Os últimos dois meses foram difíceis para quase todo mundo, inclusive pra mim. Eu saí de um fevereiro conturbado, comecei a me recuperar em março, apenas para ser acertado em cheio pelo início da quarentena. Eu moro na Itália, onde a necessidade de isolamento veio um pouco antes do que em outros lugares, e passei um bom tempo repleto de incertezas sobre como seriam as semanas seguintes. Especialmente no começo, um sentimento me assombrou: a solidão. Por mais que eu não esteja completamente isolado e ainda tenho a oportunidade de ver dois ou três amigos com frequência, passar tanto tempo em casa com meus próprios pensamentos foi de certa forma desconfortável. Foi durante esse período que escrevi as minhas análises de Ori and the Will of the Wisps e Doom Eternal.

Quando meus amigos em outros lugares do mundo começaram a ficar em casa também, notei que isso poderia ser uma boa oportunidade para entrar em contato com pessoas importantes para a minha vida, mas com quem eu não falava direito há um tempo. Então passei dias em longas conversas via Discord, WhatsApp ou Skype com velhos amigos na Suécia, Inglaterra, Espanha, em Portugal, nos EUA, no Canadá e, é claro, no Brasil. Reconectar com essas pessoas foi bastante importante para mim, e estou muito grato aos meus amigos por, juntos, fornecerem uma base de apoio emocional em um momento de necessidade. Eu também comecei a fazer terapia psicológica remotamente — algo que parecia distante da minha realidade antes, mas que também se demonstrou uma útil ferramenta.

Estranhamente, além das conversas com amigos e da terapia, mais uma coisa me ajudou imensamente a superar a solidão do isolamento: Animal Crossing: New Horizons. Desde o momento que o jogo foi anunciado, eu tinha certeza de que eu não o jogaria. Eu joguei um pouco de New Leaf lá em 2013, quando apreciei o jogo, mas senti que não era pra mim. Bom, talvez só não fosse o momento certo.

No final de março, enquanto eu jogava e escrevia sobre Doom Eternal, reparei a quantidade de bons amigos que jogavam Animal Crossing. Foi graças a uma conversa com um amigo inglês, e um desconto de uns 15€ no preço do jogo, que resolvi morder e experimentar. Inaugurei a ilha Chill Pill em 1º de abril de 2020. Mal sabia eu o que me aguardava. Um mês e 100 horas de jogo depois, posso dizer que Animal Crossing foi uma parte surpreendentemente relevante da minha recuperação — que não está completa, mas está progredindo. Nesse tempo, aprendi diversas coisas com o jogo, e gostaria de compartilhar algumas importantes lições com vocês aqui.

Qualquer atividade pode ser divertida com boa companhia.

Uma das coisas que mais gosto de fazer em Animal Crossing é visitar as ilhas dos meus amigos, ou convidá-los para conhecer a minha. Apesar das burocracias online da Nintendo, reuniões dentro do jogo me trazem muita alegria, mesmo que seja apenas com atividades banais. Não temos tantas coisas diferentes para fazer juntos dentro do jogo, mas isso não me impediu de criar boas memórias com ele. Em outras palavras, contando que você esteja com bons amigos, atividades simples são sempre agradáveis.

Bom humor e solidariedade vão mais longe do que egoísmo e ganância.

De forma geral, a comunidade ao redor de Animal Crossing é incrivelmente generosa. Claro que, entre meus amigos, coordenamos compras e vendas de nabos para otimizar o ganho de todos, mas mesmo estranhos muitas vezes abrem suas ilhas para qualquer um que queira ficar rico naquele dia. Quando não podemos nos visitar, a principal forma de interação entre amigos é enviando presentes, ajudando na obtenção de itens diferentes e trazendo um resultado positivo para todos.

Às vezes só precisamos fugir da realidade.

Animal Crossing fornece uma simulação de algo que todos queremos agora: ambientes externos. Claro que olhar para a tela do Switch não é a mesma coisa que andar no parque, mas os cenários coloridos e as músicas relaxantes do jogo fornecem algo que se assemelham a um substituto. E, nesse tempo, podemos pensar em outras coisas além da nossa própria ansiedade.

Tudo fica mais fácil quando somos organizados.

Eu sempre fui uma pessoa desorganizada. Não terrivelmente tal, mas um pouco mais do que eu gostaria. Em um certo ponto de Animal Crossing, percebi duas coisas. Primeiro, o jogo parou de estabelecer metas para mim; dali em diante, eu ditaria meus próprios objetivos. E segundo, para tornar a minha ilha em algo de orgulho, eu precisaria planejar e me organizar de verdade. Assim, rabisquei um plano diretor para a ilha e uma lista de tarefas para que, a cada dia, eu chegasse um pouco mais perto do que havia planejado. Dessa forma, eu consigo me sentir mais engajado no jogo e focar em pequenos objetivos, um de cada vez, sem me sentir completamente perdido nas ideias que vêm e vão da minha cabeça.

Inspire-se, mas evite comparações desnecessárias.

Como eu comecei a trabalhar na minha ilha depois dos meus amigos, fiquei completamente incrédulo quando os visitei pela primeira vez. Enquanto eu catava mato para pagar minhas primeiras dívidas, meus amigos já tinham cenários mirabolantes e ambientes decoradíssimos. Por alguns dias, fiquei um pouco com a sensação de que, por mais que eu continuasse jogando, minha ilha nunca seria tão bonita e organizada quanto as deles. Então percebi que essas ilhas me serviriam de inspiração, mas eu deveria evitar comparações de certa forma tóxicas. Cada jogador tem seu estilo e seu ritmo, e nem todos chegaremos aos mesmos lugares ao mesmo tempo. Essa é a beleza de Animal Crossing e, curiosamente, da vida real.

Mesmo tarefas rotineiras podem ser divertidas.

Animal Crossing é, em grande parte, um jogo de tarefas e rotinas. Somos recompensados por jogar diariamente, e todos os dias temos algumas tarefas que podemos fazer, como coletar algumas frutas e desenterrar fósseis. São coisas que não precisamos fazer, mas nossa experiência com o jogo será melhor se as fizermos. Com o tempo, cada pessoa desenvolve sua própria forma de executar essas tarefas, e entra em uma rotina agradável e recompensadora.

Verdadeiras amizades duram mais do que o tempo.

Não importa o que aconteça, a maioria dos personagens de Animal Crossing serão amigáveis com você. Mesmo que ocorra uma frustação e eles pensem em abandonar sua ilha, tudo pode ser resolvido com uma boa conversa. E assim são boas amizades: atenção é importante, mas não deve ser necessária uma manutenção constante.

Seja livre para ser quem você quiser.

New Horizons introduziu à série a possibilidade de mudar a aparência do seu personagem à vontade. Isso abre uma nova dimensão de expressividade ao jogo: afinal, muitas vezes nossa aparência está de certa forma atrelada ao nosso humor. Alguma combinação pode parecer mais “certa” em um determinado dia, então basta um armário e um espelho para mudar sua cor de pele, cabelo, sexo e acessórios para aquilo que te fizer se sentir melhor.

Esses pontos podem aparecer bobos ou óbvios, mas pensar em tudo isso me ajudou muito nas últimas semanas. Para mim, os dois pontos chave foram amizade e organização. Em termos de amizade, Animal Crossing trouxe uma desculpa para interagir com meus amigos, até que eu percebi que não precisava de desculpa para falar com quem eu gosto. Já sobre a organização, o jogo tem servido como espécie de cobaia para a vida real, me preparando para planejar e estruturar melhor diversos tipos de projetos, inclusive estes que produzo para o Neo Fusion. A vida não é remotamente tão simples quanto Animal Crossing, mas muitas vezes é justamente na simplicidade que encontramos aprendizado.