esse é o tipo de situação que aconteceu comigo e Great God Grove. Entende o que quero dizer?
Em outros jogos, incluindo o mencionado DMC3, dá pra disfarçar um pouco do diálogo e momentos que não batem com sua vibe porque o foco da jogabilidade está em outra coisa, mas em um jogo de aventura como Great God Grove, onde os protagonistas e diálogo são uma parte integral do aproveitamento do jogo, é mais difícil ignorar isso se você simplesmente não está em concordância com o estilo dessas duas coisas, e infelizmente é exatamente isso que aconteceu comigo. É difícil pôr em palavras algo tão abstrato quanto essa parte específica do meu gosto, mas senti que era como se o jogo estivesse balançando um molho de chaves na minha cara enquanto fazia barulhos esquisitos para tentar me cativar desde o primeiro momento que me viu, e isso simplesmente não funcionou – na verdade, só me afastou. Não gosto de simplesmente parecer um estraga-prazeres ou velho rabugento, mas Great God Grove simplesmente não me cativou, e não há muito o que posso fazer nessa situação.
Tenho algumas críticas mais “objetivas” a Great God Grove, como o espaço de inventário limitado: Você só pode ter até 5 itens ou balões de fala consigo a todo momento, e quando você descarta algum deles, tem que voltar para o lugar onde pegou aquele balão de fala e escutar o diálogo todo de novo, e como uma grande parte dos balões de fala não é estritamente útil para progressão (apenas diálogos e situações engraçadas – que para mim variaram muito em eficácia por motivos já estabelecidos) você vai ter que voltar e ouvir diálogos repetidos várias e várias vezes, além de alguns pulos meio esquisitos de logica (esperados do gênero, eu suponho), o que torna o fluxo do jogo mais maçante do que deveria.
Além disso, não há nenhum tipo de lock-on ou indicativo da “hitbox” dos personagens bidimensionais, então várias vezes acabei errando os tiros e tendo que pegar os balões de novo e tentar mais uma vez seguir com o diálogo. Sinto que essas seriam críticas relativamente menores se eu estivesse na mesma vibe do ambiente e roteiro de Great God Grove, mas como esse não foi o caso, esses problemas acabaram com a sensação de serem exacerbados, e durante minha estadia no bosque estive profundamente entediado e ocasionalmente frustrado. Por fim, o jogo não tem tradução em português, o que limita uma boa parte das possíveis pessoas que jogariam.
Apesar de tudo isso, não sinto que é certo simplesmente dar um veredicto de jogo “ruim” para Great God Grove: É um jogo que claramente está nadando suas próprias águas – é apenas uma pena que eu simplesmente não tenha curtido essas águas. É estranho para mim, já que curti alguns jogos que faziam coisas bizarras, pitorescas ou estranhas com seus personagens, como Undertale, The Messenger ou Psychopomp, mas simplesmente não foi o caso com Great God Grove.
Se você estiver na dúvida, recomendo que veja um pouquinho de alguém jogando o jogo para sentir se o estilo é algo que você curte e o diálogo parece algo que pelo menos não vai te irritar – e daí você tira sua decisão.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm