Retrô: Shadow of the Colossus - Neo Fusion
Retrô
Shadow of the Colossus
2 de fevereiro de 2021

Já começo meu texto insatisfeito com o que vou escrever. Por mais que eu tente colocar em palavras, ilustrar com imagens ou exemplificar sob uma ótica comparativa, pouco do que será lido daqui em diante por você, leitor e leitora, representa a jornada de Agro e Wander da forma mais adequada. Prometo, porém, tentar ser bem honesto — enquanto transpiro admiração  — para falar da segunda obra da saudosa Team Ico. Aliás, admiração é a palavra que melhor descreve meu sentimento com a totalidade da experiência que tive.

Antes de mais nada, Shadow of the Colossus (2005) é um dos videogames mais influentes de todos os tempos. Bem, você pode jogar essa carga de responsabilidade sobre Ico (2001), mas o primeiro jogo do lendário game designer Fumito Ueda não foi tão popular e aclamado quanto sua sequência espiritual. Os dois estão intimamente ligados quando vislumbramos com um olhar mais clínico, mas não é parte do inconsciente popular associá-los — ainda há muita gente que desconhece o primeiro jogo do estúdio, erroneamente considerando o segundo como uma obra avulsa. Assim como Dark Souls (2011), jogo que estabeleceu convenções para o subgênero Soulslike, iterou em cima de Demon’s Souls (2009), Shadow of the Colossus rabisca sobre a simplicidade genial de Ico. É um tanto pertinente, aliás, traçar o paralelo entre a evolução de jogos da Team Ico e da FromSoftware: foi Ico que motivou Hidetaka Miyazaki, diretor criativo e atual presidente da FromSoftware, a se envolver com o desenvolvimento de jogos eletrônicos.

O quinto colosso, apelidado de Avion, é um dos preferidos do público.

O quinto colosso, apelidado de Avion, é um dos preferidos do público.

O legado de uma obra-prima

Eu infelizmente não joguei Shadow of the Colossus em seu lançamento original, na época exclusivo ao PlayStation 2. Sinto um pouco de desgosto próprio por não ter vivido a experiência inserida naquela época — afinal, jogos não existem num vácuo —, porém grato de ter tido acesso de outra forma posteriormente (a versões tecnicamente mais agradáveis, diga-se de passagem). Também passei batido por The Ico & Shadow of the Colossus Collection, versão que reune os dois jogos em formato remasterizado para o PlayStation 3. Minha trajetória com a obra começou com o remake de 2018, um projeto desenvolvido pela Bluepoint Games com a aprovação (lê-se “benção”) de Fumito Ueda, seguiu para o remaster e finalmente desaguou no jogo original.

Qualquer que seja a versão escolhida, Shadow of the Colossus nunca deixa de ser um espetáculo visual e de levar em seu âmago uma coleção de conceitos muito bem aplicados. Em sua totalidade, enquanto obra da linguagem de jogos eletrônicos, o jogo consegue causar sensações muito únicas por meio de seu gameplay. A cada novo colosso encontrado e desvendado, somos cobertos por um véu de poder e conquista somente para, em seguida, nos sentirmos completamente esvaziados e culpados segundos após a derrota de cada um desses 16 inimigos. Inimigos? Pois bem, é uma boa pergunta. Quem é o inimigo mesmo? Seja por inocência ou por egoísmo, somos ensinados uma valiosa lição sobre o poder que carregamos com nossas escolhas (ou com a ausência delas).

A transformação gradual de Wander é parte de uma narrativa embutida, mas não deixa de impactar bastante pela forma como é conduzida pelo game design.

A transformação gradual de Wander é parte de uma narrativa embutida, mas não deixa de impactar bastante pela forma como é conduzida pelo game design.

Detalhes que fazem a diferença

Falando individualmente dos aspectos técnicos que o compõem, Shadow of the Colossus é imperfeito como todo grande e influente jogo “clássico” que conhecemos. Os problemas de câmera e controles levemente desajeitados durante a escalada são fatores que, por diversas vezes, parecem mais impeditivos do que a própria dificuldade de encontrar os pontos fracos das criaturas. Em sua versão original, o desempenho do jogo também deixa a desejar, com quedas bruscas na taxa de quadros por segundo. Obviamente, para a época, essa característica incomodava bem menos que agora, mas é válido levantar esse ponto.

Por outro lado, o jogo exala excelência na porção artística. O original, além de ser estruturalmente minimalista (um traço conhecido como design por subtração), apresenta seu mundo sob uma atmosfera sombria, caracterizada por texturas mais “lavadas” e uma paleta de cores mais frias, menos vívidas. A trilha sonora do compositor Kow Otani, outro grande destaque da obra, funciona bem não somente porque suas composições evocam um senso de aventura, de melancolia ou de mistério, mas porque só aparece no momento certo. Cavalgando na companhia de Agro em busca das criaturas escondidas, podemos refletir sobre nossas ações enquanto jogadores e contemplar a imensidão desse mundo — certamente não tão grande para os padrões atuais, mas que deixa uma marca por sua escala frente à estatura do protagonista.

Técnicas mais modernas de iluminação e sombras intensificam a atmosfera do remake.

Técnicas mais modernas de iluminação e sombras intensificam a atmosfera do remake.

Apesar da escolha um tanto contrastante, eu vejo valor na mudança de direção artística da Bluepoint Games na versão exclusiva ao PlayStation 4. Os tons mais acinzentados em blocos e rochedos presentes na paisagem e no corpo dos colossos valorizam o detalhamento dos desenhos esculpidos. O aspecto visual mais realista de gramíneas e pelos — assim como percebemos nas penas de Trico em The Last Guardian — passam uma sensação de suavidade e fluidez nos modelos mais robustos do console da Sony.

Instinto de caçador

Há algumas discussões que caberiam nesse momento sobre o papel de Shadow of the Colossus em questionar o jogador sobre suas ações, ou melhor, sobre a prática recorrente delas dentro dos videogames deliberada e inconsequentemente. Não vou me estender nos assuntos de violência nos games ou de sair vitorioso por meio da derrota de terceiros — quase sempre presente nos jogos — por se tratarem de assuntos que demandam muito mais do que apenas alguns parágrafos. Tenho certeza que esse não é o primeiro jogo a fazer isso, mas registro aqui: derrubar cada colosso e entender por que você o fez é bastante impactante.

O colosso que paira sobre o deserto não quer guerra com ninguém.

O colosso que paira sobre o deserto não quer guerra com ninguém.

Gosto sempre de pegar como exemplo Phalanx, décimo terceiro colosso que devemos eliminar no curso dessa caçada desenfreada. Nos arredores de um altar esculpido de rochas, em uma região árida de Forbidden Lands, reside um “dragão voador” bastante intimidador por suas dimensões. Só seu comprimento, da cauda à cabeça, seria suficiente para cobrir parte de um desfiladeiro. O que mais chama atenção, porém, é como ele reage a nossa presença — ou melhor, como ele não reage. É fácil até demais ser hostil com uma criatura indefesa e pacífica como essa para benefício próprio, não é mesmo?

Deixando a moralidade apresentada pelas mecânicas de lado, é bastante épica a sensação de ir em busca do próximo desafio. Nosso papel é interpretar os caminhos daquele mundo munidos de uma poderosa espada — que quase sempre indica o caminho sem mais delongas — até chegar ao colosso em questão, uma seção que combina resolução de quebra-cabeças com algumas habilidades de plataforma. É a repetição dessa tarefa, porém, que desencadeia nossa reflexão e a progressão narrativa mais direta por meio de cutscenes.

Para mim, Shadow of the Colossus é uma obra-prima, uma referência muito clara e sólida de como a linguagem dos videogames é poderosa quando sai de sua zona de conforto enquanto produto comercial de entretenimento. Enquanto ainda reverbera pelos quatro cantos do mundo, aguardo ansiosamente pelo próximo trabalho de Fumito Ueda e companhia que, com muito pouco, consegue mexer muito com nossos corações.

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Comentários

Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.

O sorteio vai ser ao vivo via live???

Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)

Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.

Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png

cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...

Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público

Agora sim vou ter meu switch o/

Sim!

Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?

Reativei minha conta só pra promoção kkkk

Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte

Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!

Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.

sera que agora ganho o

Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.

Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?

Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!

Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)

Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?

? vou seguir o Renan aqui tbm