Dead Synchronicity segue o estilo dos adventures clássicos, o que coloca a solução de puzzles como um aspecto central do jogo. Mas pela qualidade de seu aspecto visual, a interação com o mundo é bem limpa, com uma interface que abre mão da lista de verbos que vemos em um jogo como Thimbleweed Park, por exemplo. São propostas distintas, e é bacana ver a biblioteca do Switch receber diferentes experiências dentro do gênero.
O título também tem como algo muito importante a construção de seu enredo, principalmente através do contato com os personagens e da contextualização que vai se formando do mundo em que estamos. E tanto a história como os puzzles são desenvolvidos de forma agradável durante a maior parte da experiência.
A narrativa chama atenção desde o começo. Acordamos em um mundo desconhecido por nós e pelo protagonista, que está sofrendo de perda de memória. Nos primeiros minutos precisamos conversar com habitantes do acampamento para entender um pouco melhor o contexto. Um grande evento aconteceu, destruindo boa parte do mundo e trazendo enfermidades para as pessoas. Em pouco tempo as instituições foram se deteriorando, e os Estados, facções e empresas foram substituídos por outros focos de poder. Os recursos são escassos, assim como as informações.
É por conta desse evento que nosso personagem está com amnésia, e também o motivo pelo qual está em um acampamento para refugiados. Rapidamente entendemos que o lugar está muito mais para um campo de concentração do que para um foco de ajuda humanitária. E é vendo uma ação extremamente violenta por parte dos militares da cidade que entra um importante personagem que nos coloca algo que guia boa parte da experiência: “você tem que fazer o que tem que fazer”.
Dead Synchronicity possui um enredo interessante, que tem como norte a necessidade do Michael (o protagonista) de descobrir quem foi e o que está acontecendo, mas que se desdobra na construção de um mundo no qual as relações sociais estão mais diretamente ligadas à ideia do “faça o que tem que ser feito”. A primeira parte do episódio traz mais encontros no quais realmente acreditamos que podemos ajudar os outros.
Ajudar os outros, nesse mundo, vai te levar apenas até um certo ponto, e aí entra a segunda parte da história, aquela em que é necessário compreender que em um mundo sujo e violento, é necessário sujar as mãos e agir de forma violenta para fazer o que precisa ser feito. É interessante como os encontros e diálogos com os outros personagens permeiam e constroem esse processo.
Os primeiros objetivos do jogo são justamente centrados em ajudar alguém para poder prosseguir: consiga um passe para sair do campo e ir até a cidade para poder procurar um remédio para um garoto e então saber mais sobre seu passado. A coisa muda de figura mais para frente, com você ajudando pessoas imorais para conseguir seus objetivos, a despeito do resultado disso.
É claro que existem pontos chave na história que fazem com que essa diferença faça sentido, e é interessante ver como os diálogos, a relação com os personagens e os puzzles acontecem de maneiras um pouco distintas. Dead Synchronicity constrói esse mundo horroroso e opressivo através do desenvolvimento de sua história, e complementa essa criação com a utilização de um aspecto visual que casa bem com a temática.
Também é interessante como o jogo vai criando os diferentes tipos que habitam o mundo: os ratos são os que moram no acampamento de refugiados, pessoas que podem ter ou não a doença dos dissolvidos (que te faz explodir em algumas semanas); as toupeiras são aqueles que deduram os dissolvidos para o grupo militar, ganhando assim alguns privilégios como ir para a cidade; e os porcos são os militares, que detém o poder das armas e agem de maneira violenta.
Eles vão sendo apresentados por contato direto com personagens, mas também por situações que os situam como grupos sociais definidos ao longo do enredo. Michael, a princípio, não faz parte de nenhum desses três tipos, e nem do grupo de caçadores (pessoas ligadas ao mercado negro e com algum poderio militar).
Michael está sozinho, e possui apenas sua inteligência para ir seguindo em frente. E aí entram os atores mais odiados e amados dos adventures, os puzzles. Dead Synchronicity faz um bom trabalho ao conectar o desenvolvimento do enredo com criar uma clareza nos objetivos de Michael. Sempre é bem claro quais são os objetivos em curto e longo prazo, fazendo com que nunca nos sintamos perdidos ou realizando um quebra-cabeça apenas por sabermos que é o que vai nos fazer seguir adiante. Também não é necessário ficar caçando objetos de interação aqui, já que é possível alternar rapidamente entre eles de forma mais automática (o que é interessante para a adaptação aos consoles).
Ele é bastante linear, no sentido em que não nos dá múltiplos objetivos ao mesmo tempo, o que pode ser um problema quando se empaca em algo, e pelo fato de haver apenas uma solução para cada problema. E ele costuma fazer um bom trabalho em dar pistas e sinais, o que também acontece de mãos dadas com a criação da atmosfera e dos personagens. Infelizmente em alguns momentos ele falha em sinalizar algumas coisas, quebrando alguns puzzles e frustrando a experiência, o que aconteceu duas vezes durante a jornada.
Dead Synchronicity é competente em responder ao jogador, dar feedback. Isso é importante para que o puzzle, de certa forma, ajuda a se resolver. Isso acontece quando a tentativa de usar um item de traz um retorno do motivo pelo qual aquilo não vai dar certo, e não apenas uma resposta como “não quero fazer isso” ou “qual o sentido disso?”.
Isso tudo para dizer que o jogo traz alguns puzzles interessantes e até mesmo memoráveis, sempre aliados à construção do enredo e dos personagens, mas que também traz outros chatos, irritantes e sem inspiração. Isso também se relaciona um pouco ao desenvolvimento do enredo, que é absolutamente bem conduzido de forma geral, mas que tropeça em alguns desses problemas da jogatina e também em algumas opções de áudio que não casam bem com a ação que está acontecendo.
Mas o jogo também traz personagens e situações impactantes. Do pragmático Caçador ao pastor iludido, do soldado irritado com gatos ao pai de família que parece ser bom demais para sobreviver nesse mundo. Dentre tipos tão interessantes e críveis no contexto de DS, o destaque fica para Rose, uma delirante garota que é prostituída por dois homens patifes e que está no centro de alguns dos puzzles mais memoráveis do jogo, e também para Michael, o protagonista que ocupa um lugar bem peculiar nesse mosaico de indivíduos.
Todos aprendem, de uma forma ou outra, que é preciso fazer o que se tem que fazer. Que sobreviver e atingir seus objetivos em um mundo como esse é a única forma de viver. O mais importante é que Dead Synchronicity não mostra uma sociedade tão diferente da nossa, e os próprios caminhos do enredo nos mostram isso. O contexto pode não ser o mesmo, mas ele ainda é um contexto violento, individualista e covarde.
O jogo acaba em um momento de clímax na história, e seu final é tão aparentemente abrupto que só então descobri que o jogo foi dividido em dois. Parece muito mais uma decisão que teve que ser feita do que algo que tenha muito sentido com o que está sendo apresentado no jogo, o que acaba chateando um pouco, mesmo que o final do episódio consiga fechar bem algumas narrativas, apresentar novas situações e preparar para o próximo episódio. Particularmente, estou empolgando para a próxima parte, o que é um bom indicativo em relação à Tomorrow Comes Today.
Com execução boa de seus pontos principais (enredo e puzzles), Dead Synchronicity em vezes flerta com momentos memoráveis, em outras com situações problemáticas e frustrantes. Desenvolve, sobretudo, sua narrativa em direta relação com seus puzzles e personagens, trazendo uma interessante reflexão sobre os temas do poder, da moralidade e da sobrevivência.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm